Carlos Madeiro
Do UOL, em Maceió
Beto Macário/UOL
Veroneide da Silva, 25, e o pequeno Alexandre: renda dos benefícios do governo federal é maior que pensões de dois dos pais de seus três filhos
O pagamento de benefícios sociais Bolsa Família tornaram as mulheres nordestinas mais independentes e, por sua vez, menos necessitadas de manter casamentos exclusivamente para garantir renda e sustentar os filhos. Essa é a opinião de professores que estudam o lado social e o comportamento feminino de comunidades pobres da região.
Nos últimos anos, o Bolsa Família tem sido apontado como um fator "encorajador" às mulheres a buscarem separação. Antes, por conta da dependência financeira dos maridos, muitas mulheres largavam mão do trabalho para cuidar dos filhos e se tornavam "reféns financeiras' do marido. Hoje, sete milhões de famílias nordestinas recebem o benefício, quase todos sendo tutelados por mulheres.
A independência financeira é apontada como fator decisivo na hora da separação. Segundo a pesquisa do Registro Civil 2011, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de separações é sempre maior nos Estados mais ricos. Distrito Federal, São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, têm taxas anuais de divórcio de 4,8, 3,4 e 3 por mil casamentos, respectivamente. Já as menores taxas estão nos Estados mais pobres: Maranhão (1,1) e Piauí (1,4) apresentam as menores taxas. No país, a média é de 1,6 divórcio por cada mil.
Apesar dos menores índices, é nos Estados mais pobres que o índice de divórcios mais cresceu proporcionalmente nos últimos anos. No Maranhão, por exemplo, o índice aumentou 175% entre 2009 e 2011, saltando de 0,4 por mil para 1,1. Em Alagoas, a taxa também mais que duplicou, saltando de um para 2,4 por mil casamentos. Ceará e Piauí também viram seus índices duplicarem em dois anos.
Impulso
O impulso dado as separações é relatado no estudo "Ações de transferência estatal de renda: o caso do Programa Bolsa Família", da antropóloga Walquíria Leão Rego, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Para ela, o programa produziu uma "mudança significativa, observável a olho nu" na vida de mulheres beneficiadas.O exemplo é de Quitéria Ferreira da Silva, 34, casada e mãe de três filhos. Em entrevista à antropóloga, ela primeiramente se negou a falar sobre o momento de seu casamento, em 2006. Um ano depois, após ser inscrita no Bolsa Família, teve coragem de separar e passou a usar a renda do governo para sustentar os filhos.
Na pesquisa, a antropóloga relata que há um "consenso generalizado entre as mulheres" sobre a "avaliação positiva do programa de renda familiar e a consciência da superioridade feminina no quesito da responsabilidade maior na gestão da economia doméstica."
Apesar da aprovação, as mulheres citam que o valor repassado é insuficiente. "[Elas] Reivindicam mais renda diante da ausência quase absoluta de perspectiva de empregos regulares. Seu horizonte de expectativas é reduzido, simples. Apenas querem ter acesso a uma vida mais digna, habitações melhores do que seus miseráveis casebres, normalmente mal iluminados, mal ventilados e exíguos para abrigar toda a família", aponta.
Independência
Com as separações cada vez mais comuns entre os casais nordestinos, exemplos não faltam de mulheres que se separaram, recebem benefício do governo federal e deixam de contar com as pequenas pensões como única renda para sustento dos filhos.Com três filhos de pais diferentes, Veroneide da Silva, 25, manteve união estável de 10 meses com o pai de seu filho mais novo --Alexandre, dois meses. Sem saber o paradeiro do ex-companheiro, a mulher, que mora em Murici (a 51 km de Maceió) afirma que o benefício do governo federal é determinante para o sustento mínimo de seus filhos.
- esempregada, Elisângela Maria da Silva, 24, conta com o benefício social para sustentar os 4 filhos
Elisângela Maria da Silva, 24, também é separada e desempregada. Sem o dinheiro do marido, do qual se separou há seis anos, ela conta que --após ser deixada pelo então companheiro-- deu entrada com pedido do Bolsa Família e sobrevive com o dinheiro repassado pelo governo federal em Rio Largo (na região metropolitana de Maceió).
"Tenho quatro meninos [entre um e nove anos] e depois que me separei isso passou a ser a única fonte de renda que tenho, fora a ajuda dos pais dessas crianças. O pai da última criança não ajuda com nada, e se não fosse o Bolsa Família, teria que me virar sozinha", conta a mulher, que ainda recebe R$ 100 de pensão do ex-marido.
Programa "feminista"
O professor de economia regional da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), Cícero Péricles Carvalho, explica que, além de dar condições financeiras às mulheres, o Bolsa Família influenciou também diretamente na vida cotidiana da parcela feminina de pobres do Nordeste. Isso ocorre porque, segundo as diretrizes do programa, a renda do programa vai prioritariamente para as mulheres."Isso é explicado pela prática de vida: elas são mais comprometidas com os filhos, têm menos vícios, como alcoolismo, e gastam esses poucos recursos com mais sabedoria, principalmente no tocante à alimentação", disse.
Para explicar a "independência" pós-separação, Carvalho cita que, com o Bolsa Família, "milhões de mães de família estão recebendo, pela primeira vez, algum tipo de renda mínima." No Nordeste, o repasse médio mensal do programa às mulheres é R$ 150, segundo dados de dezembro de 2012.
Ainda segundo Carvalho, as mudanças com a renda federal vão desde a melhoria na alimentação doméstica, até uma maior independência dos maridos e companheiros. O professor afirma que ainda há uma cultura machista que impera na região.
"No Nordeste, devido ao seu atraso social, apesar das mulheres serem maioria, com dois milhões a mais que homens, a predominância de valores conservadores faz com que o papel social da mulher seja sempre secundário. Por isso, o acesso a renda do Bolsa Família, mais a possibilidade de colocar os filhos na escola e ter acesso a saúde pública, ampliando as possibilidades de trabalho, modificam um pouco a relação interna familiar, abrindo perspectivas para esse conjunto pobre que vive nas periferias das cidades ou no campo nordestino", explicou.
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