Ministério Público pede que a polícia deixe de usar armas nas manifestações
por
Hieros Vasconcelos Rego
Publicada em 27/06/2013
Quem esteve presente nas manifestações do Movimento Passe Livre, em Salvador, nos dias 20 e 22 deste mês, ou tem acompanhado cotidianamente, via mídia e redes sociais, a repercussão dos protestos pelo país, certamente se deparou com cenas de abuso de poder por policiais militares: cidadãos desarmados atingidos, bombas de gás em meio a manifestantes pacíficos, falta de diálogo, truculência e autoritarismo.
Hoje, às 14 horas, manifestantes saem do Campo Grande em direção à Prefeitura Municipal de Salvador. Diante das denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar da Bahia, o Ministério Público Federal (MPF) enviou, na última terça-feira, um documento à Secretaria de Segurança Pública (SSP) pedindo a suspensão do uso de balas de borracha, sprays de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.
O pedido se baseia no direito de manifestação assegurado na Constituição Federal. De acordo com o procurador Regional do Direito dos Cidadãos, Leandro Bastos Nunes, a utilização de armas deve ocorrer em casos extremos, comprovadamente necessários para resguardar a integridade física do poder público e de terceiros. “Eventuais abusos devem ser reprimidos com o uso de mecanismos que não representem ameaça à dignidade humana ou à vida dos cidadãos”, afirmou o procurador.
Provocados por pequenos grupos de arruaceiros, por vândalos e pessoas de má-fé, centenas de policiais militares são acusados por manifestantes de usarem indiscriminadamente – e descontroladamente – a violência e as armas “não-letais” em cidadãos pacíficos, dentre eles jornalistas, jovens, idosos e crianças. Em um dos vídeos, policiais jogam bomba aleatoriamente, sprays em idosos desarmados, balas de borracha em quem estava parado. Outro vídeo publicado e espalhado mostra o policial tentando tomar a câmera fotográfica de uma mulher e em seguida ameaçando-a: “a gente descobre onde você mora, e aí é daquele jeito que você sabe”.
Em nota oficial, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que “seguindo determinação de protocolos internacionais, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) esclarece que a Polícia Militar continuará a utilizar os armamentos não-letais necessários para coibir atos de violência durante manifestações populares. A SSP acrescenta que tais armas somente são usadas com o objetivo de garantir a ordem pública, depois de esgotadas todas as tentativas de negociação, e apenas em situações de extrema necessidade”.
Trabalho de investigação e prevenção
Os casos registrados trazem à tona a discussão sobre a desmilitarização da polícia, levantada pela ONU em debates sobre segurança pública. Segundo especialistas, os abusos relatados e registrados revelam a herança da ditadura que a Polícia Militar baiana carrega e o despreparo para lidar com mobilizações sociais de grande porte.
O sociólogo e professor de Ciência Política na Universidade Federal da Bahia., Joviniano Neto, presente na manifestação de sábado, concorda que houve casos claros de exagero policial, reflexo de uma polícia que foi preparada para reprimir o inimigo, quando deveria ser treinada para estar ao lado da população.
“A militarização da polícia surge para auxiliar o Exército. Foi uma definição da ditadura militar. A Constituição de 88 não mudou essas características. A polícia é preparada para o confronto”, comenta, mostrando-se a favor da desmilitarização da polícia. Para Joviniano, “quanto mais for polícia e menos militar, melhor”. Segundo ele, é preciso pensar um trabalho integrado em que a polícia esteja voltada para investigação e prevenção.
“E impedir dentro da lei o mínimo de lesões. Não pode haver, como aconteceu, o uso desproporcional da força, ultrapassando os limites da lei, que é quando se apreende máquinas fotográficas, bate em quem não está atacando. Esse limite a polícia ultrapassou”, destacou.
O especialista em segurança pública da Unifacs Carlos Costa Homes acrescenta ainda que o resultado do que se vê nas ruas é culpa da má administração das polícias. Nos últimos episódios, empregou mal as tropas. “Dizer como o policial vai trabalhar não tem cabimento. Mas quem não está preparada é a administração das polícias. Quem tem que ser cobrado é o governo. Não tem como esperar um tratamento delicado em situação de distúrbio na rua”, ameniza
Em nota oficial enviada à imprensa, a Polícia Militar informou que o comandante geral, coronel Alfredo Castro, recebeu na tarde de terça-feira, interlocutores da manifestação para dialogar, discutir técnicas de dispersão, atos de vandalismo e formas de manifestar pacificamente. Nas páginas do facebook, integrantes do Movimento Passe Livre desmentem a afirmação oficial da PM.
Mutirão para libertar manifestantes
Além dos mutirões de advogados que se formam nas redes sociais para colaborar com a retirada de manifestantes presos nas delegacias, a Ordem dos Advogados da Bahia e a Defensoria Pública do Estado também se dispuseram a acompanhar casos de presos.
O superintendente coordenador da vara especializada em crime e execução penal da Defensoria Pública do Estado, Alan Roque, revelou que cinco defensores estão de plantão em dia de manifestação para acompanhar os casos de prisão. “Quando a detenção resulta em prisão, aí a defensoria pública entra. Somos instrumento de proteção dos direitos fundamentais. Nos dias de manifestação acompanhamos com cinco defensores, porque nosso quadro é pequeno”, pontuou.
Ainda conforme Alan Roque, “o plantão extraordinário vai contar com defensores do núcleo criminal e de direitos humanos. Ao total com mais ou menos cinco defensores. Vamos visitar delegacias. Iremos atuar em casos que a detenção se transformou em prisão para saber se a prisão foi necessária”, acrescentou.
Fonte: Tribuna da Bahia
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