Para especialistas, fim da PM não garantiria menos violência
Rachel Duarte
A recomendação do relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, divulgado nesta quarta-feira (30), pedindo o fim das polícias militares no Brasil foi considerada superficial por especialistas e profissionais da segurança pública brasileira. A sugestão foi dada pela Dinamarca, cobrando a redução nas execuções feitas pelo Estado brasileiro. Porém, entendidos na área consideram que esta medida não resolveria o problema da prática policial que reflete altos índices de letalidade, corrupção e violação dos direitos humanos no Brasil.
O relatório da ONU ressalta que o Brasil precisa garantir que todos os crimes cometidos por agentes da lei sejam investigados de maneira independente, a fim de combater a impunidade dos crimes que calam juízes e ativistas de direitos humanos. Neste aspecto, o secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, concorda com a entidade internacional. “Sou contra a Justiça Militar, mas não defendo o fim de toda a instituição. O que tem que acabar, para evitar a impunidade dos casos de violação dos direitos humanos cometidos por alguns policiais, é a Justiça Militar. Porém, defender o fim da Polícia Militar empobrece o debate da segurança e isenta as responsabilidades do Ministério Público e da Polícia Civil”, acredita.
Conforme Lima, não é cabível alimentar o debate sobre o modelo ideal de segurança no Brasil com foco apenas na extinção da polícia fardada. “É uma leitura superficial do problema. Precisamos pensar uma reforma do modelo de segurança. Precisamos discutir o que o Brasil precisa partindo da reflexão sobre como organizar o tipo de polícia que queremos. Temos ruídos entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, mas o problema não está em apenas uma das instituições”, exemplifica.
Consultor gaúcho em Segurança Pública e Direitos Humanos, Marcos Rolim também concorda com a necessidade de uma reforma da segurança pública, sem o fim da Polícia Militar, como solução para os problemas do Brasil. “Polícia militar existe na Espanha, na Alemanha, no Chile. O desafio é reformar a polícia brasileira, que tem o ciclo dividido. Aqui é o único lugar do mundo em que se divide patrulhamento e investigação em duas polícias. É um modelo esquizofrênico o adotado no Brasil, em que a Polícia Militar faz metade do trabalho e a Polícia Civil faz a outra”, defende.
Por outro lado, o desafio da reforma das polícias no Brasil, apesar de estar evidente aos olhos dos gestores e políticos, não está sendo enfrentado, defende Rolim. “É necessário alterar a Constituição Federal. O tema está posto em debate há tempo e é decisivo para mudarmos o modelo da segurança”, fala.
“Recomendação da ONU parte do horror com a letalidade”, diz Rolim
Os flagrantes e denúncias de casos de abuso da força policial no Brasil estão cada vez mais expostos. Porém, as formas de enfrentar o problema estão associadas a uma mudança estrutural mais profunda, acredita o sociólogo Renato Sérgio de Lima. “São práticas abomináveis, mas não podemos culpabilizar uma única instituição. Devemos ter uma reforma mais substantiva para mudar esta realidade, que envolva a redução da letalidade, a eficiência nas investigações, a corrupção policial e garanta a preservação dos direitos. Temos que acabar com os abusos combatendo a fragilidade do sistema de segurança como um todo”, explica.
O gaúcho Marcos Rolim acredita que as truculências policiais e os índices de pessoas mortas pelos homens de farda no Brasil repercutem internacionalmente devido ao contraste no modelo de segurança brasileiro em relação às outras nações. “As democracias mais consolidadas no mundo têm um padrão muito mais civilizado e o tratamento da polícia brasileira acaba causando espanto. A letalidade policial é grande no Brasil. A recomendação da ONU parte deste horror com a letalidade”, afirma.
De acordo com Rolim, no Rio Grande do Sul o maior problema são os abusos da força e de autoridade pela Brigada Militar. “O quadro se agravou no último período e sem uma resposta eficiente do Estado”, critica. Ele acredita que a atuação no policiamento ostensivo torna a Polícia Militar mais exposta a situações em que podem ocorrer abusos. “É uma polícia maior e que aborda pessoas todos os dias na rua. Mas a ideia de que a Polícia Civil é mais eficiente ou democrática nem sempre é verdadeira. Há relatos de torturas nas investigações da Polícia Civil. O abuso não tem a ver com o tipo da polícia e sim com a forma com que as instituições se organizam e fazem o trabalho”, defende.
“Temos que aprender a ser mais humanos e não a bater continência”, diz policial militar
O presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (ABAMF), que representa os soldados da Brigada Militar gaúcha, Leonel Lucas sustenta que a formação dos policiais militares no Brasil é defasada e reproduz uma metodologia conservadora. “Temos que mudar nossa metodologia, não acabar com a instituição. Quem fará o trabalho que fazemos? Se acabar com a Polícia Militar, outros agentes de segurança serão ensinados na mesma metodologia. Eu acredito que é melhor incorporar as sugestões da ONU na nossa prática”, diz. E complementa: “Nossos ensinamentos são ultrapassados. A função da polícia é lidar com pessoas, abordar pessoas. Para fazer isso temos que investir no ensino dos policiais e nas instruções para respeitar os direitos humanos e não passar o dia marchando, batendo continência e limpando os coturnos”, acusa.
Segundo o policial militar, o incentivo à formação e a reformulação das academias de polícia seria, ao invés do fim, um bom recomeço para as instituições militares. “Temos que receber incentivo ao estudo. Fazer o terceiro grau. Os cursos de sargento no Rio Grande do Sul tem práticas de serviços gerais, como abrir buracos, carregar madeira e fazer faxina. O que isso vai auxiliar para prestarmos um bom serviço para a comunidade?”, indaga.
Já o presidente da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar, Aparício Costa Santellano acredita que os casos de abuso são isolados e não uma prática comum da corporação. “Não podemos generalizar e achar que isso é a metodologia ensinada. Não é rotina e não compactuamos com atuação de servidores neste sentido”, argumenta. Ele acredita que para melhorar a segurança pública no Brasil o necessário é aumentar os investimentos dos governos na área. “Não se faz segurança pública sem grandes investimentos. É caro. A sociedade tem que ter esta compreensão e cobrar para que isso aconteça”, salientou.
Fonte: sul21
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