segunda-feira, 16 de junho de 2014

Primeira mulher à frente do Superior Tribunal Militar defende gays nas Forças Armadas


Entrevista

VEJA  

Ministra Maria Elizabeth Rocha toma posse nesta segunda e pretende ampliar a participação feminina e o debate sobre direitos das minorias

Marcela Mattos, de Brasília
Maria Elizabeth Rocha, a primeira mulher no comando do STM
Maria Elizabeth Rocha, a primeira mulher no comando do STM (Superior Tribunal Militar)
"A minha intenção é fazer a diferença não apenas pelo fato de ser mulher, mas pelo meu conhecimento jurídico"
Pela primeira vez nos 206 anos de história do Superior Tribunal Militar (STM), uma mulher assumirá o comando da instituição. A ministra Maria Elizabeth Rocha toma posse na noite desta segunda-feira e pretende colocar no centro dos debates um dos principais tabus das Forças Armadas: a presença de gays nos quadros do Exército, Marinha e Aeronáutica. Mineira de Belo Horizonte, a atual vice-presidente da corte deu, em 2009, o primeiro passo nessa direção, ao garantir aos servidores da Justiça Militar da União o direito de incluir como dependente no plano de saúde companheiros de relação homoafetiva.
Segundo Maria Elizabeth, assumir-se homossexual dentro de um quartel atualmente pode resultar em um processo no Conselho de Justificação, órgão que funciona como um tribunal de honra, e levar à perda da patente. “A orientação sexual não pode ser pressuposto para declarar alguém digno ou indigno do oficialato”, diz a futura presidente do tribunal. Confira a seguir a entrevista da ministra ao site de VEJA.
O que muda com a chegada de uma mulher a um órgão historicamente comandado por homens?
A minha visão é toda civil. Mesmo sendo mulher de um general, tenho uma visão mais branda do cometimento de determinados atos do que os homens, sobretudo os militares, que são muito rigorosos na cobrança de disciplina e hierarquia. A minha intenção é fazer a diferença não apenas pelo fato de ser mulher, mas pelo meu conhecimento jurídico. Eu quero modificar algumas regras e quebrar paradigmas. Acho que desde o primeiro momento em que entrei em um plenário para julgar, minha visão feminina de alguma forma modificou a masculina. Eu sou a única mulher aqui e isso não é casual. Quero que os outros ministros sintam que vivemos em uma sociedade discriminatória, uma sociedade sexista em que a mulher ainda é coisificada. Eu procuro mostrar outro lado, inclusive o de humanizar a conduta do réu.
Quais paradigmas a senhora quer quebrar?
Além de ampliar a participação feminina, promover o direito das minorias ainda segregadas, como os homossexuais – uma bandeira que sempre levantei. Eu até posso desagradar alguns setores, mas continuarei falando e dizendo porque julgo que é extremamente relevante. A política do ‘Não pergunte, não conte’, que de certa forma nós incorporamos aqui tacitamente, porque não foi expressa, precisa ser reestudada.
A senhora acredita que essa tese vai ser bem aceita?
A mudança de mentalidade se faz ao longo do tempo e é um processo de construção de todos os autores sociais envolvidos. Eu já quebrei um paradigma quando relatei um processo administrativo e defendi a inclusão da companheira de uma beneficiária no plano de saúde. Fui acompanhada por todos. Em outra oportunidade consegui convencer um almirante de que a orientação sexual não pode ser pressuposto para se declarar alguém digno ou indigno do oficialato. A orientação sexual é um direito pessoal, integra a dignidade de cada um e tem de ser respeitada. E mais do que isso: normalmente, quando se dá essa circunstância há uma perda de posto e patente. Mas dizer que são as Forças Armadas que discriminam é errado. É a sociedade que discrimina todo mundo.
A Justiça Militar é machista?
O sexismo é social. A Justiça Militar existe há 206 anos e nunca teve uma mulher no comando. Mas são os presidentes da República que indicam quem deve ocupar o posto.
Quais são os crimes mais comuns julgados pelo tribunal?
Além do crime de deserção, é muito comum flagrarmos drogas nos quarteis, e essa é uma situação preocupante. Basicamente flagramos maconha e cocaína. É difícil fazer o controle. Geralmente pega-se por acaso, durante a revista. E também nesse caso vemos uma incoerência na punição: de um a cinco anos para quem é flagrado portando drogas no quartel, mas de até cinco anos para quem trafica. Tinha que ser muito maior. Tráfico de drogas dentro do quartel é muito sério. Outra questão grave é a de roubo de armas, que está cada vez maior. O narcotráfico tem entrado nos quarteis e aliciado soldados para cometerem crimes desse gênero. Os soldados ganham pouco e muitos moram em favelas. Eles têm uma condição precária e acabam sendo aliciados para o tráfico.
O que muda da Justiça comum para a Militar?
Nós julgamos crimes cometidos pelos civis e pelos militares dentro dos quarteis. Temos um Código Penal Militar de 1969 e isso é um problema. O Congresso Nacional, quando atualiza o Código Penal, esquece que existe um direito específico. Nós não podemos aplicar, por exemplo, a Lei Maria da Penha, a dos crimes hediondos, do estupro e da pedofilia, que são leis fruto de um avanço social e civilizatório. A nossa legislação é incoerente. Em alguns tipos penais ela é extremamente rigorosa e, em outros, é extremamente branda. O Congresso Nacional esqueceu-se da gente. 

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