SÃO PAULO
Tiros de balas de borracha disparados sem ordem de superiores e bombas de gás lacrimogêneo lançadas dentro de uma estação de metrô. Foi assim que a Polícia Militar (PM) de São Paulo reagiu para dispersar dois protestos contra a tarifa dos transportes em janeiro.
Para o ouvidor das polícias do Estado de São Paulo, o advogado Julio Cesar Fernandes Neves, esses são “fatos que poderiam ter sido evitados”. Segundo ele, é clara a “postura abusiva” da PM no controle de manifestações, e a Ouvidoria tem exigido mais “paciência” dos policiais.
“A Polícia Militar tinha que ter controle emocional”, disse Neves. “Esses fatos poderiam ter sido evitados, e é isso que a gente denuncia, para que haja certa tolerância por parte do comando. Existem pessoas que, em determinados momentos, podem querer abusar para que haja uma situação de descontrole”, continuou o ouvidor.
No último dia 27, após um protesto contra a tarifa organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), um pequeno grupo de manifestantes causou tumulto na estação Faria Lima do metrô ao tentar pular as catracas. Policiais impediram o “catracaço” e, depois de quase uma hora de tensão, a PM dispersou o grupo lançando bombas de gás lacrimogêneo dentro da estação - que estava lotada. A PM alega que foi atacada com pedras e que “empregou os meios necessários para restabelecer a ordem no interior da estação”. Em protesto anterior, no dia 23, um vídeo divulgado pela TVEstadão mostra o momento em que PMs disparam balas de borracha contra manifestantes e, na sequência, um oficial questiona a ação. “Quem mandou atirar?”, pergunta ele.
Embora afirme que a polícia precisa de “controle emocional”, o ouvidor ressalta que nada é feito sem que haja uma ordem. “Isso precisa ficar claro. (O caso do metrô) não foi descontrole de um policial, mas sim uma ordem da polícia”, disse. “E o que a gente exige é uma postura mais sóbria da Polícia Militar”, continua. Como exemplo de “tragédia” ele cita o protesto contra a Copa do Mundo do dia 25 de janeiro do ano passado, quando o jovem Fabricio Chaves foi atingido por disparos de arma de fogo de PMs e perdeu um testículo.
O trabalho da Ouvidoria é monitorar a ação das polícias para identificar eventuais abusos. No caso específico das manifestações, o órgão deslocou servidores para acompanhar in loco os protestos. Um deles é o assessor jurídico e ouvidor substituto Walter Forster Junior, que afirma já ter ido a 17 protestos por transporte e moradia em 12 meses. Segundo a Ouvidoria, a função dele é “observar a atividade policial, facilitar a interlocução entre os presentes e buscar coibir e denunciar ações violentas, bem como excessos cometidos por agentes policiais”. Como a Ouvidoria não tem poder de investigação, os abusos identificados são relatados aos órgãos competentes: Corregedoria das polícias Civil e Militar e, em casos mais graves, diretamente ao Ministério Público.
Nesta sexta-feira, o MPL realiza o “7º Grande Ato Contra a Tarifa”, com concentração a partir das 17h em frente à Prefeitura de São Paulo, no viaduto do Chá (centro). Uma “grande preocupação” da Ouvidoria, diz Neves, é a não criminalização dos movimentos sociais. “Estamos em uma democracia, e muita gente esquece que a manifestação faz parte do direito constitucional. A cultura antiga, que envolve até as corporações, é um resquício da ditadura militar”, diz o ouvidor.
Abusos
O uso de bombas de gás lacrimogêneo em locais fechados e sem rota de fuga contraria o Manual de Controle de Distúrbios Civis, da própria Polícia Militar, pois contribui para situações de pânico.
“Altas concentrações (de agentes químicos) causam temporariamente cegueira e outros transtornos, como pânico”, diz o texto. “O conhecimento prévio do local do distúrbio é de suma importância para permitir o deslocamento e a aproximação da tropa por vias de acesso adequadas, de modo a assegurar vias de fuga aos manifestantes. Quanto mais caminhos de dispersão forem dados à multidão, mais rapidamente ela se dispersará”, diz outro trecho do manual.
As bombas foram lançadas pela PM próximo às catracas do metrô. Para sair da estação, manifestantes e passageiros tiveram que pegar pelo menos duas escadas rolantes extensas. Com a fumaça e a sensação de ardência provocada pelo gás, usuários do metrô pensaram que havia um incêndio na estação. Houve pânico, e muita gente passou mal.
O manual de distúrbios foi disponibilizado na internet pelo advogado criminalista Aryldo de Oliveira de Paula, que é ex-PM da Rota e da Força Tática. Depois de 13 anos, ele diz que deixou a corporação por “descontentamento”. “Há oficiais despreparados para comandar a tropa, e a sociedade não reconhece o trabalho dos policiais”, disse.
Bala de borracha
Em abril do ano passado, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ingressou com uma ação civil pública pedindo que a Justiça obrigue a PM a seguir um protocolo de uso da força em manifestações. No documento, a defensoria pede, por exemplo, que os PMs tenham identificação nominal na lapela e numérica no capacete e sejam proibidos de usar balas de borracha. Um liminar chegou a proibir o uso da munição, mas um recurso da Secretaria da Segurança Pública suspendeu a decisão.
No final do ano passado, a Assembleia Legislativa de São Paulo decidiu pela proibição da borracha, mas o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou o projeto. Na ocasião, Alckmin argumentou que a PM tinha "protocolos de segurança" a seguir.
Para o advogado Rafael Lessa, da Defensoria, "as normas existem, mas não são cumpridas". "Por isso existe a necessidade de o governo do Estado ter uma plano de atuação, para que as normas sejam cumpridas e esses protocolos sejam melhorados", disse. "No caso da bala de borracha, claro que o uso é indiscriminado. (No vídeo da TVEstadão) o policial pergunta 'quem mandou atirar?'. Então a gente percebe que nem ali, eu uma situação micro, existe controle, que dirá nas situações em geral
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