Batalhão de Grandes Eventos troca comando, mas problemas persistem
Policial admite que não está preparado para a "missão" anunciada pelo governo para a Copa
Uma semana depois da Polícia Militar do Rio de Janeiro anunciar a troca de comando no Batalhão de Policiamento de Grandes Eventos (BPGE), policiais usam as redes sociais para reclamar da mudança e exaltar o trabalho do ex-Comandante, o tenente-coronel Wagner Villares de Oliveira, que abandonou o cargo a poucos dias da Copa do Mundo e foi substituído por seu subcomandante, o tenente-coronel Heitor Henrique Pereira. Policiais da tropa, que pediram para não revelar as suas identidades, disseram essa semana que Villares defendia os PMs e muitas vezes enfrentou a cúpula da corporação buscando melhores condições de trabalho, enquanto o novo comandante sempre foi conhecido no batalhão como "carrasco".
"A tropa esta insatisfeita, pois atuamos com equipamentos pesados, quentes, não estamos aguentando mais a carga de trabalho dia sim, dia não. Chegamos a ficar em pé por até 10 horas, com um peso acima do tradicional, caminhamos em manifestações até 10 km.", desafaba um dos policiais ao Jornal do Brasil. Um PM, que tem 9 anos na corporação, contou que os policiais estão trabalhando de forma excessiva até nos fins de semana, mesmo quando não há manifestações na cidade. "Estamos sendo vendidos. O coronel Heitor vende o policiamento para os P3 de outros BPM, coloca os seus policiais patrulhando em frente a shopping, centro comercial. Se somos de Grandes Eventos, teríamos que ser usados em eventos como futebol, de praia, shows, manifestações", observa o policial.
O BPGE foi criado em janeiro deste ano pelo governo do estado para atuar em multidões, seja em manifestações populares, jogos de futebol ou em qualquer outro evento esportivo ou cultural. O batalhão tem 600 policiais militares. De acordo com esse mesmos policial, cada equipe de plantão é formada por 20 PMs.
Segundo ele, o governo concedeu uma gratificação de R$ 800,00 à tropa no mês de junho. No entanto, o valor não compensa as horas extras trabalhadas em péssimas condições e as muitas horas distante da família. A média salarial, de acordo com o policial, é de R$ 2 mil para soldado e R$ 3 mil para cabo. O PM destaca que o problema fundamental está nas condições de trabalho e enumera as deficiências no batalhão: "em fevereiro, o ônibus que transportava a tropa estava sem ventilação e com o vidro da frente quebrado, a água do nosso bebedouro não é própria para consumo, não há cama para todos, apenas para aquele que moram no interior do estado. O batalhão recebeu 30 camas novinhas, mas somos 200 homens, dormimos no chão e amontoados", conta o policial do BPGE.
Além da falta de estrutura, o PM relata uma rotina de intimidação para manter dentro dos limites do batalhão as reclamações da tropa. "Uma PM fem, a Cabo Flávia Louzada, foi transferida do batalhão, porque desconfiaram que ela estava fazendo motim para desestabilizar o comando, mas não era nada disso, ela só abraçava a causa justa e o sofrimento dos PMs", disse ele. O Boletim Disciplinar Interno da PM do dia 29 de maio de 2014 informa a transferência de uma PM do BPGE, Flávia Alves Pedra Louzada, para o 17o. BPM (Ilha do Governador).
Com relação ao novo comandante do batalhão, o PM contou que a tropa não aprovou a mudança e acredita que a situação deles pode ficar ainda pior. "Esse atual [comandante tenente-coronel Heitor Henrique Pereira] todos estão insatisfeito. Ele tem o dom da palavra e na tropa 70% é de PMs novatos, que aceitam tudo. E inexperientes. Já piorou, todo fim de semana estamos escalados, sem acontecer nada no Rio de Janeiro, ficamos jogados", contou o PM, dando exemplo do seu último plantão, que ele "pegou" às 10h e ficou em pé até às 23h em um patrulhamento. De acordo com o regulamento da PM, o policial em serviço teria que cumprir 8h, em patrulhamento a pé, e 12 h, motorizado.
O policial ainda levantou outra questão que tem causado polêmica no batalhão. "Eles estão proibindo soldados de andar armados, fardado. Se um policial presenciar um assalto, nada pode fazer. Antes desse comando já existia essa orientação, mas mesmo assim muitos soldados saiam armados. Agora, se for [armado] é anotado".
Quanto aos treinamentos da tropa do BPGE para atuar na Copa do Mundo e Olimpíadas anunciados com grande ênfase pelo governo do estado, o policial disse que somente em outubro aconteceu um "estágio" de quatro dias e "mais nada". Segundo ele, as aulas eram básicas, de como utilizar um bastão, um escudo. Ele considera que o trabalho do batalhão é uma "maquiagem" para seguir manifestantes. "Uns 50 homens do BPGE realmente são treinados, faixa preta e alguns até tem prática em artes marciais. Mas eles são uma equipe. Os demais 500 PMs não são nada, há obesos, inaptos, mulheres, e há policiais que não sabem nada, apenas patrulhar e resolver ocorrências policiais, como é o meu caso", afirma ele, ratificando que a tropa não está preparada para a missão que o governo está divulgando.
Na edição desta semana, a Revista Veja também publicou que a saída do comandante Wagner Villares de Oliveira está relacionada com a falta de estrutura no batalhão e os policiais do BPGE reclamam da alimentação precária, dos locais para descanso improvisados e o excesso de horas sem folga. A publicação afirma que a troca de comando "não foi um procedimento de rotina", como justificou a PM em nota à imprensa. E destaca que os policiais do batalhão foram escalados pela Secretaria de Estado de Segurança apenas para compor uma "coleção de medidas de gabinete criadas mais para ter impacto na opinião pública do que resultados de fato".
A reportagem da Veja entrevistou policiais do BPGE, que contaram detalhes da decisão de Villares. Eles disseram para a equipe de reportagem da revista que o comandante entregou o cargo contrariado com a falta de estrutura do batalhão, que também é compartilhada com a tropa. A revista cita as postagens no Facebook do BPGE, que deixa claro o descontentamento dos policiais.
Estresse no trabalho afeta famílias dos PMs
Apreensivo, mas com coragem suficiente para contar o seu pesadelo dos últimos meses, o policial entrevistado pede logo no início da conversa com a equipe do Jornal do Brasil total anonimato e justifica a sua decisão de revelar os bastidores do batalhão onde trabalha. "A tropa já está aguentando tudo calada. Sou pai de família e preciso desse emprego", diz ele. Na convivência familiar, o PM afirma que está mais agressivo ao falar com o filho e esposa, em função do cansaço pelas muitas horas trabalhadas. "Eles não ligam nem para passar a escala do próximo plantão, temos que usar os nossos telefones. Essa informação tinha que estar no quadro antes da gente deixar o trabalho!", reclama. "Temos que ter um serviço como toda a PM tem, hora para entrar e para largar, só assim podemos programar coisas simples, como buscar ou levar um filho na escola", destaca.
O PM diz que está "lutando muito pra tentar sair de la [BPGE], minha família reza comigo sempre, pra tentar sair de la", conta ele. Segundo a sua avaliação, o comportamento da tropa "já não são mais os mesmos". E explica o que acontece atrás dos muros do batalhão e não é visível para a população. "Somos tão esculachados, que quando vamos apoiar o 5º BPM, o coronel não deixa o efetivo adentrar o quartel. O ponto de encontro é na Lapa. No 2º BPM, no domingo passado [1o.] 50 de nós fomos apoiar, só autorizaram 20 adentrar o rancho, os 30 restante tiveram que voltar ao choque [batalhão de Choque] pra almoçar, ou seja, somos tratados com desigualdade dos demais BPMs, não dá para um pai de família suportar isso. Somos militares, estamos aptos a qualquer adversidades, porém quando tiver que ficar sem almoçar sem descanso , iremos ficar, porém desnecessariamente não dá", desabafa o policial.
Durante a entrevista, o policial liga para um número do batalhão para saber se está escalado para o plantão do dia seguinte. "São 20h35 e ninguém sabe informar sobre a escala de amanhã. Não dá para sair um pouco com a minha família, porque não sei se vou ter que acordar cedo para trabalhar", reclama. Às 21h, o policial retorna a ligação para o batalhão e a escala ainda não foi liberada. Somente às 22h o policial consegue a informação desejada. "Agora, depois de 3 ligações, tomei conhecimento que estamos escalados para às 7h. Terei que sair de casa às 5h30. Sem vida", diz o PM, pedindo para encerrar a entrevista para "descansar um pouco".
PM comenta sobre rotina no BPGE
Em nota, a Polícia Militar explicou que o Batalhão de Policiamento de Grandes Eventos tem 600 policiais e o efetivo escalado para o dia não ultrapassa 12 horas de serviço, com escala de 12 por 36. Quanto as informações de que os PMs prestem serviços além das suas atribuições e para outros batalhões, a PM esclarece que quando não há manifestação ou evento o policial militar cumpre a sua escala em apoio a outros batalhões. A PM também confirmou a gratificação concedida aos policiais do BPGE.
Quanto as denuncias de falta de infraestrutura, a PM disse que o serviço do policial lotado no BPGE não é 24h. "Todos são liberados para dormir em casa, se estão escalado o serviço é na rua. Alguns policiais, após cumprirem sua escala, preferem permanecer no alojamento por conta da distância. O alojamento conta com 50 camas novas com colchões", afirma em nota a corporação.
Com relação a transferência da cabo Flávia Alves Louzada, a PM informa que "a policial foi transferida na gestão anterior. Transferências fazem parte da rotina da instituição". E também respondeu quanto a questão do soldado não poder sair do batalhão armado, como informou o entrevistado ao Jornal do Brasil. "O policial tem seu equipamento para atuar conforme a situação. Se o PM for escalado em manifestação ou evento ele não pode usar arma letal. Ele deve utilizar armas não letais como eletrochoque, gás lacrimogênio, bastão", explica a corporação.
A PM afirma que "todos os policiais passaram por um estágio de defesa pessoal e controle de distúrbios civis. Há uma seção de instrução especializada que conta com 20 instrutores de diversas modalidades de defesa pessoal sendo graduados em faixa preta em várias artes marciais. Há também três profissionais de educação física que orienta diariamente o treino de policiais. O batalhão capacita os policiais através de um curso especializado, o primeiro no Brasil, que prepara o agente para atuar em qualquer tipo de evento. É o curso de Ações em Grandes Eventos e tem duração de sete semanas".
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