É o fim?
Governo Dilma prioriza cadeia e ações antidrogas e abandona Pronasci
De R$ 301 milhões de orçamento em 2010, programa criado por Tarso Genro fica para trás com José Eduardo Cardozo, que neste ano liberou R$ 752 mil para estados e municípios
por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 23/07/2013 13:59
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CARLOS MACEDO
Hoje, a prefeitura de Canoas, no RS, mantém as ações do Pronasci que ajudaram a reduzir a violência no bairro Guajuviras
São Paulo – Nos últimos três anos o governo federal vem invertendo as prioridades no campo da segurança pública. Por um lado, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que atua na prevenção à violência com projetos sociais, vem sendo esvaziado em termos orçamentários, ao ponto de a cidade pioneira na adesão ter de assumir sozinha a execução de recursos para continuá-lo. Ao mesmo tempo, ampliam-se as verbas destinadas à construção de presídios e à política antidrogas, ações marcadas pelo modelo repressivo de atuação.
O Pronasci foi criado em 2007, na gestão do atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, à frente do Ministério da Justiça, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Iniciado em 2008, o programa propôs 94 ações envolvendo estados, municípios e comunidades, com o objetivo de atuar na prevenção da violência e da criminalidade, mesclando iniciativas sociais para mulheres e jovens entre 15 e 24 anos, com inteligência policial e repressão ao crime. A perspectiva era de investir R$ 6,7 bilhões até o fim de 2012. No período, o programa chegou a 150 municípios.
Porém, de acordo com os dados disponíveis no Portal da Transparência, em cinco anos foi investido cerca de um quinto do total destinado ao programa: R$ 1,3 bilhão – 80% a menos do que o previsto. Além da disparidade entre proposta e realidade, de 2010 até hoje a verba vem se reduzindo drasticamente. Foram R$ 301,5 milhões, no ano citado; R$ 269,7 milhões em 2011; R$ 87,5 milhões em 2012; e R$ 752.500, até junho deste ano.
No mesmo período, a verba para o Fundo Penitenciário Nacional se multiplicou. O orçamento executado evoluiu de R$ 91,9 milhões, em 2010, para R$ 169,9 milhões em 2011, e R$ 236,8 milhões em 2012. Um aumento de aproximadamente 157%. A previsão deste ano é de R$ 382,8 milhões.
Também cresceu o orçamento do Fundo Nacional Antidrogas. Em 2011 foram R$ 2,9 milhões e no ano passado R$ 17,6 milhões. Um aumento de cerca de 500%. Para este ano estão previstos R$ 20,8 milhões.
Especialistas lamentam o que consideram a provável extinção do Pronasci e afirmam que ele representou um avanço importante no trato da segurança pública no país. Para os entrevistados, não se trata de negar o investimento em combate às drogas, penitenciárias ou fronteiras, mas sim de não abandonar um programa que tem bons projetos, produziu avanços e não estaria sendo adequadamente avaliado.
Segundo o pesquisador e desenvolvedor do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waisefisz, "a violência que se desenvolve no país não está encarnada somente na questão do tráfico de drogas ou nas fronteiras". Para ele, no contexto em que se insere o Pronasci, seria importante atuar na efetividade da investigação dos homicídios, que tem taxa de esclarecimento de cerca de 6% no país, o que contribui para perpetuação da violência por conta da impunidade.
A coordenadora de Gestão Local da Segurança do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, afirma que será uma perda muito grande desistir do programa depois da quantidade de investimentos realizados. “Essa perda de continuidade infelizmente é comum na área. Poderia se definir um certo conjunto de ações e levar adiante, porque o programa tem frutos importantes. Mas desistir do programa seria muito ruim, porque se aplicou muito dinheiro, envolveu muita gente, também se investiu muito em formação de pessoas”, avalia.
O doutor em sociologia e coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, Luis Flávio Sapori, acredita que, embora não se diga publicamente, o programa caminha para a extinção. "É muito interessante isso. Sabemos que dentro do Ministério da Justiça não se fala mais em Pronasci. Especula-se sobre um relatório crítico ao programa que teria sido recebido pela presidenta Dilma. Suponho que seja um dos motivos. Eu gostaria de ter acesso a esse relatório, porque essa decisão me parece equivocada", afirmou.
Um exemplo da importância do Pronasci é a cidade gaúcha de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. O programa se iniciou em 2009, com o Território de Paz do bairro Guajuviras, onde o índice de homicídios chegou a 70 por 100 mil habitantes. Em quatro anos de ações do Pronasci, houve queda nos homicídios de 53,6% em Guajuviras e de 14,3% na cidade.
Algumas das ações desenvolvidas foram o projeto Mulheres da Paz, a Justiça Comunitária e o Protejo. Foram instalados o Gabinete de Gestão Integrada Municipal e várias ações de inteligência policial. E, mesmo com o fim dos recursos federais, a prefeitura está mantendo os projetos em funcionamento, inclusive com planos de expansão para outros bairros.
O Território de Paz define um perímetro de atuação baseado nos indicadores de vulnerabilidade social e de violência desenvolvidos pelo estado ou pelo próprio município. Inicialmente é realizada uma operação de repressão ao crime, com cumprimento de mandados de prisão e ocupação do território, similar à ação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo, o Gabinete de Gestão Integrada Municipal reúne secretários de segurança estadual e municipal, o comando das polícias Civil e Militar e da Guarda Civil, e outros atores que possam contribuir para a elaboração de planos de trabalho no combate ao crime e à violência. Junto a isso ocorre a qualificação dos profissionais de segurança, com cursos de formação em práticas de segurança cidadã, utilização de tecnologias menos letais, técnicas de investigação e direitos humanos, acompanhados de benefícios financeiros para participação nos cursos.
A estas ações policiais se aliam programas sociais como o projeto Mulheres da Paz, em que as moradoras das comunidades recebem capacitação para avaliar e atuar em situações de risco social com adolescentes e no enfrentamento à violência contra a mulher.
As ações com juventude envolvem formação cultural e cidadã, a partir do Protejo, projeto em que os jovens recebem bolsas-auxílio para frequentar atividades em centros especiais, dotados de estúdio de música, telecentros, cineclube e espaços para realização de oficinas e cursos variados. Os jovens são indicados pelas Mulheres da Paz ou pela própria Justiça entre aqueles que cometeram atos infracionais. Também são instalados núcleos de Justiça Comunitária, que atuam na resolução de conflitos familiares ou entre vizinhos, por exemplo, que poderiam desencadear situações de violência.
Para Sapori, a frustração pela lentidão de resultados na segurança pública pode ser um dos motivos de abandono do programa. Entre as metas gerais está a redução do índice de homicídios, de 29 para cada 100 mil habitantes, para 12. Porém, o Mapa da Violência 2012, elaborado pelo pesquisador Julio Jacobo Waisefisz, aponta que este índice naquele momento era de 26 homicídios para cada 100 mil habitantes.
“A redução nos índices de violência só é percebida em médio ou longo prazo. Mas os gastos são visíveis agora. Não se deveria avaliar a continuidade somente por questões econômicas. Deveria ser feito um amplo processo porque existem muitos avanços importantes, mas elas acabam falando mais alto”, avalia Sapori.
Segundo o sociólogo, o elevado número de ações propostas também é um dificultador, tanto para executar o programa, como para avaliar resultados. “Faltou foco ao Pronasci. Quando se abre muito o leque de ações é difícil analisar os resultados. E com isso pode ter se perdido os objetivos de vista”, disse.
Para Carolina, a situação demonstra a dificuldade do governo federal em definir o seu papel na segurança pública. “Trata-se a segurança como uma questão exclusiva dos estados. A União não assume um papel claro e fica somente fazendo contribuições pontuais. Isso é histórico na área”, afirma. Ela enxerga no Pronasci uma perspectiva em que o governo central poderia atuar. “A formação técnica e cidadã dos policiais, que tem um papel relevante no programa, poderia ser assumida definitivamente pela União, por exemplo”, acredita.
Segundo Jacobo, o período que abrange a execução do programa demonstra uma estagnação nos índices de violência. “Isso mostra que a iniciativa é boa, mas não é suficiente. O Pronasci ainda não é uma política pública que agrupe as ações e crie uma estrutura clara com metas e prazos. É uma espécie de varejo de projetos”, afirma. Para ele, o principal problema é a falta de avaliação contínua dos projetos, tanto no ministério, quanto nas cidades que receberam o programa, para saber quais delas eram realmente eficientes.
Nesse ponto, um dos principais avanços do Pronasci, na opinião dos especialistas, pode ter sido uma de suas fraquezas. Os municípios apresentam projetos ao Ministério da Justiça para ter acesso aos recursos, podendo optar por quais ações querem se candidatar. Com isso muitas cidades acessam somente alguns projetos, enquanto outras tentam fazer mais do que realmente podem desenvolver. E isso pode ter dificultado a execução do programa e o cumprimento de metas, pois alguns abandonaram o processo no meio por falta de estrutura.
Sapori avalia que “é no município que o crime se organiza e que a violência fica evidente na vida das pessoas”. Por isso considera que trabalhar com perspectivas sociais diretamente nas cidades é um grande avanço na forma de trabalhar medidas de segurança pública.
Carolina confirma que o foco no município é importante, mas propenso a dificuldades. “O governo federal montava diretrizes, mas a estrutura dos municípios não acompanhava as demandas. Faltou orientação metodológica a eles e isso acabou causando o abandono pelos municípios, porque os resultados não são imediatos”, explica. Esse seria o motivo de, apesar de estar atuando em 150 municípios, os resultados do programa serem pouco conhecidos.
De acordo com os dados prévios, disponíveis na página do Pronasci, era esperado que o programa beneficiasse, direta ou indiretamente, 3,5 milhões de pessoas entre profissionais de segurança pública, jovens e familiares deles. Destes, 5.300 mulheres participariam do Mulheres da Paz até 2011 e 425 mil jovens entre 15 e 29 anos vivenciariam as diversas ações do Pronasci. Como ambos propõem bolsas permanência nos projetos, estimava-se em R$ 36,7 milhões os gastos até 2011.
Entre os profissionais de segurança, esperava-se que a bolsa-formação chegasse a 225 mil policiais civis, militares, bombeiros, peritos e agentes penitenciários. O projeto de formação de policiais consumiria R$ 600 milhões por ano entre 2008 e 2012. No entanto, não há números oficiais de qual foi a participação real nas iniciativas do Pronasci disponíveis na página do programa.
Após 15 dias de tentativas, o Ministério da Justiça se pronunciou por meio de nota, reafirmando o caráter inovador e cidadão do programa, justificando que "em 2011 todos princípios e diretrizes introduzidos pelo Pronasci na área da segurança pública passaram a ser orientadores de todas a política nacional conduzida pelo Governo Federal. Significa dizer que o conceito do Pronasci deixou de ser restrito a um dos programas da União e passou direcionar todas as ações realizadas".
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