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sexta-feira, 3 de julho de 2015

Inquérito aponta 'legítima defesa' da PM sobre ação com 12 mortes na BA



Conclusão é baseada em 59 laudos e depoimentos de mais de 80 pessoas. Abordagem aconteceu no mês de fevereiro e MP-BA denuncia execução.
03/07/2015 15h34 - Atualizado em 03/07/2015 20h55
Por Alan Tiago Alves
Do G1 BA

O inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) sobre a ação da Polícia Militar que resultou em 12 mortes na Vila Moisés, no bairro do Cabula, em Salvador, concluiu que houve confronto e que os policiais militares da Rondesp agiram em legítima defesa. O resultado da investigação foi divulgado na tarde desta sexta-feira (3) em coletiva à imprensa na sede da Secretaria de Segurança Pública (SSP). O laudo contradiz o resultado da investigação realizada de forma paralela pelo Ministério Público (MP-BA), que apontou "execuções sumárias" por parte dos PMs envolvidos.

Inquérito (Foto: Alan Tiago/G1)
Inquérito possui 2.512 páginas, divididas em onze
volumes. (Foto: Alan Tiago/G1)

O G1 disponibiliza a íntegra dos dados apresentados pela SSP-BA. ACESSE.

A investigação policial durou quase cinco meses e foi finalizada na semana passada, no dia 27 de junho. O documento já foi remetido à Justiça e será anexado aos autos do processo. De acordo com o inquérito do DHPP, que possui ao todo 2.512 páginas divididas em 11 volumes, os laudos cadavéricos não atestaram lesões de tiro de encosto ou disparo a curta distância, não caracterizando assim lesões típicas de execução.

Conforme o laudo, outro aspecto que reforça a conclusão de que não houve execução foi a ação de socorro realizada após o confronto pelos próprios policiais militares aos feridos, que foram conduzidos em viaturas ao Hospital Geral Roberto Santos, unidade mais próxima ao local ondo ocorreu o caso.

Troica de tiros no Cabula Salvador Bahia (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Vila Moisés, no Cabula
(Foto: Reprodução/TV Bahia)

A perícia constatou que os PMs utilizaram 16% da munição que tinham no momento, ou seja, 143 disparos das 870 munições disponíveis. Também ficou constatado que foram efetuados 57 tiros das armas apreendidas em poder dos suspeitos, o que, segundo o inquérito, evidencia que houve o confronto.

Os investigadores também apresentaram durante a coletiva escutas telefônicas, autorizadas pela Justiça, que mostram diálogos envolvendo supostos traficantes da região da Engomadeira, na capital, presos em abril deste ano, que teriam envolvimento com os mortos no Cabula.

 Nas gravações, de fevereiro deste ano, segundo a polícia, é possível constatar que suspeitos trocam conversam sobre as mortes na Vila Moisés, e tratam os envolvidos no confronto com a polícia como comparsas. Isso, segundo o DHPP, confirma que os mortos no Cabula faziam parte de uma organização criminosa.

"Foi identificado que integrantes de um grupo de tráfico da Emgomadeira lamentam a morte dos envolvidos [no caso do Cabula] e dizem que os mortos fazem parte da quadrilha deles. Os áudios demosntram que os envolvidos integrava um grupo criminosos", afirmou o diretor do DHPP, José Alves Bezerra.

Parte de áudio divulgado pela SSP sobre o Cabula (Foto: Divulgação/SSP)
Parte de áudio divulgado pela SSP sobre o Cabula
(Foto: Divulgação/SSP)

De acordo com o DHPP, o processo de investigação teve teve seis etapas: perícia no local da ação, oitiva dos envolvidos, busca e oitiva de testemunhas, análise dos laudos, reprodução simulada da ação e conclusão fática. Ao longo do processo, foram produzidos 59 laudos periciais e mais de 80 pessoas foram ouvidas, incluindo moradores da localidade, sobreviventes - alguns deles ouvidos mais de um vez, segundo a polícia - e os policiais da Rondesp envolvidos na ação.

"Nossa investigação começou a ser feita desde o início, logo após o ocorrido. Nós agimos com a maior isenção possível. Fomos atrás de todas as provas para chegar a essa conclusão, de que houve o confronto e que os policiais agiram em legítima defesa. As investigações também comprovam que os envolvidos no confronto com os policiais faziam parte de um grupo criminoso", disse o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa.

Detalhes do inquérito
O perito Isaac Queiroz, do Departamento de Polícia Técnica (DPT), responsável pela perícia realizada no dia da ação e que também esteve à frente da reconstituição da ação da PM, realizada na madrugada no dia 28 de maio, explicou como ocorreu o processo de investigação.

"Houve três momentos de confronto em lugares diferentes entre os suspeitos e os policiais, que estavam em três viaturas. Duas viaturas [de números 2.3303 e 2.3302] faziam rondas de rotina na Estrada das Barreiras e a outra [de número 2.3304] foi chamada após ter ocorrido o primeiro confronto, no qual um dos PMs foi atingido com um tiro [de raspão] na cabeça", informou.

Perito (Foto: Alan Tiago/G1)
Perito Isaac Queiroz, do DPT (Foto: Alan Tiago/G1)

De acordo com o perito, o primeiro confronto ocorreu após um dos policiais ter avistado suspeitos com roupas do Exército e mochilas, num local onde ocorria venda de drogas, durante averiguação de um carro suspeito. Dois suspeitos em uma motocicleta teriam disparado contra os policiais e, depois, fugiram por um beco, afirmou. O que estava no banco do carona teria dado o tiro que atingiu de raspão a cabeça de um dos militares, complementou o perito.

O segundo confronto - seis minutos após o primeiro - ocorreu próximo a um campo de terra do bairro, para onde os suspeitos fugiram e teriam se unido a outros comparsas. Já a terceira troca de tiros aconteceu numa vegetação próxima ao campo, onde, segundo a polícia, os suspeitos se posicionaram para o confronto e onde as mortes aconteceram. Uma das viaturas teria se posicionado em um barranco, de cerca de um metro e meio de altura. Conforme o DHPP, os outros policiais continuaram a perseguição e trocaram tiros na mata até o cessar fogo.

Secretário Maurício Barbosa apresenta inquérito sobre ação da PM no Cabula, em Salvador (Foto: Alan Tiago/G1)
Secretário Maurício Barbosa apresenta inquérito
sobre ação da PM no Cabula (Foto: Alan Tiago/G1)

De acordo com a investigação, a partir daí, não houve mais nenhum disparo, como, segundo a polícia, afirmam os agentes envolvidos, os moradores que escutaram os tiros e os sobreviventes. Isso descarta a hipótese de execução de suspeitos já rendidos, informou a SSP. Após o fim do confronto, os policiais posicionaram os farois das viaturas em direção à mata para busca e socorrer os feridos, informou a polícia. De acordo com a investigação, os próprios sobreviventes solicitaram socorro aos agentes.

Conforme o perito Isaac Queiroz, toda a dinâmica da movimentação das três guarnições envolvidas na ação foi analisada. "Além disso, os relatos dos policiais são convergentes com relação ao locais dos confrontos. O que a gente conclui é que houve realmente confrontos, em três momentos, entre os suspeitos e as guarnições", destacou. A perícia também encontrou nos corpos de dois suspeitos mortos projéteis de armas de fogo apreendidas no local, o que, segundo a investigação, evidencia o "fogo cruzado".

Sobre o inquérito do MP-BA, que apontou situação de "execução sumária" por parte dos policiais, o secretário Maurício Barbosa afirmou que ambos os inquéritos se basearam nos mesmos laudos e diz se tratar de uma questão interpretativa dos fatos. Ele, no entanto, evitou desqualificar a investigação paralela do órgão. "A análise sozinha de um laudo ou de alguns laudos cadavéricos não podem dar a total dimensão dos fatos. Por isso nós batemos sempre na tecla que a reprodução simulada era fundamental para nós vermos as versões dadas pelos envolvidos e laudos técnicos. O que se apurou é que não houve disparos a curta distância e nem após os suspeitos serem rendidos, como relatam as testemunhas".

Com relação aos supostos tiros disparados por policiais de cima para baixo, como apontou o MP, Barbosa disse que a forma como os policiais estavam posicionados durante a ação pode explicar a direção dos disparos. "O posicionamento de entrada e de saída de tiros é muito dinâmico ao contexto da própria ação policial. Estávamos aqui acompanhando através da reprodução feita pelo perito que, no segundo confronto, os policiais estavam na parte superior aos integrantes da facção, que estavam postados numa posição inferior. Isso, a depender do declive ou aclive do terreno, pode haver uma entrada de tiros de cima para baixo até mesmo quando essas pessoas se jogam ao chão na tentativa de se defender e continuam efetuando disparos deitadas no solo. Efetivamente pode vir a ocorrer que também que tiros venham pelas costa", destacou.

Um dos quatro promotores que denunciaram os policiais militares por execução, o promotor Davi Galo, disse à TV Bahia que não ia se manifestar sobre as investigações da Polícia Civil porque ainda não teve acesso ao inquérito. Segundo o promotor, esse inquérito vai ser anexado ao processo que já está correndo na Justiça e acredita que ele não deve interferir no andamento da ação penal contra os PMs. Ainda segundo o promotor, os réus já foram citados pela Justiça para apresentar a defesa.

Inquérito do MP
Em junho, o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, 1° Juizo da 2ª Vara do Tribunal do Júri, aceitou a denúcia sobre a abordagem dos policiais feita pela Promotoria. Conforme o MP-BA, além dos homicídios, outras seis pessoas ficaram feridas durante a ação policial. Os PMs foram denunciados por homicídio qualificado e tentativa de homicídio.

Os nove suspeitos são da Rondesp. De acordo com a versão policial, foi iniciado um confronto após os policiais avisatarem seis homens de mochilas, até que o grupo saiu correndo ao encontro de mais 30 homens, que teriam iniciado os disparos. Moradores e movimentos sociais, além da Promotoria, contestaram a versão e acusam violência policial contra jovens da comunidade Vila Moisés, onde ocorreu o crime. O promotor afirma que laudos de exame cadavérico descreveram as trajetórias das balas e que as vítimas já estavam rendidas e receberam tiros de cima para baixo a dos envolvidos.

Associação de PMs contesta MP-BA
A Associação de Praças da Polícia Militar do Estado da Bahia (APPM-BA) divulgou, no dia 25 de maio, crítica à conduta do MP-BA (MP-BA). De acordo com Roque Santos, presidente da APPM-BA, o processo contra os nove policiais envolvidos corre em segredo de Justiça. Ele denuncia que a divulgação de dados referentes às investigações, antes da conclusão do inquérito, revela "parcialidade" do órgão. "O MP não deveria ter se pronunciado agora. Deveria ter aguardo a conclusão do inquérito para apresentar os resultados num momento propício. Tal comportamento tem desmotivado os policiais que colocam a vida em risco nas ruas", avaliou.

Chefes de polícias na coletiva sobre a chacina no Cabula, em Salvador (Foto: Henrique Mendes/G1 BA)
Chefes de polícias na coletiva sobre a chacina no
Cabula dias após a ação
(Foto: Henrique Mendes/G1 BA)

Versão da PM-BA
Segundo a PM, as 12 pessoas foram mortas durante confronto com agentes das Rondas Especiais (Rondesp). Conforme os policiais, tiroteio aconteceu após eles terem recebido a informação de que um grupo planejava roubar um banco no bairro do Cabula. 

A PM afirma que, ao chegar ao local, a polícia encontrou seis homens de mochilas, o que despertou desconfiança inicial. Durante perseguição, a polícia conta que os suspeitos correram para um local onde estavam mais 30 homens, que teriam iniciado o tiroteio.

Na ação, a PM diz que foram apreendidos com os suspeitos 12 armas de fogo calibre.38; uma pistola calibre.40; outra pistola calibre .45; uma espingarda calibre .12; dois coletes balísticos. Além de armas, a PM diz que foram apreendidos 3 kg de maconha; 1,2 kg de cocaína; 300 gramas de crack; além de diversos uniformes camuflados parecidos com as roupas usadas no Exército

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