Provavelmente nunca se falou tanto em desmilitarização das polícias no Brasil. A recente onda de protestos populares, e a dificuldade com que as polícias militares lidaram com o povo nas ruas sem lideranças constituídas inclui nestes mesmos protestos as polícias como foco de questionamento – mesmo porque, em alguns casos, a atuação policial equivocada foi o que intensificou a sanha popular de ir às ruas por mudanças.
Mas, afinal, o que se quer dizer quando gritam pela desmilitarização? O que, especificamente, significa “desmilitarizar”? Será que todos nós defendemos ou contrariamos a iniciativa com a devida ponderação e certeza sobre o que se está tratando? Particularmente, tenho uma noção do que seria uma “desmilitarização” adequada das polícias brasileiras. Seguem minhas propostas:
Desvinculação das Forças Armadas
Estamos cansados de saber que a função das Forças Armadas, especificamente a do Exército Brasileiro, é distinta da função das polícias militares. Com toda a relevância que possui o serviço de Defesa Nacional, ele se distingue significativamente da natureza do serviço policial. Enquanto o Exército se dedica à proteção da Soberania Nacional contra um inimigo externo, sendo-lhe lícito matar o que seja considerado um inimigo, as polícias militares lidam com cidadãos, violadores de normas ou não, que possuem direitos mesmo estando na pior condição de condenação criminal.
As normas, a cultura e os entendimentos do Exército foram feitas para o Exército. Eventualmente, estes quesitos são similares ao que vivem as polícias, mas é perigoso se confundir com as aparências e entender que o alinhamento entre as duas realidades geram distorções significativas. Até mesmo o General que comandou as forças de ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, admitiu que lidar com o homem na PM é diferente do que se pode fazer no EB:
Formação democrática e cidadã
É preciso que a formação policial possua diretrizes claras, definidas, voltadas para o preparo técnico, para o respeito à lei, para o respeito à cidadania em sua plenitude. Os alunos policiais precisam ser respeitados e precisam entender seu papel desde as escolas de formação. Devem tornar-seexperts em relacionamento e comunicação, superando o simplismo da ordem pela ordem e atingindo toda a complexidade necessária para alcançar o convencimento do outro.
A formação deve deixar claro, balizada pelas leis e pelos princípios e garantias fundamentais, quando o policial pode atirar e quando não pode. Quando pode conduzir e quando não pode. Quando pode aplicar a força e quando não pode. Mais: é preciso que os formadores de policiais acreditem e afirmem esses limites, ou o dito e lido não terá efeito. Por fim, parece necessário que a formação policial se aproxime do povo, pois é para o povo que ela existe.
Concessão de Direitos Civis a policiais
É bom esquecer qualquer proposta de polícia democrática que não inclua a liberdade de expressão para policiais, seu direito de manifestação trabalhista e o direito à liberdade no mesmo nível dos outros cidadãos. Ou seja, em pleno século XXI é inconcebível que os policiais sejam presos por chegarem atrasados ao trabalho, e outras questões menores (mesmo que observáveis).
A rigidez regulamentar das Forças Armadas (que atua em épocas e missões bem específicas) aplicada às PMs levam estas ao rigor excessivo ou à ilegalidade, por não terem “coragem” institucional de aplicar normas aparentemente absurdas à realidade policial-militar.
Controle externo efetivo
Policiais são manipuladores do legítimo direito do Estado de usar a força em favor da sociedade. Não é uma missão simples, por isso precisa ser fiscalizada com atenção e cuidado. Outros órgãos legalmente constituído devem exercer controle formal sobre as polícias, fiscalizando continuamente suas ações. A polícia também precisa criar cada vez mais mecanismos de controle informal, para que a população colabore apontando abusos e desvios (a mídia ajudaria muito se deixasse de privilegiar de modo positivo ações repressivas abusivas e incitações à ação policial violenta).
Valorização dos policiais
Pelo mesmo motivo apontado acima – por não ser uma simples missão – é preciso que os policiais sejam valorizados pelo que fazem. Salário digno, condições de trabalho (salubridade, equipamento, transporte) e compensações à exposição de suas vidas para cumprir uma função pública.
Redução de cargos comissionados
Outro ponto que geralmente se atribui a uma polícia “militar”: a condição de uma corporação que se anula ao contexto social e age somente causada por interesses particulares, principalmente do poder político de ocasião. Ora, por que não considerar que desmilitarizar é também dar independência técnica a quem faz polícia? Será que o excesso não é interesse de certos grupos de poder que, de modo bem claro, possuem meios de tomar privilégios de quem pode determinar a ação policial?
Parece que o excesso de cargos comissionados (de “confiança”, com livre nomeação) nas polícias garante que, em sua maioria, partidários dos governos estejam dando ordens, e que a atuação da polícia, portanto, seja pautada exclusivamente por elementos politiqueiros.
Dos elementos acima conclui-se que há polícias “militares” não só entre as polícias militares. Polícias civis, guardas municipais e outras instituições também estão “militarizadas” em certos aspectos. Também é bom atentar que a deferência aos símbolos nacionais, a utilização de fardas e aspectos estéticos historicamente ensinados pelo militarismo e copiados por toda empresa de sucesso são positivos – até os escoteiros sabem aproveitar o valor destes quesitos para a formação dos indivíduos.
Mexer nestes elemento é simples, fácil? Nem um pouco. O cartaz levantado nas ruas é bem mais pesado do que se imagina.
[Este post é ilustrado com cartazes e imagens dos últimos protestos no Brasil]
Fonte: Abordagem Policial
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