Informação policial e Bombeiro Militar

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Militarismo nas forças de Segurança na America Latina.



Argentina: controlar a polícia ou mandar?



A onda de revoltas nas polícias estaduais pôs na moda um verbo: controlar. A solução viria da mão de um maior controle. Controle da polícia por parte dos funcionários políticos. Controle dos planos de estudos. Controle do comportamento policial. Controle, controle, controle.

Por Martín Granovsky*, no Página/12


Ao mesmo tempo circula uma narrativa sobre o que aconteceu com as forças federais de segurança desde 2003. Diz o relato que durante mais de sete anos, os que vão da posse de Néstor Kirchner, em 25 de maio de 2003, à criação do Ministério de Segurança e a designação de Nilda Garré, em 15 de dezembro de 2010, as forças teriam se autogovernado. A narração se refere sobretudo à Polícia Federal.

Como o assunto é institucional e não historiográfico, tanto o verbo “controlar” quanto o relato podem levar a conclusões equivocadas. Por um lado, sobre o passado. Por outro, e mais importante, sobre o futuro a construir.

Em qualquer política pública, o controle de gestão é imprescindível para verificar o cumprimento das metas propostas. E em outra acepção dos mesmos termos, para o Executivo ter o controle na mão é a única ferramenta eficaz para governar.

As forças policiais são compostas por civis, não por militares que respondem ao Exército, à Marinha e à Força Aérea. No nível orgânico a Gendarmería (guarda de fronteira. N. do T.) já deixou de ser um apêndice do Exército. O mesmo aconteceu com a Prefectura Naval com respeito à Marinha. Nos 30 anos de democracia, cada um destes fenômenos esteve atravessado por tradições militaristas que a própria democracia foi rompendo, muitas vezes como resultado de acontecimentos ao estilo das rebeliões militares ou da análise das violações massivas a os direitos humanos. Frequentemente, no forcejo, a Prefectura e a Gendarmería tentaram exercer funções quase militares. Também a Marinha e o Exército tentaram exercer papeis vinculados com a repressão interna.

O primeiro número do jornal Página/12 é uma boa amostra dessas tensões. A capa de 26 de maio de 1987 levava como título “Sim, juro”. A chamada acrescentava outra informação. “Fidelidade com dúvidas”, dizia. A notícia de 25 de maio de 1987, a três anos e meio de democracia, é que os militares eram obrigados a jurar pela Constituição. Era notícia. Em um país onde o próprio Exército tentava demonstrar que, como se remontava às milícias que combateram os invasores ingleses em 1806 e 1807, ou seja, a um período anterior à Revolução do 25 de maio de 1810 ou à declaração de independência de 9 de julho de 1816, seria anterior ao próprio Estado. Era notícia um mês depois do primeiro levantamento cara-pintada. E era notícia (por isso as dúvidas da chamada) porque a nota de Horacio Verbitsky dava conta de que um oficial se negou a jurar pela Constituição, argumentando que muitos dos fardados não conheciam em profundidade o texto pelo qual jogariam sua carreira. Ou sua vida. Parte dos reparos que gerou, por exemplo no Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a folha de serviços do general César Milani tem relação com esse passado.

Outra parte reatualiza uma polêmica. Um chefe do Exército que fala mais de “projeto nacional” que de Constituição, é um passo à frente ou um retrocesso? O debate é ainda mais agudo levando em conta não apenas a história argentina do século XX, com o Exército convertido em Partido Militar, mas o que acontece nos últimos anos, com as pressões externas para que o Exército e as outras duas forças se façam as vezes de uma super-polícia dedicada a combater o narcotráfico.

Parece importante avaliar como prossegue um tema no qual seria razoável pensar que ainda há muito o que discutir, muito o que pensar. No geral, se o Estado resolve evaporar a fronteira entre o policial e o militar, o futuro será de uma forma. Se mantém a fronteira legal atual e não recorre a nenhum atalho, o debate sobre a questão das polícias terá outro marco.

Mas ainda no segundo dos casos, o da fronteira nítida, fica pendente afinar mais a discussão sobre o controle. Não será mais fácil expor soluções se no lugar de “controlar” o verbo fosse “mandar”?

O que significa “mandar” para um governador ou um presidente? Equivale a descer ao terreno prático, ou das ordens cotidianas. Ou o das grandes ordens: combater o delito organizado, aumentar a prevenção, fazer um uso responsável, profissional e proporcional da força, evitar as mortes em geral e não cair de nenhuma forma na morte como recurso dissuasivo.

A narrativa que às vezes circula dentro do próprio governo ou do kirchnerismo esquece alguns fatos históricos que são de conhecimento público. Estão ao alcance de qualquer um nos jornais postados na Internet.

Néstor Kirchner também começou com um governo débil em matéria de segurança. Demorou um ano para exercer o comando e não apenas o controle. Acabou fazendo tudo por uma combinação de fatores.

Um, sua própria convicção, reforçada depois de ser assassinado o dirigente da Federação Terra e Moradia Martín “El Oso” Cisneros, em La Boca no dia 25 de julho de 2004. De regresso depois de uma turnê pela China, Kirchner comentava nas escalas: “Da morte do El Oso não me perdoo. Haviam nos dito que a polícia e os narcos queriam matá-lo”.

Outro elemento foi a repressão policial violenta na Legislatura portenha contra os opositores a um novo Código de Contravenções, em 16 de julho de 2004.

O terceiro, o desafio da cúpula policial, através do delegado René Jesús Direito, a cargo da Superintendência de Investigações. Kirchner o deslocou do mesmo modo que seu antecessor, Jorge “Fino” Palacios.

O quarto fator foi a negativa do chefe de polícia Eduardo Prados, de cumprir a ordem de que os efetivos fossem sem armas a qualquer ação originada em um conflito social. Prados considerou a ordem como “humilhante”. Também pensava o mesmo o então secretário de Segurança e promotor de Palacios à máxima chefatura, o ex-promotor Norberto Quantin.

Kirchner completou então a remoção da cúpula e designou à frente Néstor Valleca de chefe e Jorge Oriolo de sub-chefe. Sua mensagem implícita era que não cumprir as ordens não era uma simples questão regulamentar, mas que levava ao deslocamento, e isso a qualquer nível da Polícia Federal. Em um discurso ao tom com a instrução presidencial, Valleca assumiu em agosto com estas expressões:

“Estamos preparados e dispostos a cumprir nossa missão, ainda nas circunstâncias mais adversas, assegurando a ordem e exercendo cada intervenção com firmeza, prudência e serenidade”. Disse que, por motivos de complexidade social, “um dos perigos mais desprezíveis e moleques que o trabalho policial enfrenta é a provocação”. E fechou assim:
Vamos priorizar a prevenção com a instrumentalização de medidas que esta chefatura, junto com as autoridades políticas, disporá no imediato desenvolvendo procedimentos mais seguros e eficazes tanto para a cidadania como para nosso pessoal. A força de nossa instituição não está nas armas, mas na unidade de seus integrantes junto à sociedade e no cumprimento irrestrito das leis”.

“Eu não quero um Klodczyk”, repetia naquela época Kirchner a seus amigos. Se referia a Pedro Anastasio Klodczyk, o chefe da Polícia Bonaerense, a Maldita Polícia do governador de Buenos Aires Eduardo Duhalde. “Não o quero porque me nego a ter um chefe de polícia que seja meu sócio e não o quero porque, nestes casos, se sabe o que acontece: aquele que começa como sócio acaba mandando em você, que foi eleito pelo povo”.

*Martín Granovsky é colunista do jornal argentino Pagina/12
(Tradução: Libório Junior para a Carta Maior)



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