Ruy Fabiano
A denúncia do ex-delegado Romeu Tuma Jr., publicada no recém-lançado livro “Assassinato de Reputações”, de que Lula atuou como delator junto ao Dops ao tempo do regime militar, não é exatamente inédita – nem exata, em seus termos.
Antes dele, o jornalista José Nêumanne Pinto já a havia feito, no livro “O que Sei de Lula”, publicado há mais de um ano. Ambos, cada qual a seu modo, conviveram com Lula ao tempo em que sua liderança sindical emergia e o inseria na cena política nacional.
Não havia ainda o PT, mas Lula já pensava em criá-lo. Era o final dos anos 70 e o PT surge em 1980. Nêumanne, então repórter do Jornal do Brasil, foi destacado para cobrir o sindicalismo do ABC paulista, que surgia como o fato novo da política brasileira.
Tuma Jr. era já agente da Polícia Federal e assessorava o pai, Romeu Tuma, chefe do Dops. Lula já contou – e há um vídeo na internet com esse relato – que era tratado a pão-de-ló por Tuma pai, ao tempo em que esteve preso no Dops.
Nêumanne diz que, nessa época, em que, para além dos contatos profissionais, desfrutava da companhia de Lula em mesas de bar, deu-lhe carona para um encontro (de que não participou) com personagens do governo militar – entre outros, um representante do general Golbery do Couto e Silva, que nele via uma peça-chave para desmontar a frente oposicionista, abrigada no MDB.
Lula se recusava a integrar a frente oposicionista. Não se via um discípulo de Ulysses Guimarães ou Tancredo Neves. E não via com simpatia a volta dos mais eminentes anistiados, como Miguel Arraes e Leonel Brizola, embora não pudesse dizê-lo de público.
Para a opinião pública, eram aliados; no campo da realidade nua e crua da política, já eram concorrentes. Numa coisa e noutra – na recusa à frente oposicionista e na rejeição aos líderes anistiados -, coincidia com o pensamento do governo militar, então presidido pelo general Figueiredo.
Natural que o estrategista do regime, general Golbery, então chefe do Gabinete Civil, se interessasse em conversar com Lula e examinar pontos de convergência. Esses encontros e acertos, mencionados à época, no entanto, não fazem de Lula um dedo-duro, nos termos, por exemplo, do que, na sequência da implantação do regime militar, se imputou ao ex-cabo Anselmo.
As informações de Anselmo aos órgãos de repressão não só provocaram prisões e violências, como foram feitas a partir do que obteve em confiança, de pessoas que o julgavam um companheiro de luta. Há aí uma transgressão bem mais grave que a que se queira atribuir a Lula.
Não se trata de absolvê-lo ideologicamente com ele. A rigor, tal avaliação diz respeito ao campo moral, não ideológico. Trata-se de examinar com objetividade e isenção o que se passou.
Não foi algo muito diferente, do ponto de vista prático, de sua recente aliança com Paulo Maluf. Em nome de interesses imediatos e fisiológicos – a eleição do prefeito de São Paulo -, abjurou de tudo o que dele dissera ao longo de duas décadas.
Uniu-se a quem julgava politicamente indecente para atender a seu projeto de poder. É claro que há aí uma questão moral, mas que deve ser julgada nos seus termos, sem deles extrapolar.
Lula, quando emerge no cenário político, a conjuntura era bem distinta. Já não havia, desde o final de 1978, o AI-5, revogado no apagar das luzes do governo Geisel; já não havia, desde a anistia, em 1979, presos políticos – e, por conseguinte, já não havia exilados.
O temor dos militares era com a ascensão de uma oposição unida, que levasse ao revanchismo, hoje, ironicamente, materializado na Comissão da Verdade, instalada pelo PT.
A Lula, interessava então formar o seu partido, no qual, a princípio, não queria nem a presença dos intelectuais acadêmicos, que acabaram por dar o estofo ideológico que até hoje o preside.
O jogo que fez, do ponto de vista dos que lutaram anos contra a ditadura e o viam como aliado, pode ser tachado de desleal ou egoísta – ou ambas as coisas. Mas nada tem a ver com delação. É o mesmo jogo que fez ao proibir o partido de votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e de assinar a Constituição de 88 sob protesto.
De suas conversas com lideranças do regime não resultaram prisões, torturas ou exílios – e pelo simples motivo de que o regime militar não tinha mais meios de promover aqueles atos. Já estava jogando o jogo político e lhe interessava apenas garantir uma retirada honrosa e segura, afinal obtida.
Lula já estava construindo o seu projeto pessoal, mas não colaborou para a permanência do regime – e sim para sua retirada segura, que hoje paradoxalmente seu partido quer revogar.
Ruy Fabiano é jornalista.
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