Dois pesos diferentes
DIÁRIO DA MANHÃ
VLADIMIR POLÍZIO JÚNIOR
No final de janeiro de 2013, o tenente da Polícia Militar Capixaba Carlos Alberto da Silva Bragança foi autuado em flagrante ao efetuar disparos de arma de fogo em uma festa de casamento no município de Baixo Guandu. Recolhido o valor da fiança, foi posto em liberdade. Iniciada a investigação dos fatos por meio de inquérito policial para se apurar o porquê dos disparos, várias pessoas foram ouvidas, e a conclusão do delegado foi de que a atuação do policial não foi ilícita.
O Ministério Público, recebendo as informações da polícia civil de que não havia indícios de crime na conduta do tenente, pediu o arquivamento do caso. O juiz concordou, e o processo acabou em março.
Em 30 de novembro do ano passado, um defensor público foi acusado de extorquir o prefeito de Baixo Guandu. Na época, o mesmo Ministério Público que permitiu a instauração de inquérito para apurar os disparos de arma de fogo pelo policial militar impediu que a polícia civil efetuasse a minuciosa apuração dos fatos. Contra o defensor, fez imediatamente a denúncia, ainda que nenhuma prova ou testemunha houvesse para comprovar a conduta criminosa.
Interessante que, até o momento, já decorridos nove longos meses, nenhuma testemunha foi ouvida, nenhuma prova foi apresentada. Mais interessante ainda é que a defesa do defensor público pediu o afastamento dos dois promotores de justiça que atuavam no fato: contra um, alegou que era “amigo pessoal da suposta vítima” e que possuía divergências anteriores com o defensor justamente pela sua atuação profissional; contra o outro, que também havia animosidade desde a época em que o defensor teria atuado em favor de uma estagiária do Ministério Público contra as investidas sexuais desse promotor. Quando inquiridos sobre o pedido da defesa do defensor, os promotores disseram que nada era verdade, mas saíram do processo.
A defesa do defensor encaminhou cópias dos pedidos de afastamento dos promotores à corregedoria do Ministério Público do Espírito Santo e ao Conselho Nacional. Em qualquer país sério, essas informações seriam rigorosamente apuradas. Aqui, tenho dúvidas.
De qualquer forma, contra o defensor o processo segue. Ao passo de tartaruga manca, mas segue. Contra o policial militar, rapidamente foram ouvidas testemunhas, apurado o que realmente aconteceu. Daí a indignação de que, num Estado Democrático de Direito como se pretende hoje o Brasil, tenhamos de conviver com tamanhas violações aos direitos fundamentais. A pior injustiça é a justiça lenta, morosa, que mantém sobre alguém a dúvida sobre a retidão de sua conduta: afinal, se algum crime foi cometido, que venha uma sentença condenatória e uma pena a ser cumprida; do contrário, a simples existência de um processo se revela tão danosa ao espírito quanto uma condenação injusta.
Mas o problema é mais sério. O inquérito policial bem conduzido oferece condições para bem se antever o que realmente aconteceu. Sua dispensa deve acontecer apenas em situações excepcionais, nas quais existam elementos suficientes para a formação do opinio delicti do Ministério Público, que é o titular da ação penal desde 1988. Daí a imprescindibilidade de promotores de justiça isentos. O mau uso dessa titularidade, aliada à lentidão do Judiciário, torna-se verdadeira agressão ao direito.
(Vladimir Polízio Júnior, 42 anos, defensor público)
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