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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Por isso que não tem dinheiro pra pagar a PEC 300, não é? Brasil joga R$ 1 trilhão no lixo por ano com corrupção, descaso e incompetência



Brasil joga R$ 1 trilhão no lixo por ano com corrupção, descaso e incompetênciaAssociados, fatores sugam o equivalente às riquezas produzidas ao ano pela Argentina. Neste cenário, desconfiança cresce

Victor Martins, Diego Amorim e Carolina Mansur

Publicação: 25/08/2013 06:00 Atualização: 25/08/2013 07:53

Brasília e Belo Horizonte – Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento.

Além de dinheiro, que poderia ser investido em educação, saúde e transporte público, escorre pelo ralo muitas outras oportunidades. O Brasil deixou passar a bonança externa — entre 2003 e 2008, o mundo viveu a sua era de ouro, puxado pelo supercrescimento chinês — sem fazer as reformas estruturais necessárias à economia. Agora, se vê sem capacidade de colher os frutos do bônus demográfico, período único em que as nações usam a sua força de trabalho para se tornarem ricas. De farto e próspero, o país ganha cada vez mais a cara do desperdício.

Não à toa, o Brasil está tomando uma sova de desconfiança. O real, que ostentou, por anos, o status de moeda forte, é hoje a divisa no mundo que mais perde valor ante o dólar. Para piorar, o crescimento médio anual do PIB, de 1,8%, é o menor em 20 anos. A inflação se mantém sistematicamente próxima ao teto da meta, de 6,5%. Os investimentos produtivos mínguam e a confiança das famílias está no chão. Mais uma vez, o futuro que nos parecia tão perto começa a tomar feições de miragem.

O período de forte crescimento global na década passada, quando havia grande fluxo de capitais e os nossos produtores agrícolas eram muito bem pagos para alimentar o planeta, deu a folga necessária para a administração pública aposentar a incompetência e a ineficiência e entregar serviços melhores, apesar da montanha de dinheiro que os brasileiros depositam todos os meses nos cofres da Receita Federal. Nada foi feito. “Infelizmente, fizemos a opção pelo atraso”, resume o economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Instituto Atlântico e integrante do Movimento Brasil Eficiente.

AMARRAS Nas últimas três semanas, o Estado de Minas vasculhou o país para ir além do que se habituou a chamar de custo Brasil. O resultado encontrado é assustador. As manifestações que tomaram as ruas entre maio e junho surpreenderam muita gente. Mas o desperdício justifica o sentimento de basta. Não é mais aceitável que uma nação com tantos recursos naturais, apontada como o maior celeiro do mundo, jogue no lixo, todos os anos, o equivalente a quase um quarto do PIB nacional. Essa é a parte visível dos prejuízos, baseada em estimativas conservadoras, admitem os especialistas.

A falta de cultura de manutenção e de planejamento e um sistema político que facilita os desmandos e os malfeitos se transformaram em barreiras que impedem que tanto dinheiro seja revertido em benefícios à sociedade. Água, energia elétrica, comida — tudo vai fora. Por causa das amarras da burocracia, as firmas perdem 2,6 mil horas por ano. Em países desenvolvidos esse tempo é 10 vezes menor. Tal fatura, se convertida em dinheiro, pode chegar a R$ 200 bilhões. “Há também o desperdício moral. Todos esses problemas desmoralizam a capacidade desse eu coletivo, que é a sociedade brasileira, de ter vontade de perseguir a eficiência, a produtividade e o comprometimento com o sucesso”, argumenta Rabello de Castro.

A pesada carga tributária é o veículo por meio do qual o governo suga os recursos que serviriam de energia vital para as empresas e para as famílias. Verbas que viram gastos estéreis, jogados em obras que não andam. A ineficiência do Estado, contudo, tem queimado mais que dinheiro, despreza as chances de brasileiros que amargam uma vida de pobreza, impede uma educação formal de qualidade, ceifa vidas em leitos de hospitais sem estrutura.

Um carimbo em tempo hábil pode ser a diferença entre viver e morrer, ao menos para quem depende da saúde pública no interior do país. Em Águas Lindas (GO), distante quase 40 quilômetros da sede do Ministério da Saúde, em Brasília, é comum os pacientes terem de se deslocar para a capital federal em busca de atendimento. Muitos morrem no meio do caminho.
O socorro não pode ocorrer no município porque um dos hospitais da cidade, que deveria ter quase 300 leitos, está abandonado. A licitação para a obra foi embargada devido à corrupção. “É preciso reconhecer que a forma como o Estado contemporâneo atua não é mais capaz de atender as necessidades da população”, observa Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo. Ele pondera que a forma de organização dos governos está ultrapassada, e encontrar maneiras de pensar e executar políticas públicas é um desafio não apenas do Brasil.

Diante de tanto descalabro, os especialistas são unânimes em um ponto: as ineficiências do Brasil são a maior fonte de riqueza e de oportunidade. Se todos os recursos desperdiçados fossem devidamente aproveitados, o país trocaria a cadeira de emergente por uma de desenvolvido. O PIB potencial, que é a taxa de crescimento possível sem gerar inflação e desequilíbrios, seria bem maior que os 2% ou 2,5% atuais. A população poderia ser beneficiada verdadeiramente com serviços públicos e privados eficientes.

Máquina emperrada

O excesso de papéis, carimbos e processos piora o quadro de desperdício no Brasil. O relatório da International Business Report, da auditoria Grant Thornton, mostra que 50% das empresas citam a burocracia e as excessivas regulações como principais fatores de limitação para o crescimento e expansão dos negócios. As companhias desperdiçam 2,6 mil horas com burocracia por ano, o equivalente a 108 dias corridos — o dobro da média mundial. No ranking das nações mais burocráticas do planeta, a bandeira verde e amarela perde apenas para a Grécia, onde 57% dos executivos colocam o problema como principal entrave, e para a Polônia, onde essa taxa é de 52%.

“O burocrata não tem ideia do tamanho do roubo que ele pratica em nome da boa-fé sobre o cliente dele, que é o contribuinte, quando ele complica a vida do cidadão”, pondera Paulo Rabello de Castro, do Instituto Atlântico. Ele alerta que, no Brasil, a quantidade de horas perdidas com burocracia é 10 vezes maior que a observada em países desenvolvidos. Rabello estima que as perdas com procedimentos excessivos podem chegar a R$ 200 bilhões por ano.

Márcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo, explica que a burocracia não é algo totalmente ruim. Na visão dele, é impossível a uma grande empresa ou ao governo funcionar sem processos que organizem. “O problema é quando a burocracia se torna um fim em si mesma e deixa de ser apenas o meio pelo qual as coisas transitam e são organizadas”, diz. Para ele, no entanto, o Estado brasileiro, de uma maneira geral, é eficiente em sua burocracia, especialmente pelo tamanho. “Isso não quer dizer que as ineficiências não existam. Elas são localizadas e não são poucas.”

Todas essas perdas com burocracia e ineficiência, porém, poderiam ser evitadas. Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) são enfáticos ao afirmar que a corrupção, os procedimentos excessivos, a falta de planejamento e o descompromisso na execução de projetos alimentam os desperdícios no país.

Gula tributária

A carga tributária no Brasil é uma das mais pesadas no mundo. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o brasileiro trabalhou cinco meses neste ano, até 31 de maio, apenas para pagar impostos. Se fosse na Argentina ou nos Estados Unidos, seriam aproximadamente três meses. Comparado aos anos 1970, esse tempo dobrou no país. Atualmente, são pagos pelos contribuintes 63 tributos.

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