quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ex-capitão da Rota diz que atirou contra presos do Carandiru mesmo protegido por escudo balístico


31/07/2013 
Janaina Garcia 
Do UOL, em São Paulo

O primeiro réu a ser interrogado no júri dos policiais militares acusados da morte de presos no Carandiru disse nesta quarta-feira (31) que "não esperava a reação" dos internos e admitiu ter atirado contra eles, mesmo protegido por um escudo balístico.

O segundo júri do caso acontece desde a última segunda-feira (29) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de SP) e se refere à maior parte do massacre no pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção: de 111 presos mortos naquele 2 de outubro de 1992, 73 (quase 70%) foram no terceiro pavimento do pavilhão 9.

Hoje fora da ativa e alçado à condição de coronel, o réu Valter Alves Mendonça era capitão da Rota e comandava um pelotão de 25 homens que entraram no pavilhão.

De acordo com Mendonça, ele próprio ingressou com uma metralhadora à frente do grupo e não dispunha de armas não letais. "Peguei o escudo balístico. No Brasil não tinha arma não letal nessa época, não tinha Taser [pistola de choque], só tinha revólver ou metralhadora", afirmou.

De acordo com o réu, os policiais viram "três ou quatro corpos no pátio, um deles decapitado, antes do ingresso ao pavimento. "Retiramos obstáculos e progredimos lentamente. Ao dar os primeiros passos, a uns sete metros, vi clarões, ouvi estampidos e senti impactos no escudo. Nesse momento, efetuei disparos", declarou.

Indagado pelo assistente de acusação, o promotor Eduardo Olavo Canto, sobre o fato de o réu nunca ter mencionado o corpo decapitado em depoimentos anteriores, nesses mais de 20 anos após o massacre, Mendonça definiu: "Talvez não tenha achado [o detalhe] relevante$escape.getQuote().O depoimento de hoje é o oitavo de que o coronel participa desde o massacre do Carandiru, mas o primeiro em que o militar cita ter visto um corpo sem cabeça assim que sua equipe entrou no pavilhão 9 do presídio.

"Lembrei nessa semana, quando estudei o caso", respondeu ao assistente de acusação ao ser indagado sobre os motivos de nunca ter revelado essa informação.

Réu diz que socorreu presos

Durante seu depoimento, Mendonça disse também que participou de três embates entre os presos e sua tropa durante a invasão do terceiro pavimento do pavilhão 9, tendo disparado cinco vezes contra os detentos, usando uma submetralhadora de calibre 9 milímetros.

Os tiros, segundo ele, teriam sido revides, em dois momentos, a "clarões, estampidos e impacto no escudo" que o coronel carregava.

Na primeira vez, na entrada do corredor onde os presos estavam, o réu efetuou três disparos e diz que viu cerca de dois ou três "vultos caindo, gemendo de dor e pedindo para serem socorridos".

Nesse instante, duas ou três armas de fogo teriam sido recolhidas pelo coronel.

Poucos metros à frente, repetiu-se a situação de clarões, estampidos e impacto no escudo, mais dois tiros foram disparados pelo coronel e novamente vultos caíram gemendo. O réu disse acreditar que seis tiros foram disparados contra ele.

O terceiro embate teria sido uma luta corporal entre a tropa e cerca de seis presos que saíram de uma cela, "com porretes e estiletes", de acordo com o réu, que disse ter sido ferido no braço e na perna nesse confronto.

"Acredito até que eu tenha usado o escudo para agredi-los. Usei a submetralhadora para golpeá-los", disse o coronel ao promotor.

Formado pela Polícia Militar em 1978, o coronel também portava um revólver quando entrou no terceiro pavimento e disse que todos os presos feridos foram socorridos por ele ainda vivos.

"Entrei para fazer as pessoas entrarem nas celas. Socorri todos, não sei se foram mortos", disse ao juiz.

"Eu estava preocupado em socorrer todo mundo e a mim, inclusive."

Outros quatro réus serão interrogados na sessão de hoje. Amanhã, defesa e acusação terão espaço para exibição de material em vídeo e para apresentar partes do processo aos jurados. A previsão é que a sentença seja divulgada até a madrugada de sábado (3).

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