"Se Hitler estivesse vivo, ele estaria muito feliz com essas unidades, porque mais parecem campos de concentração." Foi assim que Miriam Santos, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) definiu a unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife. Com sete mortes somente este ano, o sistema socioeducativo de Pernambuco preocupa entidades civis com a falta de direitos humanos. O Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), juntamente com representantes de organizações nacionais que atuam na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, relataram suas impressões sobre a visita que fizeram ao Centro de Atendimento Socioeducativo de Abreu e Lima, local onde a houve a última rebelião no estado. A coletiva de imprensa aconteceu no final da tarde desta terça-feira (18).
"A visita mostrou a necessidade de se mexer em todo o complexo socioeducativo", disse Claudio Augusto, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e do Conanda. "O número de mortes aqui foge completamente do que vem acontecendo em outros sistemas socioeducativos pelo país", disse Cláudio. A presidente do Conselho, Miriam Santos, comparou a quantidade de mortes com os números registrados em São Paulo. "São Paulo é o maior universo socieducativo do país. De 2007 a 2012, foram registradas 10 mortes lá. Proporcionalmente, o que vimos é que, até agora, Pernambuco é o líder em número de mortes no Brasil, com sete mortes só em 2012", disse.
Cláudio Augusto também reforça a falta de espaço físico para os reeducandos. "São 96 vagas em Abreu e Lima, mas 229 pessoas estão lá". O representante do Conanda disse que o governo federal está disposto a continuar com iniciativas que possam mexer com todo o sistema socioeducativo. "Há um volume grande de internações, que poderiam ser evitadas através do sistema de Justiça. Os jovens são internados desnecessariamente", contou Cláudio.
Miriam fez o relato da visita ao Centro de Abreu e Lima e apontou a urgente reparação de vários problemas existentes na unidade. "O que vimos em Abreu e Lima é tudo o que não deve ser feito pelo Estado: superlotação, mortes com requinte de crueldade, tortura psicológica que os meninos vivem dentro da unidade, sempre com medo de morrerem em uma nova rebelião, falta de alimentação adequada, 24 horas presos dentro de uma cela, além da falta de escolarização, esporte, lazer, cultura. Um das poucas coisas que eles têm direito é à visita dos familiares", enumerou Miriam.
O promotor de Justiça e coordenador estadual da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores, de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), Maxwell Vignoli, reforçou a importância de o governo estadual cumprir o cronograma para a execução da construção de novas unidades de internação, de liberdade e semi-liberdade, e assim demolir as unidade do Cabo e Abreu e Lima. "O prazo de entrega desse cronograma era de 30 dias, e foi firmado em 30 de maio, ou seja, o prazo foi extrapolado, e a posição do estado é que não consegue terreno por não haver uma articulação com as prefeituras para a desapropriação de terrenos. Se é de necessidade pública, não tem o que discutir, desapropria e pronto", afirmou Maxwell.
Luz Arinda, da Rede de Defesa da Criança e do Adolescente (Renade), falou da urgência em fazer o relatório da situação vivida pelos reeducandos em Pernambuco. "Percebemos aqui duas coisas muito graves. A primeira delas é que os defensores públicos estão sendo tolhidos, ridicularizados até pelas unidades socioeducativas. O Cendhec tem feito dossiês, que não estão sendo valorizados. Uma rebelião não acontece do nada. Ela é uma forma de dizer que eles [os reeducandos] estão sofrendo uma série de violações", relatou Luz.
O Cendhec quer que os recursos destinados aos centros socioeducativos sejam aplicados o mais rápido possível. "O orçamento é de R$ 80 milhões para este ano, para as construções", disse Miriam. Os agentes que trabalham nas unidades também foram alvo da vistoria dos representantes do Cendhec. "Os meninos relataram a violência feita pelos próprios agentes. Temos uma legislação avançada, mas uma prática extremamente violenta. Nessa visita, foi a primeira vez que vi policiais militares na gestão de unidades socioeducativas", contou Miriam Santos. "É preciso que haja capacitação, humanização desse agentes, além de concurso público, plano de cargas, novas perspectivas para esses trabalhadores", pontuou.
Além da vistoria realizada pelos representantes, houve uma reunião com o novo secretário estadual da Criança e da Juventude, Pedro Eurico, nesta tarde. A assessoria dele informou que, mesmo tendo assumido o cargo nesta terça, o secretário já se encontrou com técnicos da pasta para tomar conhecimento de tudo o que está acontecendo. Por meio da assessoria, Eurico disse que não irá tolerar torturas nas unidades e vai visitar, nesta quarta (19), a Case de Vitória de Santo Antão, que está em construção. Até ao fim da próxima semana, a assessoria informou que o secretário pretende visitar todas as unidades da Funase de Pernambuco.
O advogado do Cendhec, Eduardo Payzan, finalizou a entrevista coletiva lembrando que o cronograma de obras do estado para a Copa das Confederações, que acontece em 2013, foi cumprido sem problemas. "Se o governo conseguiu cumprir esse cronograma, por que não consegue cumprir o das unidades socioeducativas?", questionou.
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