Os batalhões da Polícia Militar do Paraná passam por um racionamento alimentar. A verba está "suspensa". Isso significa que o fornecimento de café da manhã, almoço e jantar servidos antes dos policiais irem para as ruas se tornou restrito e, em alguns casos, já não ocorre mais.

O comando-geral da Polícia Militar afirma que o problema é temporário, mas a sensação nos quarteis é de abandono.

Em alguns batalhões, a tropa tira dinheiro do bolso, fazem a famosa “vaquinha”, para custear os gastos com a alimentação. Ao G1 , um soldado do 9º  Batalhão, no litoral do estado, afirmou que o estoque diminui diariamente. Com medo de retaliação, ele prefere não se identificar.

“Eles não mandam mais nada. Mais macarrão, mais carne, mais nada. A gente tinha alguma coisa de arroz e macarrão que ficou aqui”, disse.

Segundo o soldado, cada equipe de plantão é responsável pelo levantamento do dinheiro e pela compra dos ingredientes das refeições. A compra, inclusive, é feita com carro oficial. “Uma viatura fica ‘baixada’ umas duas horas, correndo no mercado e pegando comida, as coisas mais baratas, e não atende a população. Esta é a verdade”.

Em média, cada policial desembolsa de R$ 7 a R$ 10, a cada dois dias. O valor depende, obviamente, do preço das mercadorias. O soldado lembrou ainda que a parcela de cada um na vaquinha deve aumentar, porque o estoque está cada vez menor. Alguns itens que não precisavam ser comprados, passarão a ingressar a lista.

O soldado explicou que, se houver alguma ocorrência durante a compra, imediatamente os policiais se deslocam para atendimento. Ele afirma que não houve nenhuma espécie de comunicação oficial sobre o que eles entendem como o  fim da verba para alimentação. “O governo não informou nada, do nada, cortou”.
A sensação, desabafou o soldado, é de abandono. “Tem o fator psicológico de abandono. Um Estado, que não dá um pacote de arroz, de feijão para o quartel, imagine se você vai ter algum amparo no dia que pegar, por exemplo, um bandido e trocar tiro. É o fator psicológico. Se o Estado te abandona para te dar de comer, imagine no apoio jurídico em uma situação que você precise. O Estado esqueceu ‘de nós’ e pronto. Você senta para comer no café, é desanimo total”.

A dificuldade é amenizada, lembrou o soldado, com a doação de proprietários de mercados da região. “O pessoal depende de doação. Os donos dos mercados acabam doando uma quantia por dia para nós. Mas é pouco, de R$ 10 a R$ 15 por dia. Esses R$ 10, R$ 15 são para o café, almoço e jantar. Para você alimentar 15 policiais, é bem pouco. Mas é uma ajuda. É um quilo de carne, por exemplo, que você deixa de comprar”, afirmou.
No Primeiro Comando Regional de Polícia Militar (1º CRPM), a vaquinha ainda não acontece. Entretanto, não é descartada. Um soldado, que também prefere não se identificar, resumiu a atual situação da policia paranaense como “uma tremenda patifaria”.

Ele conta que é sabido que quando os mantimentos que ainda existem acabarem, não serão repostos. “Sei lá se a tropa vai ter que desembolsar ou se vai levar lanche de casa ou se vai ter um ticket refeição”, comentou. A dúvida paira igualmente pelo 12º, 13º e pelo 20º batalhão. “Está saindo um comentário que vai ser cortada a refeição. Existe uma verba especifica para alimentação, que vai ser cortada e ninguém sabe por quê. O que falam é que é ordem do comando-geral”.

Por lei, a corporação deve servir refeições para os todos policiais. Antes mesmo da escassez dos alimentos, esta obrigação, contudo, já não era cumprida na íntegra. Porque não há refeição para todos. Há unidade, por exemplo, na qual a tropa possui 200 integrantes, mas são servidas 60 refeições. “Come quem chega antes”, comentou o soldado.
O soldado conta como é o dia a dia dos policiais que trabalham na rua. Há estabelecimentos que atendem os policiais como qualquer outro cliente. Outros dão descontos e existem ainda os estabelecimentos que cedem o lanche. “Às vezes é para dar uma atenção maior para o comércio dele, têm pessoas que cobram o preço de custo para te ajudar. Parte dos comerciantes. Eles tratam melhor entendendo a tua função ali”, comentou o soldado.

Polícia afirma que houve problema em licitação 
O tenente-coronel Maurício Tortato, que integra o comando-geral da Polícia Militar, reconheceu este cenário de restrição na alimentação dos policiais. Ele afirmou que a ação é consequência de problemas licitatórios para a contratação de fornecedores que se estende desde o final de 2012.
“Nós tivemos alguma intercorrência ano passado, na questão de processo licitatório de alimentação. Os processos não foram conclusos. Abrindo o orçamento este ano, todos os processos foram reiniciados e estão transcorrendo normalmente. Mas o estado, a administração pública tem o seu tempo”. O tenente-coronel informou que são 28 concorrências públicas em trâmite, sendo que 11 estão em fase de final.

“Em função deste tempo da administração, foram estabelecidas algumas restrições no fornecimento de alimentação, café da manhã, almoço, janta. Efetivamente, eu não vou negar que nós fizemos restrição na questão da alimentação, concentrando mais para aqueles que têm maior necessidade, em função das escalas de serviço”, justificou.
A previsão é de que no interior do estado, o fornecimento da alimentação seja reestabelecido em 30 dias e na região de Curitiba , em 45. Isso porque a licitação é mais complexa, devido aos valores empenhados.
Tortato ressaltou ainda que não existe limitação orçamentária e financeira para alimentação. Ele destacou que a Polícia Militar tem uma indicação orçamentária expressiva para atender todo o contingente da Polícia Militar, durante o período de um ano.

“Nós sempre tivemos a preocupação com relação ao fornecimento de alimentação. Um exemplo: nós temos agora estas situações de manifestação, nós temos uma aplicação maior de efetivo e, então, nós mobilizamos recursos específicos para atender essas situações”, acrescentou. 

Diferentemente do afirmado pelos policiais ouvidos pelo G1 , o tenente-coronel afirma que, ainda com a restrição, a alimentação ainda é servida para os policiais que trabalham em escala, ou seja, para os agentes que atuam nas ruas. “O policial que está na rua, trabalhando no serviço de policiamento comunitário, de radiopatrulha, está em escala de serviço. Ele não pode parar para fazer uma refeição. Quando ele para, é uma parada controlada. Ele tem que comunicar a central. Para este efetivo operacional, em regra, salvo alguma situação que esteja se sobrepondo, efetivamente deve estar sendo oferecida alimentação”.

Ele complementou ao dizer que, para o efetivo administrativo, é razoável que a alimentação, nesta situação, seja contingenciada. Ele acredita que apenas nestes casos possa haver iniciativas como a mencionada pelo soldado do 9º Batalhão, na qual os policiais fazem "vaquinha". “Não é uma situação institucional, e é uma questão de tempo para normalizar isso”.

Sobre a insegurança e a ansiedade dos policiais, o tenente-coronel Tortato afirma que todos os comandantes têm conhecimento que a alimentação está sendo controlada por razões administrativas. De acordo com o tenente-coronel, a informação pode não ter sido divulgada corretamente. “O que pode ter ocorrido, e não adianta a gente tentar burlar essa realidade, é o fato de que, a partir do final do ano, houve uma sinalização que em função da dependência de processo licitatório, haveria alguma restrição e algum comandante pode ter feito já algum contingenciamento para poder o rancho funcionando mais tempo”.