Informação policial e Bombeiro Militar

domingo, 13 de dezembro de 2015

O que acontece quando a PM é questionada


Em um bar perto da Universidade Federal de Mato Grosso do sul, estudantes foram agredidos ao questionar as ações da polícia militar



“Por que vocês estão revistando eles”? Foi uma pergunta como essa que desencadeou ações violentas da policia militar em um bar próximo a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul na noite de sexta (4) para sábado (5). E quem eram eles? Eles são três meninos negros, menores de idade, que foram revistados por policiais militares sem justificativa.

Nas noites de sexta-feira, próximo à UFMS, diversos estudantes se reúnem em dois bares populares e tradicionais. Já virou acontecimento rotineiro, o fato do movimento dos estudantes pela rua de um bar ao outro e as conversas altas por conta do número de pessoas, atraírem a fúria de vizinhos, que acionam a polícia militar para resolverem o problema e “reestabelecerem a ordem”.

Em uma situação hipotética, talvez os desdobramentos da noite de sexta-feira fossem outros. Talvez a situação teria terminado apenas com o fim da venda de bebidas alcoólicas nos dois bares que só possuem alvará para vende-las até a meia noite. Não foi o que ocorreu.

Conforme informaram alguns estudantes que estiveram no local, após “dialogarem” com os dois estabelecimentos, a polícia teria resolvido descer a rua e se dirigir para o bar “da Tia Lenir”, como é conhecido pelos estudantes que o frequentam. Mais tranquilo, simples e com a cerveja vendida a um preço mais barato do que os outros, o bar dessa senhora negra é sempre procurado pelos estudantes que fogem da multidão dos outros locais, e muitas vezes procurado por aqueles com menor poder aquisitivo.

Foi ali que a polícia militar percebeu que alguns estudantes não se calam. Porque o “bar da tia” é, também, reduto dos jovens que discutem uma alternativa à polícia cujo nome estampa o significado da força que ainda existe em estado de exceção dentro da democracia, mas que remete a um período que deveria estar no passado: militar.

De acordo com os estudantes que passaram pelas situações de violência, seis viaturas foram acionadas naquela sexta-feira: duas viaturas da Polícia Militar, uma da Tropa de Choque, duas da polícia militar de trânsito e uma do Bope (Batalhão de Operações Especiais). Não se sabe ao certo quantos policiais estiveram no local.

Como conseguimos entender um discurso, uma mensagem? Nesse caso, em especial, o discurso é contraditório, já que a polícia militar é uma força cuja mensagem pública ensinada e intrincada no imaginário social é a proteção. Mas a pm, naquela noite, mostrou que a mensagem que envia é, também, simbólica e começa a produzir sentido muito antes de uma ação concreta: cinco viaturas para um bar de estudantes. Uma tropa preparada para conflitos extremos, para um bar de estudantes. A mensagem, portanto, é, também, de Poder. 

Um* dos estudantes que estava no bar filmou as ações. De acordo com ele, um sargento, identificado como Rodson, teria se dirigido para dentro do bar, onde estavam sentados dois jovens negros e uma criança, também negra. “Sem mais nem menos ele decidiu revistar dois jovens e uma criança, ambas negras, que estavam dentro do bar, sentados, conversando, sem nenhuma ação ou atitude suspeita. Nós, sem entendermos os motivos daquela abordagem fomos questionar os policiais”. Ele explicou que os policiais não teriam respondido às perguntas e começaram a ficar nervosos, dizendo para saírem, e que estariam atrapalhando. “Chegaram e já mandaram eles levantarem e abrirem as pernas”, contou outra estudante*. Os policiais também pediram que eles retirassem as mesas e as cadeiras que estavam na rua, o que os estudantes afirmam terem feito.

Ainda assim, os policiais começaram a pedir que fossem todos embora. O alvará do bar em que estavam, no entanto, tem permissão para vender bebidas 24h, e os estudantes são maiores de idade. De acordo com eles, havia cerca de 30 pessoas no local, que não tinha música alta. Enquanto uma estudante* procurava o alvará para mostrar aos policiais, outros questionavam os pms. Os questionamentos não foram aceitos pela polícia, e o bate boca entre policiais e estudantes começou, assim como o tumulto. Um policial teria empurrado uma estudante, que atingiu a grade do bar.

A partir daí, diversas ações paralelas dos policiais aconteceram ao mesmo tempo. “Após empurrar várias meninas, ele deu voz de prisão a uma delas* porque simplesmente a galera começou a bradar uma palavra de ordem que pedia o fim da PM. Daí ele perdeu a cabeça mesmo, foi pra cima da galera com spray de pimenta, outro soldado já deu um tiro para cima com uma doze com balas de borracha, outro já jogou no chão uma granada de luz e efeito, enquanto os outros se mobilizavam para prender os dois*, que nesse momento, já se encontravam no chão, fortemente imobilizados, com o rosto no chão e com as pernas dos pms nas costas deles”, contou o estudante que filmou as ações.

Em meio a isso, a estudante* teve o cabelo puxado enquanto estava imobilizada no chão. De acordo com eles, frases como “Vão embora pra suas casas”. “Cala a boca e sai daqui agora”, eram pronunciadas pelos policiais todo o tempo. O resultado do tumulto foi de agressões e truculências sofridas pelos estudantes. Cenários como um só estudante apanhando de três policiais, o mesmo estudante que teve todos os vídeos e fotos do seu celular deletados pela polícia. A dona do estabelecimento e outras pessoas passaram mal com o uso do spray de pimenta, um deles teria desmaiado.

“Levantaram ela* do chão pelo cabelo, como se ela fosse um animal. Foi uma das cenas mais bizarras que eu já vi. E não foi por falta de grito dela, que a todo momento, implorava que a soltassem pois a estavam machucando”, explicou o estudante que filmava a situação.

“Jogaram a gente no chão e deram voz de prisão. Segurei a perna de um amigo e me puxaram pelo cabelo, achei que eles fossem quebrar meu braço. Achei que fossem me matar, nunca senti uma dor tão forte”. Três estudantes foram obrigados a irem para a Depac (Delegacia de pronto atendimento) do bairro Piratininga. De acordo com um deles*, os dois foram forçados a entrarem no camburão, espremidos e com dificuldade de respirar por terem inalado spray de pimenta. Os estudantes explicaram que também viram um policial coagir o estudante que filmava, para ser obrigado a ir à Depac como testemunha. “Foi quando o senhor Rodson, já mais alterado que antes, me agarrou pelo braço e disse que eu seria testemunha. Eu disse que não, pois não era obrigado e eu não era o único a ter filmado a ação da PM. Aos berros e me agredindo verbalmente, ele começou a me coagir, dizendo que era melhor eu entrar na viatura por bem, se não eu iria no camburão ‘junto com os arruaceiros dos meus amigos’. ‘Seria encaminhado por desacato e desobediência’ e não por ser testemunha”, contou ele.

Os estudantes também explicaram que muitos policiais não estavam identificados.

Do ponto de vista legal

Juiz da 1ª vara criminal em Campo Grande e presidente da Fonajuv (Fórum Nacional da Justiça Juvenil), Roberto Ferreira Filho explicou que, do ponto de vista legal, ações da polícia militar em casos como esse são consideradas abusivas. “O uso da força é progressivo e deve se limitar ao que realmente for necessário para conter a situação. O ir além é abusar e o abuso pode ser criminalizado. O uso de algemas, por exemplo, não pode ser generalizado, tem até súmula vinculante do STF sobre isso (sumula 11). Agressão física, então, nem pensar. Polícia deve esgotar capacidade de diálogo quando se depara com grupos, como não ocorreu em São Paulo e no Paraná, por exemplo. A primeira opção não pode ser o do uso da violência”.

Roberto também defende que é o estado, representado pela polícia nesses casos, que perde o seu papel democrático. “O estado não pode perder sua superioridade ética em nenhum campo, nem no da segurança pública. Quando se nivela por baixo, confunde firmeza com arbitrariedade, volta-se a um estado totalitário, em que os fins justificam os meios e em que o "pessoal, o jeitinho, a intolerância, a brutalidade prevalecem”.

O que diz a PM

Para a polícia militar de Mato Grosso do Sul, “foi usado de meios necessários pra poder controlar a situação, com uso moderado da força". Sobre o preparo da polícia em situações como essa, informaram que "a polícia militar realiza cursos periódicos de controle de distúrbio, e que a pm não é instruída à agressão em ocasiões de diálogo, mas é instruído a agir quando sai do controle”.

Questionada sobre o fato de situações de violência em episódios como esse serem consideradas normais, a assessoria da polícia militar respondeu que “não é normal, e nem corriqueira, mas quando tem, a pm está preparada pra agir”. A polícia alegou que são consideradas “uso moderado da força” o spray de pimenta e o elastômero.

Na Depac

Os abusos sofridos pelos estudantes não terminaram no bar. Já na delegacia, os dois que foram acusados de desobediência, resistência e desacato, segundo o Boletim de Ocorrência, explicaram que foram ridicularizados, além de não terem o pedido para prestar o boletim de ocorrência por agressão, aceito.

“Vamos ver se agora vocês aprendem a respeitar polícia”. Diziam os policiais que juntos, escreviam o boletim. No documento, consta, inclusive, agressões verbais que os estudantes afirmam não terem sido proferidos por eles. Além disso, os policiais registraram os acontecimentos anteriores nos dois bares mencionados e o que ocorreu depois, no “bar da tia”, como se fossem um só, e envolvendo os estudantes em outros acontecimentos.

Os dois acusados, ambos maiores de idade, afirmaram terem sido mantidos em uma cela aberta junto de um homem que depois descobriam ter estuprado uma garota.

A estudante* contou que pediram para registar o B.O, e eram ridicularizados, sendo questionados se as lesões eram visíveis, além de pedirem para uma estudante* tirar a blusa. Ao se recusar e dizer que ela não era obrigada e que tinha direitos, os policiais teriam rido. “Direito do que”? “Ao meu próprio corpo”, respondeu. Um dos investigadores teria questionado o delegado sobre a situação dos estudantes, e eles afirmam terem escutado o delegado responder “Manda esses malandros ficarem na frente do banner”.

Os estudantes foram liberados e acionaram uma advogada que irá representá-los. No sábado, junto da advogada, 8 estudantes que foram agredidos e estiveram no local, compareceram novamente à Depac Piratininga para registrar o boletim por agressão. Lá foram informados que o boletim está nas mãos de um dos batalhões da polícia militar. 



*As identidades foram ocultadas a pedido dos estudantes

Fonte: Topmidia

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