sexta-feira, 26 de setembro de 2014
Pernambuco: Justiça manda o Estado de Pernambuco contratar todos os excedentes do último concursos de Agente Penitenciário e aplica multa de R$ 5.000,000,00(cinco milhões) ao ano em caso de descumprimento! AS ações foram movidas pelo Ministério Público, duas ACPs - Ações Civis Públicas. O Estado de Pernambuco alegou que não pode ser obrigado a promover concurso público para cargos na administração direta e indireta estadual, por se tratar de atribuição típica ao governo do estado e não do Judiciário, alegando assim a separação dos poderes(Executivo, Legislativo e Judiciário) e o último argumento é que a contratação causaria grave lesão da ordem e economia pública. A juíza não comeu nada, ou melhor, não aceitou nenhum dos argumentos e mandou ainda: contratar até 31.12.2015 3.500 Até 31.12.2016 totalizar 4.500 Até 31.12.2017 totalizar 5.500 Até 31.12.2018 que o efetivo dos Agentes Penitenciários esteja em 6.000 Servidores.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
JUÍZO DA SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processos nº 0019753-82.2006.8.17.0001 e 0020536-93.2014.8.17.0001
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
Réu: ESTADO DE PERNAMBUCO
SENTENÇA
1. Relatório
Vistos, etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, devidamente qualificado, através de seus representantes, promoveu duas ações civis públicas contra o ESTADO DE PERNAMBUCO, também qualificado, cujos relatórios seguem abaixo:
(i) Relatório da ACP nº 0019753-82.2006.8.17.0001
Assevera que foi instaurado pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Capital um Procedimento Administrativo com o escopo de apurar a suposta deficiência de recursos humanos e materiais da Secretaria Executiva de Ressocialização. A deficiência alegada seria um obstáculo ao trâmite de diversos processos no judiciário pernambucano, pois, muitas vezes, embora solicitados pelos Juízes de Direito, os presos não eram apresentados ao judiciário, contribuindo, assim, para o atraso no julgamento dos processos criminais e sentimento de impunidade em diversos casos.
Afirma que o procedimento administrativo deflagrado identificou que o Estado de Pernambuco, mesmo ciente do déficit de profissionais do cargo de Agente Penitenciário e tendo adotado algumas medidas paliativas, não promoveu o concurso público necessário para superar a deficiência no tocante aos recursos humanos.
Defende que a omissão do estado não se justifica, porque a Segurança Pública é um dever constitucional.
Assim, considerando a necessidade do provimento de profissionais, requer medida judicial apta a compelir o réu a proceder com a deflagração de concurso público para provimento de pelo menos 2.000 (dois mil) cargos de Agente de Segurança Penitenciária.
Junta os documentos de fls. 20/1366.
Decisão de antecipação da tutela às fls. 1367/1370.
Cópia do Agravo de Instrumento acostado às fls. 1376/1395.
Devidamente citado, o réu, às fls. 1399/1416, acosta sua contestação, alegando, em suma, o seguinte: a) o Estado de Pernambuco não pode ser compelido a promover concurso público para provimento de cargos na administração direta estadual, por se tratar de atribuição típica ao Poder Executivo, atrelada à ideia de conveniência e oportunidade; b) o pedido constante da exordial atenta diretamente contra o princípio da separação dos poderes; c) a pretensão, caso julgada procedente de forma integral, causaria grave lesão da ordem e economia pública.
Ofício nº 050/2006-GDAML às fls. 1471 que informa a suspensão da decisão concessiva da liminar.
Réplica do Ministério Público às fls. 1477/1494.
Petição às fls. 1713 informando a realização de processo seletivo para o preenchimento de 500 vagas para o cargo de agente penitenciário.
Petições da lavra do Ministério Público acostadas às fls. 1737/1739 e 1741/1748.
Ata da audiência realizada às fls. 1077/10780.
Às fls. 1076/1099 consta memorial escrito da lavra do Ministério Público.
(ii) Relatório da ACP nº 0020536-93.2014.8.17.0001
Aduz que a situação das unidades prisionais do Estado de Pernambuco está calamitosa, já que o número de agentes penitenciários é insuficiente para atender a demanda carcerária que se encontra em constante aumento.
Destaca que a carência de profissionais propicia um tratamento degradante da população carcerária, afrontando, assim, o princípio da dignidade humana previsto na Constituição Federal.
Assevera que a omissão do Estado de Pernambuco é categórica, pois, embora o número de encarcerados esteja em constante elevação, o número de agentes penitenciários está estagnado desde longa data, sendo necessário, portanto, a contratação de pelo menos 4.500 profissionais.
Defende que a Constituição Federal veda a aplicação de penas cruéis e que afrontem a dignidade inerente ao ser humano, assim, requer, em sede de antecipação de tutela, a nomeação de 120 candidatos aprovados no concurso para o cargo de agente penitenciário com validade até 28 de junho de 2015, com o escopo de atender a necessidade premente de profissionais; e, no mérito, (i) a nomeação de todos os candidatos do último certame e (ii) a deflagração de novo concurso público para promover o preenchimento das vagas na quantidade adequada para o exercício das atividades profissionais dos agentes penitenciários.
Junta documentos de fls. 24-a/381.
Decisão concessiva da tutela antecipada às fls. 383.
Petição comunicando a interposição de Agravo de Instrumento às fls. 392/404.
Devidamente citado, o réu, às fls. 405/425, acosta sua contestação, alegando, em suma, o seguinte: a) impossibilidade de garantia de nomeação e posse através de tutela de urgência, por possuir caráter irreversível; b) ausência de interesse de agir por não ter ficado demonstrada a resistência do réu em promover a nomeação dos candidatos que compõem a lista de excedentes do último concurso; c) a pretensão viola o princípio da separação dos poderes, pois a conveniência e a oportunidade da nomeação dos candidatos excedentes faz parte das funções típicas do Poder Executivo de modo a se tratar de exame de mérito.
Petição de fls. 426/431 da lavra do Ministério Público, na qual é informada a existência de continência da presente ação com a ação coletiva nº 0019753-82.2006.8.17.0001 em trâmite no juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Despacho às fls. 463 do juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital declinando de sua competência para julgar o feito com espeque na ocorrência da continência suscitada.
Petição do réu às fls. 465/469, informando o cumprimento da liminar deferida.
Processo distribuído perante o juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital às fls. 470.
Despacho às fls. 471 ratificando a decisão que concedeu a liminar, intimando o Ministério Público para réplica e determinando o apensamento dos autos do processo em epígrafe à Ação Civil Pública nº 0019753-82.2006.8.17.0001.
Decisão de fls. 475/476 concedendo medida cautelar de ofício para restabelecer a ordem de classificação e sanar o vício da publicidade na convocação dos candidatos.
Réplica às fls. 482/510.
Petição do réu às fls. 515/528 noticiando o cumprimento da medida cautelar de ofício.
São os relatórios. Decido.
2. Fundamentação
2.1. Questões de Ordem
Diante da continência existente entre as ações cujos relatórios constam acima, é importante esclarecer que passarei a prolatar sentença única de modo a apreciar o meritum causae de ambas as ações, proporcionando a economia processual necessária no julgamento dos feitos, salientando que, a partir de então, todos os atos processuais das ações supramencionadas serão praticados unicamente na ação coletiva de nº 0019753-82.2006.8.17.0001, isso para proporcionar maior facilidade no manuseio e curso dos processos.
Urge salientar também que a dilação probatória aperfeiçoada na primeira ação civil pública será utilizada como razão de decidir nos dois feitos coletivos com o fito de evitar a prática de atos processuais inúteis, visto que as provas necessárias ao julgamento da ação civil pública mais nova já foram produzidas na ação mais antiga.
Ultrapassadas as questões de ordem, passo ao exame das preliminares arguidas.
2.2. Preliminares
2.2.1. Ausência de Interesse de ação
O réu, devidamente citado, arguiu, em sede de preliminar, a ausência de interesse de ação por não ter ficado demonstrada a resistência do réu em promover a nomeação dos candidatos ao cargo de agente penitenciário que compõem a lista de excedentes do último concurso. Aduziu que o candidato classificado fora das vagas oferecidas no edital não possui direito subjetivo à nomeação. Portanto, não haveria qualquer resistência por parte do réu em nomear os candidatos fora das vagas previstas no edital, afastando assim eventual pretensão resistida, o que permitiria concluir pela ausência de interesse de agir na propositura da presente ação.
Não obstante a clareza das alegações, a preliminar não merece acolhimento, por haver nos autos, ao contrário do defendido pelo réu, prova inequívoca da necessidade premente de contratação de agentes penitenciários e demonstração categórica da omissão do réu em prover os cargos vagos.
Destaco que o Superintendente de Capacitação e Ressocialização da SERES/PE, o Sr. Geovane Deutônio de Melo, afirmou, em audiência neste juízo - cuja ata se encontra às fls. 1077/1078 da ACP mais antiga - acerca da existência de pelo menos 320 vagas, sendo 120 vagas para preenchimento imediato e 200 vagas para o concurso público vindouro. Ora, como se vê, havia cargo vago, logo a inércia do Estado de Pernambuco em se valer dos candidatos aprovados no certame justificou a interposição da ação civil pública com o intuito de compelir o réu a promover o preenchimento do seu quadro funcional de forma a caracterizar a alegada pretensão resistida e, reflexamente, o interesse processual.
Saliento, outrossim, que a jurisprudência dos tribunais superiores se consolidou no sentido de haver direito subjetivo à nomeação quando, a despeito dos candidatos ficarem fora do número de vagas anteriormente previstas no edital do concurso público, a administração pública demonstra de forma inequívoca (i) a existência de vagas e (ii) de previsão orçamentária. Neste sentido colaciono aresto jurisprudencial que, mutatis mutandis, corrobora com o entendimento aqui aplicado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CADASTRO DE RESERVA. VAGAS SUPERVENIENTES.
1. A aprovação do candidato dentro do cadastro de reserva, ainda que fora do número de vagas inicialmente previstas no edital do concurso público, confere-lhe o direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo se, durante o prazo de validade do concurso, demonstrado o interesse da Administração Pública, surgirem novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento. Precedentes.
2. No caso, a Administração Pública, por meio do Edital nº 002-CG, convocou mais 226 vagas candidatos habilitados em cadastro de reserva, tendo surgido mais 111 vagas ante a desclassificação e não comparecimento de candidatos, o que é mais do que suficiente para a convocação do ora agravante para realizar o Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar do Estado da Bahia, atendidos os requisitos exigidos dos demais candidatos convocados.
3. Retificação do voto do Ministro Relator.
4. Agravo regimental provido. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 38.117 - BA (2012/0109298-2) RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA.
Infere-se que o precedente supramencionado se aplica ao caso em tela, já que ficou comprovado haver (i) cargos vagos e, consequentemente, (ii) previsão orçamentária. Logo, não há razão que justifique o acolhimento da preliminar arguida pelo réu.
2.1.2. Impossibilidade de garantia de nomeação e posse através de tutela de urgência
O réu alegou que não se pode garantir nomeação e posse dos candidatos através de medida antecipatória por revestir-se de caráter irreversível. No entanto, tenho que o argumento não prospera, visto que a nomeação e posse garantidas através de provimento antecipatório possuem nitidamente o caráter precário, próprio das medidas antecipatórias, inclusive este foi o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 608482/RN, julgado em 7/8/2014, em sede de Repercussão Geral e noticiado no Informativo nº 753.
Não havendo mais preliminares arguidas, passo ao exame de mérito.
2.3. Exame de Mérito
A causa de pedir das ações coletivas está consubstanciada no déficit de profissionais nas unidades prisionais do Estado de Pernambuco e na omissão do réu em promover as medidas necessárias para superar a deficiência de recursos humanos.
Ao compulsar os autos das ações interpostas, observo que o número de agentes penitenciários no âmbito do Estado de Pernambuco está muito aquém do desejado, sobretudo ao considerar o teor do artigo 1º da Resolução nº 01/09 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, cujo dispositivo estabelece a proporção mínima de 5 (cinco) presos por agente penitenciário.
Destaco que, no dia 28 de abril do corrente ano, o Conselho Nacional de Justiça realizou o Mutirão Carcerário, no qual foi identificado o atual número da população carcerária do Estado de Pernambuco, qual seja: 30.404 (trinta mil quatrocentos e quatro) presos. Assim, ao aplicar a recomendação prevista na resolução supramencionada, seriam necessários cerca de 6.000 cargos de agente penitenciário para se chegar ao número considerado adequado à demanda.
Não se pode esquecer que o Superintendente de Capacitação e Ressocialização da SERES/PE, o Sr. Geovane Deutônio de Melo, na audiência realizada neste juízo, afirmou que existem apenas 1.450 agentes penitenciários no Estado de Pernambuco. Com efeito, ao levar em conta o número da população carcerária e a quantidade de profissionais especializados, cada agente penitenciário cuida de aproximadamente 20 presos. Nesse contexto pavoroso, é possível perceber que não há dúvida quanto à insuficiência de profissionais especializados para cuidar daqueles que se encontram tolhidos de sua liberdade e sob a responsabilidade estatal.
É importante considerar que a omissão do réu deve ser considerada ilegal e inconstitucional, porque, a uma, compromete a segurança pública; a duas, afronta a dignidade humana dos reeducandos; e, a três, prejudica o meio ambiente de trabalho dos agentes penitenciários. Explico.
A segurança pública, prevista nos artigos 6º e 144 da Constituição Federal, ao passo que, por um lado, constitui direito fundamental dos cidadãos, por outro, trata-se de prestação constitucional do Estado a ser refletida na obrigação de custodiar os presos submetidos à prisão em face do cumprimento da finalidade da persecução penal que é garantir a segurança da sociedade ao punir e reeducar os transgressores do regime da lei. Assim, não sendo prestada adequadamente, a omissão deve ser considerada danosa aos artigos 6º e 144 da CF, pois a segurança pública é um direito fundamental e indisponível, este, aliás, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Como paradigma decisório, segue o aresto jurisprudencial que, mutatis mutandis, se aplica ao caso em tela:
"DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.
2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido. (STF - RE 559.646-AgR, rel. Min. Ellen Gracie, 07.06.2011)"
No caso dos autos, percebe-se que a falta de profissionais culminou no retardamento do julgamento de processos criminais, afrontando também o inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88 (princípio da celeridade de julgamento), visto que muitas audiências não foram realizadas por falta de apresentação do réu preso, consoante se verifica dos documentos de fls. 25/88 da ACP mais antiga.
Além disso, sob a ótica dos encarcerados, a inércia do réu afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III da CF/88, isso porque a ausência de profissionais contribui de forma inequívoca para a insegurança dentro das unidades prisionais, comprometendo, assim, a integridade física dos que estão no cárcere e sob a responsabilidade do estado.
Impende destacar que a integridade física e moral dos presos constitui direito fundamental previsto inciso XLIX do art. 5º da Constituição Federal. Logo, sendo direito fundamental, o réu não deve se escoimar de efetivar os direitos assegurados na Lei Maior. Ao contrário, deve imediatamente adotar medidas capazes de garantir a integridade dos encarcerados.
Não se olvida que a Constituição Federal veda o tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, da CF). Entretanto, a realidade exposta nos autos revela que o quadro das unidades prisionais do Estado de Pernambuco é calamitoso, visto que o número de vagas para reeducandos gira em torno de 10.515, mas a população carcerária chega ao número de 30.404 presos, conforme consta no Relatório do Conselho Nacional de Justiça às fls. 493/494 dos autos da ACP mais recente. Com efeito, não seria desarrazoado considerar que os presos do Estado de Pernambuco sofrem tratamento desumano e degradante, máxime porque o número de vagas nas unidades prisionais se apresenta assaz insuficiente para atender a demanda carcerária. Nesse ambiente degradante, o caráter educativo da pena não pode ser alcançado, o que inviabiliza a possibilidade de ressocialização desses presos.
Friso que cumprir uma pena em tal condição pode ser equiparado a uma espécie de pena cruel, cuja aplicação é vedada pela lei fundamental (alínea "e", inciso XLVII do art. 5º da CF), posto que a inércia do Estado em assegurar direitos fundamentais dos encarcerados demonstra o total desprezo com as disposições constitucionais e, o que é pior, com a própria dignidade humana. Assim, mostra-se oportuna a lição de Ferrajoli para quem "um Estado que mata, que tortura, que humilha o cidadão, não só perde a legitimidade, como contradiz a sua própria razão de ser, colocando-se no mesmo nível dos delinquentes."
Ressalto ainda que, sob o prisma dos agentes penitenciários, o réu não adota uma conduta consentânea com os preceitos constitucionais, em especial aqueles atrelados ao direito ao meio ambiente de trabalho dos profissionais que desempenham atividades nas unidades prisionais do Estado de Pernambuco.
Sabe-se que o legislador constituinte consignou na Constituição Cidadã a proteção ao meio ambiente no caput do art. 225, a saber:
"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações"
Além disso, o poder constituinte originário incluiu no espectro da proteção do meio ambiente, o trabalho, consoante se percebe da inteligência do art. 200, VIII da CF/88, in verbis: "colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho."
Pois bem. Como se percebe das provas acostadas aos autos, a proporção de agentes penitenciários é insignificante frente ao número de encarcerados, pois, considerando o número atual de servidores, cada agente penitenciário pode chegar a supervisionar pelo menos 20 presos. Com efeito, considero que esta proporção, além de contrariar o art. 1º da Resolução nº 01/09 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, põe em risco de forma veemente os agentes prisionais.
2.3.1. Da suposta violação do princípio da separação dos poderes.
Em sede de contestação, o réu defende que o pedido formulado pelo Ministério Público, caso julgado procedente pelo Poder Judiciário, invadiria seara restrita aos administradores públicos, por se tratar de matéria discricionária, e afrontaria o princípio da separação de poderes. Todavia, essa argumentação é rechaçada pela jurisprudência pátria. Isso porque a determinação de contratação de agentes penitenciários não implica em ingerência do Poder Judiciário nas atribuições do Poder Executivo, mas sim promove medidas assecuratórias de direitos constitucionais reconhecidos como essenciais. Nesse sentido colaciono alguns arestos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal que reforçam o não acolhimento das alegações do réu:
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFENSORIA PÚBLICA. AMPLIAÇÃO DA ATUAÇÃO. OMISSÃO DO ESTADO QUE FRUSTA DIREITOS FUNDAMENTAIS. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. CONTROLE JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.10.2007. Emerge do acórdão que ensejou o manejo do recurso extraordinário que o Tribunal a quo manteve a sentença que condenou o Estado a designar um defensor público para prestar serviços de assistência jurídica gratuita aos hipossuficientes da Comarca de Demerval Lobão consoante os arts. 5º, LXXIV, 127, caput, 129, III e IX e 134 da Constituição Federal. No caso de descumprimento da obrigação, fixou multa diária. O acórdão recorrido não divergiu da jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que é lícito ao Poder Judiciário, em face do princípio da supremacia da Constituição, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes. Precedentes. O exame da legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não ofende o princípio da separação dos Poderes. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido. (AI 739151 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2014 PUBLIC 11-06-2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO DE OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública em defesa de interesses individuais indisponíveis, como é o caso do direito à saúde. II - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise, a realização de tratamento médico por paciente destituído de recursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Portanto, o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação. III - Em relação aos limites orçamentários aos quais está vinculada a ora recorrente, saliente-se que o Poder Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente mensurável, não pode se furtar à observância de seus encargos constitucionais. IV - Este Tribunal entende que reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, não configura violação do princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro. V - Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 820910 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 03-09-2014 PUBLIC 04-09-2014)
DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.
2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido. (STF - RE 559.646-AgR, rel. Min. Ellen Gracie, 07.06.2011)
PRÉDIO PÚBLICO - PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL - ACESSO. A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis nº 7.853/89 - federal -, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 - estas duas do Estado de São Paulo - asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem. (STF - RE: 440028 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 29/10/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11-2013)
É importante destacar que a hipótese dos autos não destoa daquelas tratadas nos precedentes supramencionados, porque não há dúvida quanto à natureza constitucional e essencial do direito à dignidade da pessoa humana, à segurança e ao meio ambiente. Ademais, assim como visto nos arestos jurisprudenciais, também ficou provada a omissão específica do réu em assegurar os direitos fundamentais consagrados na CF/88.
Friso que sequer o réu apresentou justificativa razoável para a mora administrativa ou apontou alguma política pública que pudesse satisfazer os encargos constitucionais. Destarte, enquanto defensor do arcabouço jurídico nacional, ao poder judiciário incumbe compelir o réu a cumprir com as normas preconizadas na Constituição Federal de sorte a afastar a conduta omissiva dos administradores públicos e assegurar a força normativa da constituição.
2.3.2. Da suposta lesão à ordem e à economia pública
Em se tratando da lesão à ordem e à economia pública, entendo que não ficou demonstrada a impossibilidade do réu arcar com a despesa gerada por 6.000 agentes penitenciários. Explico.
O autor, desincumbindo-se do mister previsto no art. 333, I, do CPC, acostou às fls. 506/507 da ACP mais recente o demonstrativo de execução orçamentária do Estado de Pernambuco, no qual se pode observar que o réu apresenta superávit de R$ 586.106.765,33 (quinhentos e oitenta e seis milhões cento e seis mil setecentos e sessenta e cinco reais e trinta e três centavos), isto é, mês a mês o ente político arrecada mais do que gasta na consecução de seus fins, apresentando, portanto, capacidade financeira para suportar um aumento na despesa pública no valor aproximado de R$ 141.000.000,00 (cento e quarenta e um milhões de reais), que representa o acréscimo financeiro da contratação de 6.000 agentes penitenciários.
O Superintendente de Capacitação e Ressocialização da SERES/PE, o Sr. Geovane Deutônio de Melo, afirmou, na audiência realizada neste juízo, que 1.450 (mil quatrocentos e cinquenta) agentes penitenciários geram para o Estado de Pernambuco o gasto de R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais), nesse contexto, ao se cogitar estabelecer que o número de agentes passe para 6.000 (seis mil), o incremento financeiro gerado por este aumento chegará ao valor aproximado de R$ 141.000.000,00 (cento e quarenta e um milhões de reais), inferior, portanto, em muito ao superávit apresentado pelo réu.
É importante destacar que em longo prazo o réu irá minimizar os gastos com indenizações judiciárias em razão de mortes de detentos que estavam sob a responsabilidade estatal, isso porque, considerando a precariedade de segurança nas unidades prisionais do estado, é bastante comum a interposição de ações judiciais contra o Estado de Pernambuco através das quais os parentes dos detentos mortos buscam indenizações altíssimas.
Por se tratar de responsabilidade objetiva do estado, todas elas são julgadas no sentido de condenar o réu a arcar com indenizações altíssimas. Por exemplo, apenas neste juízo da fazenda, cerca de 15 processos nos últimos dois anos foram julgados no sentido de condenar o réu em não menos que R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) de danos morais. Assim, a despeito do valor das indenizações representar um gasto menor do que aquele previsto para a contratação de 6.000 agentes prisionais, ao longo do tempo implicará numa economia significativa, pois, com a melhora da segurança no interior dos presídios, a tendência natural é que o número de mortes nas unidades prisionais seja reduzido drasticamente.
Ressalto, ainda, que não deve se aplicar na espécie a teoria da reserva do possível, isso porque o incremento financeiro, conforme visto acima, decorrente da contratação de agentes prisionais no número adequado à demanda carcerária, pode ser suportado facilmente pelo réu.
Por se tratar de um caso semelhante ao então analisado, resolvo colacionar um recente precedente do Superior Tribunal de Justiça que corrobora com o entendimento do juízo, a saber:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA. Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública - superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente -, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Nessas circunstâncias - em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição -, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como "supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social", como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20/5/2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma, DJe 15/9/2011) e do STJ (AgRg no REsp 1.107.511-RS, Segunda Turma, DJe 6/12/2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/1964 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente, a invocação da teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014.
2.3.3 Da forma progressiva de alcançar o número adequado previsto na Resolução nº 01/09 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
Destaco, com espeque no princípio do devido processo legal em sua vertente material - que guarda relação com o dever de razoabilidade e proporcionalidade -, que a melhor maneira para alcançar o número de agentes prisionais previsto na resolução supramenciona é o progressivo, isso porque não adianta falar na necessidade de servidores públicos sem que haja toda a estrutura para treinar e acomodar tais profissionais no âmbito da Administração Pública. Por essa razão, e ainda com o intuito de tornar, sob o ponto de vista prático, exequível tal decisão judicial, o réu deverá aumentar o quadro de agentes prisionais na forma a seguir aduzida:
Prazo limite para alcançar o número estabelecido
Número de agentes penitenciários
Até 31.12.2015
3.500
Até 31.12.2016
4.500
Até 31.12.2017
5.500
Até 31.12.2018
6.000
Respectivamente, ao longo do tempo, a proporção de agentes penitenciários/população carcerária será aproximadamente a seguinte: 8,5 - no final de 2015; 6,6 - no final de 2016; 5,45 - no final de 2017; e, por fim, 5 - no final de 2018.
2.3.4 Da antecipação de tutela
Sabe-se que a tutela antecipada poderá ser concedida na própria sentença como forma de obstacular o recebimento de eventual recurso de apelação no efeito suspensivo, permitindo-se o pronto cumprimento da sentença prolatada.
A antecipação da tutela somente revela-se possível quando o Estado-Juiz, diante de prova inequívoca, se convence da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Os requisitos acima destacados se encontram sobejamente demonstrados. Explico.
A verossimilhança das alegações está consubstanciada na conduta omissiva do réu, a qual alcançou um patamar inaceitável do ponto de vista constitucional, eis que direitos fundamentais e essenciais não estão sendo assegurados por falta de vontade política, o que enseja a atuação do judiciário como forma de compelir o réu a se desincumbir de seu mister constitucional.
O periculum in mora é evidenciado pela ausência da segurança necessária dentro das unidades prisionais do Estado de Pernambuco seja do ponto de vista dos presos seja do ponto de vista dos agentes penitenciários.
2.3.5 Do concurso atualmente em curso e situação dos candidatos
Como é sabido, o concurso público instaurado em 2009 para preenchimento dos cargos de agente penitenciário se encontra com validade até 28 de junho de 2015. Destarte, considerando que ficou mais do que demonstrada a necessidade de contratação desses profissionais, o réu deverá alcançar o número de 6.000 agentes penitenciários, aproveitando, a priori, todos os candidatos do concurso que está em trâmite até a data de expiração de sua validade, desde que, é claro, logrem êxito nas etapas previstas no edital, de sorte a contemplar todo o Estado de Pernambuco e suprir a carência premente desses profissionais.
Ressalto também que, em sede de liminar, fora determinada a convocação de 320 candidatos do concurso em trâmite, a fim de que ao final das fases previstas no edital cerca de 120 candidatos fossem nomeados e empossados. Todavia, para se desincumbir do ônus gerado pela referida decisão, o Estado de Pernambuco ao promover a convocação dos candidatos o fez tão somente através do Diário Oficial do Estado de Pernambuco e em site diverso da UPENET, contrariando disposição expressa do edital, que previa que toda convocação seria realizada no site da organizadora, in casu www.upenet.com.br.
Como era de se esperar, poucos candidatos se apresentaram depois da primeira convocação, razão pela qual foram necessárias mais quatro convocações para se chegar ao número estabelecido na decisão liminar supramencionada.
Após a constatação que a via editalícia fora a escolhida para dar cumprimento à decisão da ação civil pública, muitos candidatos que ocupavam as primeiras colocações "bateram às portas do judiciário" a fim de que lhe fossem garantido o direito de participar das demais fases do concurso, sob o fundamento de que a convocação levada a efeito pelo Estado de Pernambuco contrariava o edital do certame, afrontava a publicidade necessária ao referido ato e, sobretudo, desrespeitava a ordem de classificação. Assim, várias ações foram interpostas com o objetivo de afastar o vício de publicidade. Para superar a deficiência da convocação dos candidatos e evitar a multiplicidade de ações, este juízo, com esteio no poder geral de cautela, determinou às fls. 475/476 da ACP mais nova que o réu procedesse com a reconvocação de todos os candidatos de modo a restabelecer a ordem de classificação que havia sido quebrada com a publicidade inadequada do ato convocatório. Às fls. 524/528 dos autos da ACP mais nova, constam documentos que comprovam o cumprimento da decisão de fls. 475/476.
Ressalte-se que todo o processo cuja causa de pedir esteja fundamentada exclusivamente na ausência de publicidade na convocação dos candidatos perdeu o seu objeto com a decisão de fls. 475/476, porquanto a convocação dos candidatos voltou ao estágio inicial, isto é, todos os candidatos que não se apresentaram no momento oportuno serão novamente reconvocados na forma preconizada no edital, respeitando-se a ordem de classificação.
Não se pode olvidar de esclarecer que os candidatos que já se submeteram a qualquer das fases que no futuro serão repetidas, com respeito a ideia de consumação do ato, não haverá necessidade de participar da mesma fase. A ideia de consumação também deve ser aplicada para aqueles que foram eliminados na forma prevista no edital, ou seja, aqueles que porventura foram eliminados no teste físico, por exemplo, com o restabelecimento da ordem de classificação e nova convocação, devem ser considerados eliminados e não terão uma nova chance.
Ademais, impende destacar que, naturalmente, muitos candidatos que já tinham se submetido às fases previstas no instrumento editalício (exame médico, físico e psicotécnico), a despeito de figurarem em colocação muito inferior aos 300 primeiros, por exemplo, passaram a instar o judiciário com o intuito de que fossem inscritos no curso de formação levado a efeito pelo réu com aproximadamente 130 candidatos, por se sentirem preteridos e alegarem possuir direito de participar de mais essa etapa do concurso. Todavia, esse sentimento é equivocado e pode ser traduzido em puro egoísmo, porque, a uma, os preteridos foram aqueles que num primeiro momento não foram intimados da convocação e continuidade do certame na forma prevista no edital; e, a duas, porque os candidatos que estão inscritos no curso de formação profissional figuram dentro da listagem da primeira convocação, ou seja, quem está no curso de formação é o candidato que mostrou mais capacidade em relação aos demais concorrentes. Feitas tais consideração, destaco que no momento oportuno, respeitada a ordem de classificação, todos os classificados terão a oportunidade de participar do tão desejado curso de formação.
Por fim, destaco que posteriormente os demais candidatos serão aproveitados na forma prevista neste decisum.
2.3.6. Da Deflagração de novos concursos após o exaurimento do antigo
Consoante visto acima, existe a necessidade de contratação de 6.000 agentes prisionais por parte do réu e há um concurso público em plena validade. Considerando que o número de candidatos classificados no concurso até então válido será insuficiente para atender a demanda de profissionais, o réu deverá, após a expiração de validade do concurso de 2009 ou o aproveitamento de todos os seus candidatos - o que acontecer primeiro -, deflagrar quantos concursos públicos sejam necessários para atingir o número de 6.000 agentes prisionais na forma estabelecida no item 2.3.3 da sentença.
3. Dispositivo
Ante o exposto e considerando a continência das ações, julgo procedentes os pedidos para:
(i) Determinar que o réu promova a nomeação de todos os candidatos aprovados no concurso público deflagrado pela Portaria Conjunta SAD/SERES nº 121 de 29 de outubro de 2009, desde que logrem êxito em todas as fases previstas no edital;
(ii) Determinar que o réu promova quantos concursos sejam necessários para alcançar o número de 6.000 agentes penitenciários na forma progressiva estabelecida no item 2.3.3 da sentença;
(iii) Determinar que o réu promova as alterações necessárias nas leis orçamentárias com o escopo de assegurar a dotação orçamentária para o custeio das contratações.
Extingo os processos com resolução do mérito nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil.
Sem custas e honorários.
Confirmo a liminar anteriormente deferida e a estendo com o escopo de obstaculizar o recebimento da apelação no efeito suspensivo, possibilitando o pronto cumprimento da sentença prolatada em todos os seus termos.
Sentença sujeita ao reexame necessário nos termos do art. 475 do CPC.
Fixo, desde logo, multa anual no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), em caso de descumprimento dos prazos e proporções estipulados no item 2.3.3 da sentença, a ser revertido em favor do fundo penitenciário nacional.
Oficie-se com urgência para cumprimento.
Ao constatar que vários particulares peticionaram nos autos da ACP mais recente mesmo sem possuir a legitimidade necessária para postular em ação coletiva, autorizo a Secretaria do juízo a proceder com a baixa imediata de qualquer petição que porventura for protocolizada por tais ilegitimados.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se
Transitada em julgado, arquivem-se os presentes autos oportunamente.
Recife, 22 de setembro de 2014.
Mariza Silva Borges
Juíza de Direito em exercício
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deveriam fazer o mesmo para a contração de mais PMs e Policiais civis, pois do jeito que está não pode ficar!!!!
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