As mortes dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) Anderson Barbosa da Paixão e Silva, em 20/05/2013, por parada cardiorrespiratória, ao realizar prova de corrida de 4 mil metros; Renan Mendonça Borges Gama, em 06/10/2011, por rabdomiólise; e Márcio Lapoente da Silveira, em 09/10/1990, por exaustão física, ambos realizando treinamento em campanha. Ao contrário do que se imagina, não foram fatalidades. Caso houvesse investigações e estatísticas fidedignas a esse respeito no Brasil, constatar-se-ia que há décadas ocorrem óbitos dessa natureza nas instituições militares nacionais, os quais igualmente também não foram fatalidades.
Apesar de o Exército Brasileiro (EB) possuir internacionalmente uma das mais avançadas doutrinas de Treinamento Físico Militar (TFM), a recorrência de tais óbitos no país pela prática do TFM, o qual é realizado no EB sob condições ideais, vitimando militares bem condicionados fisicamente e em perfeitas condições de saúde, revela-se no mínimo um paradoxo preocupante.
A verdadeira explicação para essas mortes está na reação fisiológica fulminante que certas atividades físicas intensas podem provocar no organismo. No caso do EB, além de atividades físicas específicas, os militares realizam três vezes ao ano o Teste de Avaliação Física (TAF), constituído de várias provas, sendo a corrida (12 minutos) obrigatória para todos. Porém, de todas as provas do TAF, a corrida é a única que mata.
Ressalta-se que essa corrida em níveis de intensidade elevados é fisiologicamente classificada como “teste de esforço máximo”, que conduz o sistema cardiopulmonar ao seu limite (VO2máx). Em termos de riscos à saúde, significa que isso pode levar o sistema cardiopulmonar ao colapso e matar. Não apenas pessoas sedentárias mas também as bem condicionadas a exemplo dos cadetes da Aman, e atletas; por parada cardiorrespiratória, infarto do miocárdio, rabdomiólise (falência dos órgãos pelo esforço físico extenuante), dentre outras patologias.
Todavia, a pergunta crucial é: a aplicação indiscriminada de testes de esforço máximo é imprescindível e o melhor método de avaliação do condicionamento físico militar? A resposta é não. Porque o emprego das Forças Armadas, notadamente da Força Terrestre, contrariamente, caracteriza-se por exigir principalmente desempenho em nível submáximo para as competências físicas necessárias para o combate. Somente em situações excepcionais as tropas especiais requerem condicionamento aeróbico em nível máximo. Registra-se que a fisiologia possui protocolos validados de testes submáximos, que podem subsidiar a avaliação do condicionamento físico militar — os quais, diferentemente dos critérios atualmente aplicados, não matam.
Agrava-se essa problemática pela epidemia mundial de obesidade que há muito contamina os quartéis do país. Portanto, não esqueçamos que instituições militares operacionais caracterizam-se pela excelência do condicionamento físico de seus integrantes, nas quais o TFM deve ser prioridade absoluta para a consecução desse mister. Contudo, ele deve ser realizado primordialmente para a manutenção preventiva da saúde. Nunca em seu prejuízo. Porque os riscos à saúde do TFM estão na imperícia, imprudência, negligência, desídia, ou inépcia dos seus responsáveis.
* André Soares, diretor-presidente de Inteligência Operacional e autor dos livros 'Operações de inteligência' e 'Aspectos do emprego das operações sigilosas no Estado democrático de direito', é tenente-coronel do Exército Brasileiro, formado pela Escola de Educação Física do Exército. -presidente@inteligenciaoperacional.com
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