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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Empréstimo Consignado

Cuidado, tem funcionário que tem apenas conta salário, mas tem funcionário que tem conta corrente e nesta conta conta corrente tem uma cláusula que diz que o banco pode descontar empréstimo mesmo alem do percentual autorizado em seu salário. Veja o que aconteceu. Nesta decisão o TJPE foi a favor do servidor, mas nem sempre o juiz pensa do mesmo jeito!

PODER JUDICIÁRIO DE PERNAMBUCO
1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE OLINDA

Proc. nº 0005930-76.2009.8.17.0990

S E N T E N Ç A


J. J. B. propôs ação ordinária contra BANCO BRADESCO S/A, aduzindo o seguinte.

É titular da conta corrente nº XXX.XXX, agência XXXX, Banco Bradesco e realizou várias transações com o banco réu, vindo a se tornar devedor de um débito.

Houve a celebração de dois contratos com o banco demandado, sendo um deles "empréstimo consignado em folha de pagamento" e outro empréstimo pessoal objeto do contrato de nº XXX.XXX.XXX.

Ocorre que o banco réu fez vários refinanciamentos de débitos anteriores do autor e com juros abusivos. Como não podia fazer um empréstimo consignado abarcando o salário integral do autor, fez um empréstimo consignado e outro empréstimo pessoal que, conforme já dito, não poderia ser consignado haja vista que ultrapassaria o limite legal de desconto sobre o salário.

Não obstante a celebração do contrato de empréstimo pessoal, tipo adesão, o demandado com base em cláusula contratual vem realizando descontos diretamente em conta corrente do autor e sobre os depósitos realizados pelo empregador, configurando confisco de seu salário.

Em sede de liminar pede que o demandado se a abstenha de realizar os descontos em sua conta corrente e a devolução dos valores já descontados de seu salário no valor de R$ 4.458,39 (quatro mil e quatrocentos e cinqüenta e oito reais e trinta e nove centavos). Pugnou pela gratuidade da justiça e juntou documentos.

Deferida a antecipação de tutela determinando a suspensão provisória do desconto do contrato de fls. 09 na folha de pagamento do autor, até ulterior deliberação deste juízo.

O suplicado foi citado e intimado da decisão antecipatória de tutela, apresentando duas defesas (fls. 29/37 e 38/70).

Por meio da contestação de fls. 29/37, o demandado alegou, em suma, que a conta noticiada pelo autor não se trata de conta salário, mas conta corrente de movimentação normal, assim, o desconto ocorrido nela não poderia ser considerado penhora de vencimentos. Também a cláusula contratual que autoriza a instituição financeira a debitar diretamente da conta-corrente do autor o valor necessário para quitação da parcela assumida é pratica comum e perfeitamente legal em operações desse tipo.

Por fim, afirmou o demandado que o artigo 649, inciso IV do CPC veda tão somente a penhora de salários e não a livre disposição deste, mediante ajuste de cláusula contratual para pagamento de valores devidos em razão de operações de crédito como no caso concreto. Assim, os valores disponíveis na conta corrente do autor, ainda que oriundos de seu salário, podem ser utilizados para atender outras obrigações de natureza alimentar, desde que contratualmente acordado, como ocorreu no presente caso.

Está feito o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO.

Da duplicidade de contestações:


Antes de adentrar o mérito, entendo necessário considerar o fato de haver duas defesas apresentadas pelo banco Bradesco S/A.

Tenho que a segunda defesa (fls. 38/47), protocolada no dia 09/10/2009, às 17h34min, através dos correios, bem como os documentos que a acompanham (fls. 48/70), não podem ser considerados. Isso porque, com a entrega da primeira contestação (fls. 29/37), protocolada também no dia 09/10/2009, porém, às 11h49min, o demandado já realizou o ato que lhe cabia, não podendo fazê-lo novamente.

Uma vez exercido o direito de responder a ação, consumou-se a oportunidade processual; inviável, portanto, que a parte torne a impugnar a ação. A duplicidade de contestações encontra empecilho no princípio da preclusão consumativa.

Em outros termos, apresentada a contestação, ocorre a preclusão consumativa, não podendo a parte aditá-la ou renovar o ato.

Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, Editora Forense, vol. I, 11ª ed., 1994, pág. 525, reportando-se a Chiovenda, leciona que a essência da preclusão "vem a ser a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício".

A duplicidade de respostas oferecidas pelo representado acarreta o não conhecimento da defesa que foi oferecida por último, em razão da caracterização da preclusão consumativa, com o que não conheço a peça defensiva de fls. 38/70, permanecendo nos autos apenas para constar.


Da aplicação do CDC aos contratos bancários.

A aplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos praticados pelas instituições financeiras é perfeitamente possível.

O STJ editou a súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Não se há de negar a idéia segundo a qual o banco se enquadra perfeitamente na noção de fornecedor. E essa atividade financeira, por sinal, encontra plena tipificação no art. 3º, § 2º, do Código Consumerista, como autêntica prestação de serviços bancários e creditícios.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery registram:

"Contratos bancários. Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC. Não só os serviços bancários, expressamente previstos no CDC 3º § 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do Com 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio, e o comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do CDC 3º. Por ser comerciante, o banco é, sempre, fornecedor de produtos e serviços. O que pode ser discutido, eventualmente, é se determinado contrato bancário é ou não de consumo, ou seja, se o co-contratante é ou não consumidor. Esta é a discussão possível e jurídica acerca dos contratos bancários. A preocupação atual dos países ocidentais é dotar as leis de melhor proteção contra as atividades bancárias e creditícias. Acolhendo sugestão do Prof. Dr. Newton De Lucca, no Congresso Internacional de Direito do Consumidor (Brasília, Abril de 1994), o plenário aprovou conclusão unânime no sentido de que "os bancos e as atividades bancárias se encontram sob o regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor." (Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., ed. RT, 1997, São Paulo, pág. 1372, nota 12).

É sabido que as instituições financeiras comumente firmam contratos de massa, impondo a adesão de cláusulas que não raras vezes trazem no seu bojo encargos que tornam a dívida impagável.

Deixam de observar que "o novo regime dos contratos bancários de consumo impede que o elaborador unilateral dos contratos abuse de sua posição contratual e aproveite-se do desequilíbrio intrínseco e estrutural destas relações para impor cláusulas abusivas ou contrárias a leis imperativas vigentes" (Cláudia Lima Marques. Contratos bancários em tempos pós-modernos - primeiras reflexões. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 25, p. 30, jan./mar., 1998).

Tem proclamado o Superior Tribunal de Justiça:

"Por derradeiro, ressalte-se que nenhuma razão assiste ao banco recorrido ao afirmar que as operações bancárias realizadas com o público em geral não se subordina às normas do Código de Defesa do Consumidor. Segundo a jurisprudência, trata-se de atividade que se insere dentre as inúmeras relações de consumo reguladas pelo referido diploma legal." (Resp. 170.281-SC, rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 21.09.98).

Enfatizou o Ministro Rui Rosado de Aguiar Júnior:

"O recorrente, como instituição bancária, está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque ele seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem ser igualmente protegidos como qualquer outro, especialmente porque nas relações bancárias há difusa utilização de contrato de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário." (Resp. nº 57.974/RS).

Desconto em folha indevido.

É inegável a legalidade dos empréstimos consignados em folha de pagamento porque o tomador do empréstimo se beneficia de condições vantajosas, como juros reduzidos e prazos mais longos ao mesmo passo em que a satisfação do crédito encontra limites claros, em conformidade com a legislação específica (RESP 1.012.915 e 728.563).

Mas, a hipótese aqui é outra.

Trata-se, em verdade, de contrato de empréstimo pessoal com desconto direto em conta corrente de titularidade do autor e através da qual recebe seus vencimentos, considerando que o mesmo já possui um outro contrato que é de empréstimo consignado em folha de pagamento (contrato nº 136.374.193) cuja parcela mensal tem como valor a quantia de R$ 392,87 (trezentos e noventa e dois reais e oitenta e sete centavos).

O contrato de empréstimo consignado em folha de pagamento (contrato nº 136.374.193) por si só já atinge o limite razoável de desconto do salário, assim a celebração de um novo contrato (de empréstimo pessoal) não poderia prevê a possibilidade do banco-demandado debitar diretamente da conta corrente do autor os valores do empréstimo, pois assim coloca o autor-consumidor em uma condição fragilizada, a mercê do credor que ao seu talante passa a efetuar o desconto direto em conta corrente por meio da qual há recebimento de vencimentos.

Pode o consumidor aderente revisar a contratação para fins de afastamento dos excessos porventura apurados, sob pena de gerar desequilíbrio entre os contratantes (CDC - art. 6º, 39 e 51). A sustação de cláusula que autoriza o desconto de valores de empréstimo pessoal diretamente em conta corrente por meio da qual o consumidor recebe seus vencimentos somente é possível para viabilizar a subsistência do devedor, o que só ocorre quando os descontos venham a comprometer significativa parcela de seus rendimentos, fato verificável no presente caso.

O STJ vem proclamando:

"DIREITO BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTA-CORRENTE. PROVENTOS APOSENTADORIA. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO.
- Não se confunde o desconto em folha para pagamento de empréstimo garantido por margem salarial consignável, prática que encontra amparo em legislação específica, com a hipótese desses autos, onde houve desconto integral dos proventos de aposentadoria depositados em conta corrente, para a satisfação de mútuo comum.
- Os proventos advindos de aposentadoria privada de caráter complementar têm natureza remuneratória e se encontram expressamente abrangidos pela dicção do art. 649, IV, CPC, que assegura proteção a "vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal".
- Não é lícito ao banco reter os proventos devidos ao devedor, a título de aposentadoria privada complementar, para satisfazer seu crédito. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição privada autorizada a fazê-lo.
- Ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral. Precedentes.
Recurso Especial provido."
(REsp 1012915/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009).

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por Doracy Grisólia Vergani, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.
Ação: de indenização por danos material e moral, proposta por Doracy Grisólia Vergani, ora recorrente, em face de Bradesco S/A, ora recorrido. Alega a recorrente que firmou
com o recorrido contrato de previdência privada, cujos proventos eram depositados mensalmente em sua conta-corrente. Contudo, posteriormente utilizou crédito fornecido pela instituição financeira e esta, para viabilizar a respectiva cobrança, passou a promover descontos não autorizados dos proventos a ela devidos. Pleiteou indenização por danos material e moral em decorrência do ilícito.
Sentença: julgou improcedente o pedido inicial, sob o fundamento de que a recorrente autorizara, por cláusula contratual, "o BRADESCO a debitar em quaisquer contas de que seja titular, até quanto os fundos comportarem, todas as quantias devidas" em função do empréstimo tomado.
Acórdão: O Tribunal de origem negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PASSA A CREDITAR OS PROVENTOS DE APOSENTADORIA PRIVADA DA AUTORA EM CONTA DIVERSA - AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR - POSSIBILIDADE. CLÁUSULA AUTORIZATIVA 0 AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À CORRENTISTA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O crédito de importância relativa a provento de aposentadoria privada, em conta corrente diversa, a fim de amortizar um financiamento, não caracteriza ato ilícito do banco, cujo proceder encontra respaldo no exercício regular de direito contratual, tendo em vista cláusula expressa nesse sentido. 2. Em que pese o caráter alimentar dos proventos de aposentadoria - neste incluído também o plano de previdência privada - não restou comprovado nos autos que autora tenha se privado de recursos destinados à sua sobrevivência".
Embargos de declaração: opostos pela recorrente e rejeitados pelo Tribunal a quo.
Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. A autora, ora recorrente, alega violação aos arts. 535 I e II, 458, III, 515 e 649, IV, todos do CPC, além dos arts. 51, IV e §1º do CDC e 122 do CC/02.
Juízo Prévio de Admissibilidade: Apresentadas contra-razões, o Tribunal de origem deu seguimento ao recurso especial, determinando a remessa dos autos ao STJ. Negou-se
seguimento ao recurso extraordinário interposto.

VOTO
Cinge-se a controvérsia a definir se o recorrido, no intuito de satisfazer seu crédito, poderia ter efetuado desconto em conta corrente de titularidade do devedor, de forma a apropriar-se integralmente dos proventos de aposentadoria ali depositados.

I. Violação ao art. 535, CPC.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica em obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Dessa forma, correta a rejeição dos embargos de declaração e, por conseguinte,
deve se concluir pela ausência de ofensa ao artigo 535 do CPC.

II. Admissibilidade.
Inicialmente destaco que a recorrente, desde sua apelação, vinha advogando a aplicação do art. 649, IV, CPC, à controvérsia. Ainda que não tenha feito menção expressa a esse dispositivo legal, o Tribunal de origem discutiu abertamente a possibilidade de apropriação, extrajudicial, dos proventos da aposentadoria, tendo considerado tal prática lícita. Houve, portanto, prequestionamento implícito.
Por outro lado, não se trata aqui de rever fatos ou reexaminar provas, pois os fatos
essenciais ao julgamento foram bem delimitados pelo Tribunal de origem. O recurso especial limita-se, por isso, a questionar as conclusões jurídicas daí advindas, não estando sua admissão obstada pelas Súmulas 5 ou 7, STJ.
Isso é o quanto basta para a admissibilidade do recurso especial.

III. Violação ao art. 649, IV, CPC
No que diz respeito à controvérsia delineada nestes autos, o STJ vem diferenciando duas hipóteses de empréstimo e, a cada uma, vem dando tratamento diverso:

(i) Desconto em folha de pagamento.
Nos contratos de mútuo celebrados com cláusula de desconto em folha de pagamento, o tomador do empréstimo se beneficia de condições vantajosas, como juros reduzidos e prazos mais longos, ao mesmo passo em que a satisfação do crédito encontra limites
claros, em conformidade com a legislação específica. Nas palavras do Min. Aldir Passarinho Junior isto é possível porque "a consignação em folha é da própria essência do contrato celebrado. É a ele inerente, porque não representa, apenas, uma mera forma de
pagamento, mas a garantia do credor de que haverá o automático adimplemento obrigacional por parte do tomador do mútuo, permitindo a concessão de empréstimo com
menor margem de risco, o que, concretamente, também favorece o financiado, seja por dispensar outras garantias, como aval, seja por proporcionar, exatamente pela mesma segurança da avença, uma redução substancial na taxa de juros e prazos mais longos, tornando significativamente menos oneroso o financiamento" .

Daí concluir-se que "é válida a cláusula que autoriza o desconto, na folha de pagamento do empregado ou servidor, da prestação do empréstimo contratado, a qual não pode ser suprimida por vontade unilateral do devedor, eis que da essência da avença celebrada em condições de juros e prazo vantajosos para o mutuário" (REsp 728.563/RS, 2a Seção, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 22/08/2005).

(ii) Desconto em conta-corrente.
Para as outras formas de empréstimo, onde não se vê a comutação clara entre garantias e condições mais vantajosas de pagamento, o STJ entende que, em nosso ordenamento jurídico, nem mesmo ao Poder Judiciário é lícito penhorar salários, no processo de execução (CPC, Art. 649, IV). Se assim ocorre, não se há de permitir ao credor expropriar - sem discussão - o ordenado de seu mutuário logo que depositado em conta-corrente. A autorização contratual para que o credor se aproprie do salário pago ao devedor constitui evidente fraude ao Art. 649, IV, do CPC. Cabe ao banco obter o pagamento da dívida pelos meios ordinários.

Confira-se:

"RECURSO ESPECIAL. CONTA-CORRENTE. SALDO DEVEDOR. SALÁRIO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. - Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. - Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo" (REsp 831.774/RS, 3a Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29/10/2007).

"Não pode o banco se valer da apropriação de salário do cliente depositado em sua conta corrente, como forma de compensar-se da dívida deste em face de contrato de empréstimo inadimplido, eis que a remuneração, por ter caráter alimentar, é imune a constrições dessa espécie, ao teor do disposto no art. 649, IV, da lei adjetiva civil, por analogia corretamente aplicado à espécie pelo Tribunal a quo. III. Agravo improvido" (AGA 353.291/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19/11/2001).

A hipótese dos autos encontra-se entre aquelas que dizem respeito ao desconto automático dos proventos que o devedor recebe junto à conta corrente que mantém perante a instituição financeira credora.

Os proventos advindos de aposentadoria privada de caráter complementar têm natureza remuneratória e se encontram expressamente abrangidos pela dicção do art. 649, IV, CPC, que assegura proteção a "vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal".

Assim, aceitar a expropriação extrajudicial desses proventos, tal como propugnado pelo acórdão recorrido, significa dar ao credor direito sobre os meios de sobrevivência do devedor, os quais poderia, impunemente, retirar sempre que configurada a inadimplência.
Embora o devedor tenha conseguido sobreviver por quase dois anos sem os proventos de sua aposentadoria, esse fato não é, por si só, suficiente para tornar lícita a conduta do credor. Em primeiro lugar, porque a pretensão advinda da violação a direito assegurado por lei pode ser exercida até que advenha o prazo prescricional. Ademais, a demora pode-se explicar por muitos outros fatores, como a caridade de familiares e amigos. Por fim, o art. 649, IV, CPC, cria uma forte presunção em torno da massa salarial que só vem sendo afastada, muito excepcionalmente, por esta Corte naquelas hipóteses em que há robusta prova no sentido de que a remuneração presta-se apenas para acumulação de capital (vide, por exemplo, RMS 25.397/DF, 3a Turma, minha relatoria, DJe 03/11/2008), o que não é a hipótese dos autos.

Por isto, o acórdão recorrido está a merecer reforma, ante a violação ao art. 649, IV, CPC.

III. Danos morais.

Em situações análogas à presente, o STJ considerou que o devedor, ao ter seu salário irregularmente excutido, de forma extrajudicial, tão logo depositado em sua conta corrente, faz jus à reparação dos danos morais sofridos. A apropriação integral do salário coloca em xeque a sobrevivência do devedor e de seus familiares, sujeitando-os a condição indigna de vida.

Nesses precedentes o valor da compensação tem sido fixado em R$5.000,00. Confiram-se os seguintes precedentes: REsp 492.777/RS, 4a Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 01/09/2003; REsp 595.006/RS, 4a Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 18/09/2006, este último assim ementado:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DÍVIDA DE CORRENTISTA. RETENÇÃO INTEGRAL DE VENCIMENTOS. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido".

O reconhecimento da violação ao art. 649, IV, CPC, é suficiente ao provimento do especial, tornando desnecessária a análise das outras violações apontadas nas razões do recurso.

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para condenar o recorrido (i) a restituir ao recorrente os salários indevidamente descontados de sua conta-corrente, quantia essa acrescida de correção monetária e juros legais desde a citação; (ii) a compensar os danos morais causados ao recorrente, fixando-se estes em R$5.000,00 (cinco mil reais), valor esse a ser corrigido desde essa data e, ainda, acrescida de juros legais desde a data do primeiro desconto indevido; (iii) ao pagamento das despesas processuais e honorários de sucumbência, estes que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação.

E mais:

CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LICITUDE DA COBRANÇA. SÚMULA N. 294 DO STJ. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. SUPRESSÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE DE 30% DOS VENCIMENTOS.1. É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Bacen (Súmula n. 294 do STJ).2. Cláusula contratual que autoriza desconto em folha de pagamento de prestação de empréstimo contratado não pode ser suprimida por vontade unilateral do devedor, uma vez que é circunstância facilitadora para obtenção de crédito em condições de juros e prazos mais vantajosos para o mutuário; todavia, deve ser limitada a 30% dos vencimentos.3. Agravo regimental parcialmente provido. STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 959612 MG 2007/0133637-9, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 15/04/2010, DJe 03/05/2010.

Assim, considerando que os descontos oriundos do contrato de empréstimo pessoal comprometem de forma significativa os rendimentos do autor, declaro nula a cláusula nº 5 do contrato de nº 126.374.984.

Por fim, esclareço que não se está perdoando a dívida advinda do contrato de empréstimo pessoal, apenas reconhecendo ilegal a forma de cobrança na conta-corrente em que o devedor percebe seu vencimento, podendo o credor valer-se de outros modos para a cobrança.

DISPOSITIVO.


Ante o exposto, com base nos fundamentos supra mencionados, julgo procedentes os pedidos formulados na exordial, para:

1 - Declarar nula cláusula nº 5 do contrato de empréstimo pessoal de fls. 09/11;

2 - condenar o réu a restituir ao autor os salários indevidamente descontados de sua conta-corrente na quantia de R$ 4.458,39 (quatro mil e quatrocentos e cinqüenta e oito reais e trinta e nove centavos) acrescida de juros legais de 1% a.m. a partir da citação e correção monetária conforme tabela do TJPE a partir da data da ação.

3 - convalidar a decisão antecipatória de tutela, fixando multa diária de R$ 500,00 no caso de descumprimento da obrigação em suspender o desconto, em conta corrente do autor, de valores relacionados ao contrato de fls. 09 dos autos;

4 - condenar o suplicado nas despesas do processo e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da causa.



Após o trânsito dê-se baixa e arquive-se.

P. R. I.

Olinda, 14 de dezembro de 2010.


Cláudio Malta de Sá Barretto Sampaio
Juiz de Direito

O BRADESCO APELOU, MAS O TJPE MANTEVE A SENTENÇA DE 1º GRAU DANDO CAUSA GANHA AO SERVIDOR.


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0245529-6


REGISTRO / PUBLICAÇÃO NO DJ


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Des. Fernando Martins APELAÇÃO CÍVEL Nº 0245529-6 APELANTE: BANCO BRADESCO S/A APELADO: JADSON JOSÉ BARBOSA RELATOR : DES. FERNANDO MARTINS SEXTA CÂMARA CÍVEL EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - EMPRÉSTIMO PESSOAL - DESCONTO EM CONTA-SALÁRIO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDA - INADMISSIBILIDADE - NEGADO PROVIMENTO - DECISÃO UNÂNIME. O desconto diretamente feito em conta onde o devedor recebe salário é inadmissível, mesmo que previsto contratualmente. In casu há ainda um agravante, qual seja, o devedor já possui empréstimo consignado que compromete parte significativa do seu salário. Correta a decisão que tornou nula a cláusula contratual que permite tal desconto, há de ser mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível em epígrafe, em que são partes as acima indicadas; Acordam os Desembargadores que compõem a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade de votos em NEGAR PROVIMENTO AO APELO, à unanimidade, nos termos do voto do relator, em anexo, que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, de de 2011. Des. Fernando Martins RELATOR
FONTE: TJPE

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