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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PM de São Paulo homenageia golpe de 1964 em símbolo da corporação



O brasão de armas da Polícia Militar é composto por um escudo com 18 estrelas prateadas que representam 'marcos históricos da corporação'

Ricardo Galhardo 


A Polícia Militar de São Paulo ostenta desde 1981, quando o Brasil já caminhava para a redemocratização, uma homenagem ao golpe de 1964 que derrubou o presidente João Goulart e mergulhou o País em duas décadas de ditadura militar.
O brasão de armas da PM é composto por um escudo com 18 estrelas prateadas que representam “marcos históricos da corporação”. Segundo o site da PM, a 18ª estrela é uma homenagem à “revolução de março” de 1964, nome pelo qual simpatizantes da ditadura chamam até hoje o golpe que derrubou Goulart.
Foto: Agência Estado
Brasão da Polícia Militar de São Paulo presta homenagem ao golpe de 1964 e à repressão de manifestações populares
Conforme o deputado Adriano Diogo (PT-SP), presidente da Comissão da Verdadedo Estado de São Paulo, um dos objetivos da comissão é fazer a revisão dos nomes de espaços públicos batizados em homenagem a personagens ou acontecimentos ligados aos regimes autoritários. E o brasão da PM está na mira.
“Casos como o do brasão da PM fazem parte do escopo da comissão”, disse o deputado.
O brasão foi criado em 1958 pelo então governador Jânio Quadros. Na época o símbolo tinha apenas 16 estrelas. Em 1981, no governo de Paulo Maluf, um decreto incluiu outras duas estrelas em homenagem à 2ª Guerra Mundial e à “revolução” de 1964.
Além do golpe militar, as estrelas representam outros casos controversos nos quais a polícia reprimiu com violência manifestações populares. Alguns episódios foram registrados no site da PM por meio de eufemismos.
É o caso da Revolta da Chibata, nominada no site da PM como “revolta do marinheiro João Cândido”. Cândido, também conhecido como o “Almirante Negro”, liderou em 1910 o motim de dois mil homens da Marinha em protesto contra os baixos soldos, condições degradantes (eles recebiam alimentos estragados) e os castigos remanescentes da escravatura que deram nome à rebelião.
Foto: Reprodução
Site da PM de SP lista os 18 'marcos históricos' que fazem parte do brasão de armas
Os revoltosos tomaram embarcações de guerra e voltaram seus canhões contra o Rio de Janeiro, na época a capital federal. Acuado, o governo aceitou as reivindicações mas três dias depois rompeu o acordo, afastou amotinados, puniu os líderes e mandou Cândido e outros 17 homens para um calabouço na Ilha das Cabras, de onde só dois saíram vivos.
Segundo o major Hélio Tenório dos Santos, membro emérito da Academia Brasileira de História Militar, o papel da PM de São Paulo no episódio foi tomar o porto de Santos para impedir o possível desembarque dos amotinados no litoral paulista.
Outras estrelas celebram as guerras do Paraguai (1865 a 1870), e Canudos (1897), o episódio conhecido como “Os 18 do Forte de Copacabana”, as revoluções de 1924, 1930 e 1932, a repressão à Intentona Comunista em 1935 e o apoio ao golpe que instituiu o Estado Novo em 1937 --nominados como “movimentos extremistas”-- quando a PM atuou para evitar enfrentamentos entre comunistas e integralistas.
Greve dos operários de 1917
Um episódio especialmente polêmico que mereceu estrela no brasão da PM é a greve dos operários de 1917, considerada a primeira manifestação organizada da esquerda no Brasil e gênese do movimento sindical brasileiro.
Segundo a maioria dos historiadores a ação truculenta da polícia foi fundamental para que diversas manifestações isoladas de operários, na maioria anarquistas espanhóis e italianos, se transformassem na maior greve vista até então no Brasil.
Foto: Reprodução
Funeral de José Martinez%2C estopim da greve de 1917
O estopim da greve geral foi o assassinato do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos, pelas tropas estaduais. A morte de Martinez provocou a união dos trabalhadores descontentes e criou o clima propício para a greve que mobilizou mais de 70 mil trabalhadores, parou São Paulo, se espalhou para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e obrigou as autoridades municipais e estaduais a deixarem a cidade até o final do movimento por falta de garantias de segurança (da própria PM).
Fotos e relatos da época mostram a truculência da polícia contra os trabalhadores que pediam aumentos salariais, o fim da exploração da mão-de-obra infantil e feminina e o direito de organização sindical.
Segundo o major Hélio, o episódio foi registrado no brasão da PM devido a uma exceção. “É uma das passagens mais bonitas da história da PM”, disse o major.
Segundo ele, o então capitão Miguel Costa recebera ordens para dispersar um piquete. Ao chegar ao local ouviu um operário gritar: “Morra”!
“O capitão apeou do cavalo, foi falar com os manifestantes para saber o porque daquele ódio todo e foi recebido pelos líderes grevistas, que fizeram um relato das humilhações às quais eram submetidos nas fábricas”, disse o major.
Comovido com a situação dos trabalhadores, o capitão teria se dirigido ao dono da fábrica e o convencido a aceitar as reivindicações. “Foi a primeira intermediação entre grevistas e patrões no Brasil e foi feita por um policial”, disse o major.
Golpe x “revolução”
Ao justificar a homenagem ao golpe militar de 1964, ele usou uma versão contestada pela maioria absoluta dos estudiosos da época. “Havia escândalos de corrupção no governo Jango, o plano econômico fracassou e dois veio a radicalização com as reformas de base. O povo brasileiro revolveu dar um basta. A PM de São Paulo ficaria contra? Não”, disse o major Hélio.
Na verdade, as manifestações populares contra Goulart se resumiram a duas passeatas organizadas por mulheres católicas em São Paulo e Recife.
“A PM de São Paulo não tem nada a ver com política. Esse negócio de tortura não foi a polícia que fez. O DOI-Codi era responsável por isso”, justificou.
A reportagem do iG questionou: a polícia atuou com violência nas manifestações contra a ditadura, deu suporte às ações de repressão e vários homens do DOPS e da Operação Bandeirante eram egressos da PM.
O major respondeu: “não adianta julgar com os olhos de hoje fatos ocorridos 50 anos atrás. Para a época aquilo era aceitável. Era o homem da época. Além disso, muitos policiais militares foram mortos pelos esquerdistas. Este é o real motivo da estrela no brasão”.
De acordo com o major Hélio, o critério usado para as estrelas do brasão é a escolha de fatos de relevância estadual ou nacional nos quais a PM teve participação.
O deputado Diogo, presidente da Comissão da Verdade paulista, usou a ironia para dizer que a PM continua usando a truculência contra movimentos populares até hoje, passados 49 anos do golpe militar que derrubou Goulart.
“Vamos propor que o brasão da PM tenha uma 19ª estrela, em homenagem ao Pinheirinho” , disse o deputado petista, em referência ao episódio em que dois mil policiais expulsaram com violência as 1.600 famílias que ocupavam um terreno em São José dos Campos, um ano atrás.

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