Indícios apontando para uma crise na segurança pública, como a mobilização de policiais de todo o País por salários iguais aos do DF, vêm sendo ignorados pelas administrações
Guaracy Mingardi - O Estado de S.Paulo
Um mistério da história é aquilo que a escritora Barbara Tuchman chamou de "marcha da insensatez". Num livro com esse nome ela mostrou casos em que governos supostamente sensatos apostaram em políticas desastrosas, guiados pela inércia, teimosia ou falta de quem interpretasse os sinais. No Brasil vimos várias dessas marchas; duas deixaram nódoas nas administrações dos últimos presidentes. A equipe de FHC ignorou as carências da geração de eletricidade até o último minuto, o que levou ao racionamento conhecido como "apagão". Sob Lula, a crise foi na aviação comercial, quando a falta de estrutura deixou muita gente em solo. Os críticos apelidaram a crise de apagão aéreo.
Como a história nunca se repete, a presidente Dilma pode ter um apagão diferente, o da segurança pública. Vários indícios disso vêm sendo ignorados pela administração pública, principalmente no âmbito estadual. O mais importante é a mobilização de policiais de todo o País apoiando a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que elevaria os salários aos níveis da polícia do DF, a mais bem paga. Posteriormente surgiram modificações que diminuíram o impacto do projeto, criando um piso salarial e deixando para lei complementar defini-lo. Muitos, porém, mantêm a briga pela equiparação com os colegas de Brasília. O problema da PEC original é que nenhum governador aceita pagar a conta. Quebraria seu Estado ou levaria a uma série de reivindicações de outras categorias. Quanto à União, resta saber se tem disposição ou bala na agulha para arcar com parte das despesas. O governador do Mato Grosso do Sul já se pronunciou por uma divisão de custos.
Enquanto os policiais reivindicam, os Estados diminuem gastos com segurança. O anuário de 2010 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que em 2006 os Estados gastaram 7,55% de sua arrecadação com segurança, e esse número caiu para 6,92% em 2008. A União, por sua vez, aumentou o gasto de 0,95% para 1,23% no mesmo período. Resumo da ópera: os policiais querem mais, os Estados gastam relativamente menos e a União aumenta timidamente. Assim, a equação não vai fechar.
Há uma década que alguns Estados vêm transferindo parte da carga da segurança para a União. A bolsa-formação, por exemplo, é uma forma de subsidiar policiais que ganham pouco. Com isso governos estaduais se desobrigam de aumentos salariais. Passam o pepino para o governo federal. O problema da bolsa é que é finita, tanto no número de policiais que pode atender como no tempo. Além disso, o policiamento e a investigação da maioria dos crimes, além da manutenção de suas polícias, é atribuição dos Estados, não da União.
O imbróglio já começou a produzir problemas. Neste ano já foram deflagradas quatro greves: da PM da Paraíba, da Polícia Civil do DF, dos agentes penitenciários de Alagoas e da Polícia Civil da Bahia. No caso baiano, a motivação parece ser mais corporativa do que sindical ? um policial foi morto numa ação da corregedoria. Nos outros casos o motivo foi salarial. E a mobilização pode levar a novas paralisações, como mostram os blogs mantidos por policiais.
É significativo que entre os grevistas conste a Polícia Civil do DF, cujo salário é o dobro daquele dos policiais civis paulistas. Isso indica que o movimento não leva em conta disparidades regionais. E também não a diferença no contracheque de membros de uma mesma instituição. Existem Estados onde o salário inicial do delegado é cerca de R$ 9 mil e o dos agentes e escrivães R$ 1.500, seis vezes menor.
Não há dúvidas de que muitos policiais ganham pouco e têm razão em reivindicar. É necessário negociar e abrir a carteira, levando em conta as disparidades regionais e institucionais, mas sem querer passar toda a conta para o governo federal. Uma das principais regras é que quem paga manda, e nenhum governador quer abrir mão do comando das polícias. Nem a União está disposta a aumentar gastos num ano de contenção. Mas se ficar só nisso, numa negociação de salários, perderemos uma oportunidade de mudar o comportamento e a eficácia policial. Os governos têm de discutir em conjunto aumento salarial e de produtividade, para a melhoria da atuação policial tanto na prevenção como na repressão.GUARACY MINGARDI É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E MEMBRO DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=suplementos,alerta-de-apagao-policial,691268,0.htm e Blog do Capitão Assis http://capitaoassis.blogspot.com/2011/03/alerta-de-apagao-policial.html
Guaracy Mingardi - O Estado de S.Paulo
Um mistério da história é aquilo que a escritora Barbara Tuchman chamou de "marcha da insensatez". Num livro com esse nome ela mostrou casos em que governos supostamente sensatos apostaram em políticas desastrosas, guiados pela inércia, teimosia ou falta de quem interpretasse os sinais. No Brasil vimos várias dessas marchas; duas deixaram nódoas nas administrações dos últimos presidentes. A equipe de FHC ignorou as carências da geração de eletricidade até o último minuto, o que levou ao racionamento conhecido como "apagão". Sob Lula, a crise foi na aviação comercial, quando a falta de estrutura deixou muita gente em solo. Os críticos apelidaram a crise de apagão aéreo.
Como a história nunca se repete, a presidente Dilma pode ter um apagão diferente, o da segurança pública. Vários indícios disso vêm sendo ignorados pela administração pública, principalmente no âmbito estadual. O mais importante é a mobilização de policiais de todo o País apoiando a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que elevaria os salários aos níveis da polícia do DF, a mais bem paga. Posteriormente surgiram modificações que diminuíram o impacto do projeto, criando um piso salarial e deixando para lei complementar defini-lo. Muitos, porém, mantêm a briga pela equiparação com os colegas de Brasília. O problema da PEC original é que nenhum governador aceita pagar a conta. Quebraria seu Estado ou levaria a uma série de reivindicações de outras categorias. Quanto à União, resta saber se tem disposição ou bala na agulha para arcar com parte das despesas. O governador do Mato Grosso do Sul já se pronunciou por uma divisão de custos.
Enquanto os policiais reivindicam, os Estados diminuem gastos com segurança. O anuário de 2010 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que em 2006 os Estados gastaram 7,55% de sua arrecadação com segurança, e esse número caiu para 6,92% em 2008. A União, por sua vez, aumentou o gasto de 0,95% para 1,23% no mesmo período. Resumo da ópera: os policiais querem mais, os Estados gastam relativamente menos e a União aumenta timidamente. Assim, a equação não vai fechar.
Há uma década que alguns Estados vêm transferindo parte da carga da segurança para a União. A bolsa-formação, por exemplo, é uma forma de subsidiar policiais que ganham pouco. Com isso governos estaduais se desobrigam de aumentos salariais. Passam o pepino para o governo federal. O problema da bolsa é que é finita, tanto no número de policiais que pode atender como no tempo. Além disso, o policiamento e a investigação da maioria dos crimes, além da manutenção de suas polícias, é atribuição dos Estados, não da União.
O imbróglio já começou a produzir problemas. Neste ano já foram deflagradas quatro greves: da PM da Paraíba, da Polícia Civil do DF, dos agentes penitenciários de Alagoas e da Polícia Civil da Bahia. No caso baiano, a motivação parece ser mais corporativa do que sindical ? um policial foi morto numa ação da corregedoria. Nos outros casos o motivo foi salarial. E a mobilização pode levar a novas paralisações, como mostram os blogs mantidos por policiais.
É significativo que entre os grevistas conste a Polícia Civil do DF, cujo salário é o dobro daquele dos policiais civis paulistas. Isso indica que o movimento não leva em conta disparidades regionais. E também não a diferença no contracheque de membros de uma mesma instituição. Existem Estados onde o salário inicial do delegado é cerca de R$ 9 mil e o dos agentes e escrivães R$ 1.500, seis vezes menor.
Não há dúvidas de que muitos policiais ganham pouco e têm razão em reivindicar. É necessário negociar e abrir a carteira, levando em conta as disparidades regionais e institucionais, mas sem querer passar toda a conta para o governo federal. Uma das principais regras é que quem paga manda, e nenhum governador quer abrir mão do comando das polícias. Nem a União está disposta a aumentar gastos num ano de contenção. Mas se ficar só nisso, numa negociação de salários, perderemos uma oportunidade de mudar o comportamento e a eficácia policial. Os governos têm de discutir em conjunto aumento salarial e de produtividade, para a melhoria da atuação policial tanto na prevenção como na repressão.GUARACY MINGARDI É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E MEMBRO DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=suplementos,alerta-de-apagao-policial,691268,0.htm e Blog do Capitão Assis http://capitaoassis.blogspot.com/2011/03/alerta-de-apagao-policial.html
Discordo veementemente do texto publicado no Jornal Estado de São Paulo, que aponta para a possível ocorrência de um chamado “APAGÃO POLICIAL” no Brasil.
ResponderExcluirOs policiais já sofrem por serem acusados de corruptos, violentos e por não reduzirem a violência e criminalidade que ocorre, principalmente, entre os jovens de 15 a 29 anos, como se a culpa fosse apenas sua.
Apesar de entender que dar visibilidade ao tema é de vital importância, acredito que não deva pairar, sobre a ação policial, nenhuma expressão que transmita à população a idéia de ineficiência e de falta empenho dos servidores ligados à segurança pública.
Historicamente, esta questão é tratada de forma equivocada por pessoas que se auto-intitulam especialistas. Inevitavelmente, em suas análises, deixam transparecer o desagrado que tem com o segmento policial, ignorando premissas básicas que deveriam ser trazidas ao conhecimento público. Dentre estas, a falta de uma política nacional de segurança pública que decorre de uma desastrada gestão realizada por quem desconhece a realidade do problema. A cada governo novas ações são realizadas consumindo verbas públicas sem apresentar resultados efetivos na redução e controle da violência e criminalidade.
Necessário também deixar claro à população que os investimentos públicos não são definidos pelas organizações policiais, mas por políticos que não priorizam a questão.
A crise na segurança pública e a redução de investimentos estaduais na polícia vem ocorrendo há décadas. E por todo esse período, diversos governos e especialistas estiveram decidindo investimentos e ações. Experimentos temporais que apenas servem para atender às prioridades políticas do momento, mas que acabam modificados com a assunção de um novo gestor, seja pela total falta de resultados, ou pelas inconsistências na implementação.
Há quanto tempo assistimos a discussões sobre ciclo completo de polícia, unificação das polícias, integração do trabalho policial, uso da tecnologia da informação a serviço da prevenção? Há quanto tempo ouvimos os lamentos dos servidores policiais sobre o indigno salário que recebem, sobre as condições insalubres das delegacias de policia e postos policiais? Sem esquecer o absurdo que é o sistema prisional.
Durante todo esse tempo, mais de quatro décadas, no mínimo, não houve um “apagão policial”. Não houve nem haverá porque a polícia brasileira é boa. Como não poderia deixar de ser, se nivela aos demais serviços públicos que o estado brasileiro oferece aos seus cidadãos. Ou dirão que o Poder Judiciário, Ministério Público ou o Serviço de Saúde Pública são melhores do que a Polícia Brasileira?
A prova de que a polícia brasileira é de qualidade está demonstrada na ação realizada no Rio de Janeiro com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora. A “novidade” é velha: são policiais atuando em áreas aonde os demais serviços públicos não chegam.
Precisamos, na realidade, é que o sistema de segurança pública seja integrado (justiça, ministério público, sistema prisional, guardas municipais, perícia e polícias). Que as necessidades policiais sejam definidas por quem efetivamente presta o serviço de polícia. Que a insegurança social, que aflige a maior parte da sociedade brasileira, seja atendida por políticas de inclusão social de educação, cultura, lazer, trabalho e emprego. E, principalmente, que os servidores policiais sejam tratados da mesma forma como aqueles que trabalham no judiciário, no ministério público, no legislativo e em tantos outros lugares onde não falta verba pública.
A infeliz afirmativa de que os estados não têm dinheiro para pagar salários dignos aos policiais é uma grande inverdade. Ou melhor, uma grande mentira. Não existe um projeto de recuperação salarial porque não se prioriza a vida e a segurança dos cidadãos.
O “apagão” que há décadas ocorre na segurança pública não é da polícia. É de irresponsabilidade política dos gestores públicos para com a população brasileira que sempre pode e continuará contando com sua polícia.
Jorge Quadros