Caso Amarildo: policiais costumam sumir com provas
Fonte | Uol - Sexta Feira, 04 de Outubro de 2013
Inquéritos policiais fundamentados em provas testemunhais, a exemplo da investigação sobre o desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo de Souza, que sumiu no dia 14 de julho, na Rocinha, favela da zona sul do Rio de Janeiro, são comuns quando se tratam de crimes supostamente cometidos por policiais militares.
A opinião é do presidente da Comissão de Segurança da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), Arles Gonçalves Júnior, que acompanhou o inquérito sobre a morte da família Pesseghini. Em entrevista, o advogado afirmou que "a prova testemunhal não diminui o valor do inquérito".
"(...) É obvio que você precisa tomar certas precauções. Mas os crimes de chacina ou que envolvem policiais militares são geralmente baseados na versão de testemunhas, já que os policiais costumam sumir com todas as provas possíveis e imaginárias", disse.
Na quarta-feira (2), o promotor de Justiça Homero das Neves Freitas, que recebeu o inquérito da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio sobre o caso Amarildo, afirmou que toda a prova da investigação é testemunhal. Segundo Freitas, não há qualquer indício físico que incrimine os dez policiais militares indiciados --inclusive o major Edson Santos, ex-comandante da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha.
"A prova é toda testemunhal. A prova testemunhal é a chamada 'prostituta das provas'. Eu tenho indícios mínimos para oferecer denúncia contra os policiais militares. Não quer dizer que eles são os culpados. Isso quem vai definir é o juiz de direito", afirmou Freitas, que deve oferecer a denúncia à Justiça, juntamente com o pedido de prisão dos PMs, até a próxima semana.
"É normal que, em um caso como esse [Amarildo], a investigação acabe concentrando o seu material provante em testemunhas", avaliou Júnior.
Já a presidente da Comissão de Sistema Prisional do IBCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Alessandra Teixeira, afirmou que a investigação poderia ter tomado outro rumo caso o corpo de Amarildo tivesse sido encontrado.
"Quando não há o corpo, uma vez que o cadáver é a grande materialidade que dá origem à fonte de prova, ou seja, quando desaparece essa materialidade, a prova testemunhal é um elemento importante, de fato", disse ela.
No caso do Amarildo, não há como partir de outros elementos que não sejam as testemunhas, completou a especialista.
Alessandra disse ainda que há uma histórica relação entre os crimes supostamente cometidos por agentes de forças policiais e a prática de ocultação de cadáver com intuito de prejudicar a "condução probatória".
"São elementos que mostram que existe no país uma institucionalização da impunidade", finalizou.
Inquérito tem mais de 2.000 páginas
Freitas afirmou que ainda não teve tempo de ler todo o inquérito elaborado pela Divisão de Homicídios são mais de 2.000 páginas e 180 folhas de relatório, mas assegurou que não existe uma única prova na investigação que diga com certeza que o pedreiro Amarildo de Souza sofreu choques elétricos e foi asfixiado com saco plástico dentro do contêiner da UPP.
"Existem testemunhas que disseram que já foram torturadas dentro da UPP. Eu não tenho nada no relatório que diga que o Amarildo levou choque elétrico, dedo no olho, nada disso", garantiu o promotor.
Segundo reportagem de "O Globo" publicada na quarta-feira, o pedreiro teria sido vítima de choques elétricos e interrogatório com auxílio de um saco plástico na cabeça. Como era epiléptico, acabou não resistindo. Os policiais teriam tentado arrancar dele informações sobre localização de armas e traficantes da parte baixa da favela, onde Amarildo morava com a família.
O promotor explicou que dez policiais militares foram indiciados e não apenas cinco como se esperava inicialmente. "São duas guarnições, uma apoiando a outra. Isso eu já li no relatório."
O delegado da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa, convocou entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira, mas deu poucos detalhes da investigação. Barbosa, no entanto, disse estar convicto do resultado do inquérito.
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