Informação policial e Bombeiro Militar

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Militar na fronteira tem comida dosada e luz cronometrada


Pelotões criam porcos para comer caso mantimentos demorem a chegar

A vida em um destacamento militar nas fronteiras do país não é fácil: horas de luz são cronometradas, e a comida é racionada quando o avião que leva mantimentos uma vez por mês não pousa no dia marcado. Apesar do adicional de 20% sobre o soldo base, quem aceita trabalhar nessas regiões enfrenta dificuldades de transporte e de comunicação, tendo que suportar a incômoda distância da “civilização” e dos familiares.

Ao contrário dos soldados que se alistam para uma missão de paz, como no caso do Haiti, onde o Brasil construiu uma base com academia, ar-condicionado e rede de internet sem fio, os pelotões de fronteira são carentes de infraestrutura básica, como redes de esgoto, água e energia. Carros e barcos usados no dia a dia estão defasados. Os militares criam porcos para comer em caso de necessidade.

“A maior dificuldade aqui é termos apenas nove horas de energia. O material que precisamos é trazido uma vez por mês, em avião da FAB. Sabemos quando deve vir porque nos perguntam, uma semana antes, o que precisamos. Daí ficamos esperando. Não tem data prevista. Um vez o avião atrasou dois meses e tivemos que fazer racionamento”, conta o tenente Renzo Silva, de 23 anos, subcomandante do Pelotão Especial de Fronteira (PEF) de Bomfim - na fronteira de Roraima com a Guiana -, que comandou, por um ano, o PEF na unidade indígena de Auaris - na divisa de Roraima com a Venezuela.

A oferta de luz depende da quantidade de combustível disponível para o gerador. Normalmente, são duas horas pela manhã (das 9h30 às 11h30), duas horas e meia à tarde (das 13h30 às 16h) e mais quatro horas e meia à noite (18h30 às 23h).

”Quem tem insônia tem que ficar deitado na cama, esperando o tempo passar”, diz Renzo Silva.

Quando o G1 visitou o PEF de Bomfim, em maio, a mulher do comandante da unidade havia sido picada na noite anterior por um escorpião e teve de ser levada para a capital Boa Vista. O militar teve de deixar o posto para acompanhá-la.

“Aqui tem animal peçonhento, cobra, escorpião. Meu maior medo é que minha filha de 10 meses coloque algo na boca. Não há acesso fácil a uma unidade de emergência”, diz a sargento Aline Marriette, de 29 anos.

Ela e o marido, o sargento paraquedista Pedro Rogério Martins Rosa, viviam em Nova Iguaçu (RJ) e trabalhavam em quarteis da capital fluminense até que decidiram, em janeiro de 2012, pedir transferência para a fronteira.

“Viemos para conhecer uma outra realidade do nosso Brasil. O Exército nos dá a oportunidade de conhecer cada pedacinho do país. A família sente saudades, mas aqui, pelo menos, não tem a violência que tínhamos no Rio. É uma vida mais sossegada”, diz Aline. “A babá que veio comigo do Rio enlouqueceu em um mês. Não quis ficar mais aqui e voltou”, relembra.

O maior problema para a atuação nas fronteiras é a ausência do Estado. São mais de 17 mil quilômetros de divisas, com 10 países, que são fluxo de criminalidade, com tráfico de drogas, armas, contrabando. Para vigiar as fronteiras, o Exército pretende implantar, até 2024, o Sistema Nacional de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que promete ver tudo o que ocorre nessas regiões e que começará a ser implantado ainda em 2012, em Mato Grosso do Sul.

Na fronteira da Amazônia, o Exército conta, atualmente, com 21 pelotões - bases avançadas para a vigilância das divisas do país. Segundo o general Eduardo Villas-Boas, comandante militar na região, a construção de cada unidade custa mais de R$ 20 milhões. Há um projeto para inaugurar outras 28 até 2030.

Cada unidade abriga entre 20 e 60 soldados, que seguem uma rotina baseada no triângulo “vida, trabalho e combate” - uma espécie de mantra para o militar não “enlouquecer” na selva.

“O Exército tem poder de polícia numa faixa de 150 quilômetros da fronteira para dentro do país. Se não é a gente aqui, passa contrabando, drogas, armas. Destroem nossas matas, nossa floresta. Nós vivemos e morremos por essa mata”, diz o cabo Samuel Nogueira.

Em Cleverlândia do Norte, em um destacamento militar no Oiapoque, fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, o soldado Fernando Ferreira, de 18 anos, recruta e com apenas 3 meses de treinamento, é o sentinela. “Tem alguém tentando invadir o Brasil?”, pergunta um oficial. “Não senhor!”, responde ele.

“Se alguma embarcação ou aeronave entrar no nosso território, eu tento o contato para mandar parar. Se não responder, eu posso atirar. Estou defendendo meu país”, afirma Fernando Ferreira. O trânsito no Oipoque é intenso por causa de garimpos no Rio Sequri, em território francês, que atraíram mais de 20 mil brasileiros. Também há relatos de tráfico de mulheres e crianças entre os dois países.

Na região, as operações para reprimir garimpos e desmatamento são intensas. Para levar comida, remédios e utensílios às tropas que passam dias em mata fechada, o soldado Edvin Benaiu, de 22 anos, foi treinado para pilotar as lanchas e barcos diante das piores adversidades. “Para chegar nos postos de Grand Rochele e Salto do Caxiri, onde alguns dos nossos militares ficam, tem que enfrentar o rio Oiapoque com correnteza e encachoeirado. Para não encalhar, tem que tirar tudo do barco, colocar nas costas, transpor as pedras, e seguir rio acima. É uma aventura”, conta.

O barco a motor leva quatro mil quilos de mantimento e demora até seis dias para chegar nas unidades. Por causa das corredeiras ou quando o rio está cheio, em alguns pontos só é possível navegar com "ubás", barcos indígenas que usam um tronco de madeira único. Embarcações de alumínio não resistem ao choque com as pedras e acabam danificadas.

“Na Amazônia, a logística é feita de barco para os pelotões de fronteira ou, em grandes quantidades, de avião, onde não tem como chegar via fluvial”, diz o general Villas-Boas.

O Batalhão de Aviação do Exército, sediado em Manaus, conta com apenas 12 helicópteros para atender as tropas de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Os veículos são usados apenas para operações. “Não podemos fazer logística com helicóptero, levar mantimentos. O custo é muito caro. Para isso, usamos embarcações”, afirma o general Villas-Boas.

A previsão é de que oito novos helicópteros estejam disponíveis até o fim de 2012. Na Amazônia, a hora de voo de um helicóptero varia entre R$ 11.588,70 (Cougar) e R$ 14.183,65 (Black Hawk). Já a hora de voo de um avião cargueiro como o Hércules, capaz de levar até 18 toneladas de mantimentos para os pelotões de fronteira, custa US$ 7.800 (cerca de R$ 15.800), incluindo manutenção, gasolina e pagamento de pessoal.

Região de disputas
Na fronteira do Pará com a Guiana Francesa e o Suriname, em área de difícil acesso disputada por garimpeiros, o PEF de Tiriós é a única base em mais de 1.300 quilômetros.

A região, vista como um ponto cego pelos militares, preocupa o comando da Amazônia que, em maio, mandou que homens especializados desbravassem a região. Foi a primeira vez que o Exército pisou na tríplice fronteira, inexplorada até então pelos órgãos públicos, segundo o general Villas-Boas.

No PEF do Brasil, a 12 km do Suriname, não há como chegar por estradas nem por rio. A base começou a ser usada pelos militares em 2003, mas a pista de pouso, que permite que os militares recebam mantimentos, só foi construída em 2010.

Ao contrário dos outros PEF, onde os militares passam um ano e moram com as famílias, a falta de infraestrutura faz com que o remanejamento dos soldados seja feito a cada 60 dias. “Uma vez tentamos vir pelo rio Paradoeste, a partir de Belém. Levou 42 dias e perdemos várias embarcações. As hélices das voadeiras batem nas pedras e acabam danificadas”, relembra o tenente Helder Reinaldo, de 23 anos, comandante do pelotão.

O efetivo ideal da unidade seria de 40 homens, mas sempre está defasado (chegou a ter apenas 17). A extensão da área significa que, se fossem espalhados, cada um dos 35 militares seria responsável pela cobertura de 39,5 quilômetros quadrados de fronteira.

Em maio, quando o vice-presidente, Michel Temer, visitou a unidade, o general Carlos Roberto de Sousa Peixoto aproveitou para pedir socorro. “Chega a ter quatro horas de luz por dia aqui e eu não consigo mandar um gerador mais potente, porque não vem avião com peso sobrando”, desabafou.

Já a tenente médica Iara Simão teve de aprender a atirar e anda sempre acompanhada de seguranças quando atende militares e indígenas na mata. A jovem de 29 anos morava com o marido, agente da Polícia Federal, no Rio de Janeiro. Eles foram transferidos para o Oiapoque no início de 2012.

“Às vezes os militares tem de ser retirados da selva para a base com doenças graves, como leishmaniose, malária, picadas de animais ou outras complicações. O trajeto de barco até nossa base pode demorar até seis horas. A gente faz de tudo para salvá-los. Aqui, o papai do céu ajuda muito. Sempre dá um jeito”, diz Iara.

“Eu e meu marido decidimos vir para cá buscando uma experiência nova, mas não é fácil abrir mão da família, da nossa casa, de restaurantes bons. Aqui, a gente precisa do básico para sobrevier”, acrescenta a oficial.

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