A questão alusiva ao título deste escrito foi anteriormene veiculada na coluna “Opinião” deste jornal, no momento em que notícias sobre esse assunto estavam agitando com a possibilidade de o município acertar junto à Polícia Militar o policiamento através de PMs, de serviços que a lei orgânica atribui ao município. Essa transferência de função teria lastro no instrumento jurídico de delegação, aperfeiçoado por convênio. A fórmula desse ajuste parece simples com dispensa de qualquer debate polemizando o assunto, afinal, o município de São Paulo tem lei sobre isso e a cópia desse sistema vem sendo empregada por algumas cidades do Interior. Das grandes, faltam algumas, dentre elas a nossa.
Esse assunto veio à baila apoiado em duas justificativas: a primeira nasce de uma situação fática e a outra assenta no direito. A primeira é defendida por oficiais da Polícia Militar na crença de que a duplicidade do trabalho de policiais não encontra obstáculo a empecer sua realização. O comandante do 4.º BPMI entende ser possível o PM obter a segunda fonte de trabalho e de ganho desde que não fique comprometida sua atividade principal junto à corporação. Exemplificou dizendo que o médico pode trabalhar em dois hospitais diversos sem que isso represente um “bico”. Já o comandante geral da PM justificou sua opinião na ajuda econômica recebida pelo policial ao desenvolver o duplo trabalho, resumindo: “é uma forma temporária de conseguir uma solução financeira imediata para o policial”.
Nenhuma das duas ideias credencia a delegação de competência ou de função pública do policial militar trabalhar em encargo municipal. No primeiro caso, se o médico trabalha por conta própria, sem vínculo com empregador, está livre para manter seu consultório em mais de um hospital particular como locatário da sala onde atende seus pacientes. Contudo, em se cuidando de médico pago pelo Estado, a Constituição da República lhe assegura a duplicidade de trabalho, desde que não acumule horários. E mais, em alguns casos a lei maior faculta o acúmulo de três cargos de médico.
A justificativa do comandante geral é uma rosca sem fim para toda categoria profissional que serve ao Estado, exceto os privilégios surgidos à sorrelfa de um povo inerte e conformado com os sucessivos descalabros. As prerrogativas formam uma elite distinguida por cálculo próprio e conveniente no aumento de seus subsídios, sem a preocupação que algo importante possa ser afetado com o rombo. A ganância está a serviço do bolso fundo sem perder de vista a remuneração dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal com os quais se igualaram no recente auto-aumento. Na primeira sessão da Câmara Federal, para compor presidência e mesa di-retora, um parlamentar defendeu lei para automaticamente equiparar seus subsídios aos dos ministros do STF quando eles forem majorados. Será a volta do velho “gatilho salarial” inventado por Sarney quando fez estrago na Presidência da República, chegando a disparar algumas vezes. A munição acabou antes do grave descompasso econômico entre o aumento mensal de remuneração e a dificuldade da classe produtora bancar uma conta incalculável a um governo sem controle.
Mas a situação de fato favorável ao trabalho da guarda municipal pelos policiais militares está no recrutamento de pessoal experiente e preparado para operar nessa espécie de serviço, além de enfrentar treinamento permanente. O município nada gastaria em infraestrutura para esse fim e a folha de pagamento seria reduzida em relação a que teria de pagar se tivesse pessoal próprio.
Essas vantagens, no entanto, não se comprazem com o direito. A função delegada não pode ser deslocada da Polícia Militar para o município, sabido que a transferência de função por meio de delegação se processa internamente, dentro da mesma entidade estatal, sendo vedada a transferência entre Estado e município. Nem mesmo dentro da mesma unidade federativa a delegação poderia ocorrer se a função é específica prestada órgão criado para isso. O policial sequer tem o direito de acumular outras atividades remuneradas a teor da lei complementar n.º 893/2001 que dele exige dedicação integral ao trabalho na Polícia Militar. O convênio que se prestaria a fazer essa transmissão é documento inadequado. Isso é tudo para que não se pratique algo irregular.
O autor, Alfredo Enéias Gonçalves d’Abril, professor universitário, aposentado
Fonte: JCNET http://www.jcnet.com.br/detalhe_opiniao.php?codigo=201153
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