segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Coronel Milton analisa a crise dos bombeiros


O PREOCUPANTE RESCALDO DA CRISE DOS BOMBEIROS

Por Milton Corrêa da Costa, especial para o blog Repórter de Crime

Dois líderes do movimento dos bombeiros do Rio, um cabo e um capitão, foram presos sob a acusação de crime de desobediência por não acatarem prontamente ordens superiores de deixar, com o grupo que lideravam, na noite da última terça-feira, o perímetro de segurança das cercanias do Palácio Guanabara, sede oficial do governo do Estado. Por força de um habeas corpus foram soltos na madrugada da quinta-feira. O comandante da corporação e secretário estadual de Defesa CivIL, coronel BM Sérgio Simões, considerou o ato dos militares um "afrontamento da autoridade". Dias atrás, durante uma cerimônia de bombeiros, num centro de formação, praças entoaram trecho do 'Hino do Soldado do Fogo', ( “NEM UM PASSO DAREMOS ATRÁS”...) de forma agressiva, fato que gerou mal estar entre os oficiais ali presentes.

Não há dúvida, e haveria de se supor, que o incêndio provocado pela crise, meses atrás, não havia sido totalmente debelado. Fica claro que o movimento reivindicatório de bombeiros do Rio, por melhores salários (melhores condições de trabalho também foram reivindicadas), abrindo uma crise sem precedentes na tradicional instituição -- um fato novo -- apresentou consequências e precedentes que precisam ser analisados de forma realística, uma vez que tal movimento, emergido basicamente na classe das praças, dentro de uma organização militar, trouxe contornos preocupantes, além de incômodos ao governo do estado, culminando com a impensada invasão de militares ao Quartel Central da corporação, na noite de 03 de junho, fazendo com que a Polícia Militar fosse chamada a intervir, resultando, após o embate entre manifestantes e a tropa de intervenção, na prisão de 429 bombeiros. Na ocasião o governador Sérgio Cabral, num momento mais exaltado, não poupou críticas aos que se insuflaram. Dias depois fez a mea culpa por suas palavras mais ásperas. A crise, no entanto, já estava instalada e se avolumou com passeatas de protesto com considerável adesão popular.

Isto posto, pode-se, a meu ver, assim resumir, em distintos tópicos, numa análise contextual, numa visão do todo, os seguintes fatos, consequências, precedentes e perspectivas de tal preocupante crise:

1) Ficou claro o erro inicial de avaliação do governo do estado em não mensurar em sua importância e suas possíveis consequências o ato reivindicatório que se insurgia; na verdade, como se tratava de uma organização militar, não se imaginava que a crise e os fatos pudessem chegar ao ponto que chegou;
2) consequente e flagrante enfraquecimento dos pilares básicos da hierarquia e da disciplina numa instituição militarmente estruturada, inclusive com a deflagração de início de uma greve por parte de integrantes do movimento, o que é vedado a militares pela Constituição Brasileira;

3) oportunismo político de alguns que contribuiu para insuflar e exaltar os militares no episódio da invasão ao Quartel Central;

4) anistia e arquivamento dos processos administrativos ( decisão do legislativo estadual) e criminais, este último ainda em trâmite no Congressso Nacional -- aliás anistia preventiva pois não houve punição -- fato que abre um preocupante precedente quando as manifestações, em nome de justas reivindicações salariais, vierem acompanhadas de atos de indisciplina, com a certeza de que tal anistia funcionaria como uma espécie de medida assecuratória de direito futuro onde o Poder Legislativo estaria sempre acima da leis e regulamentos militares; ou seja "vamos à luta que o legislativo depois garante";

5) a adesão de grande parte da população à causa fortalecendo o movimento com o respaldo popular; o Corpo de Bombeiros goza de grande aceitação popular, não há dúvida;

6) irradiação do movimento, no momento ardente da crise, para outras classes de servidores, fato que gerou mais pressão sobre o governo do estado no atendimento a diferentes reivindicações salariais, como na área de educação;

7) a maciça utilização das redes sociais da Internet para angariar adeptos ao movimento e ao mesmo tempo, com o escudo do anonimato de alguns internautas, desacreditar autoridades públicas e superiores hierárquicos com comentários pouco amistosos;

8) a não aceitação, pelo novo movimento, das lideranças das representatividades legais de classe já existentes criando certo desconforto em tais associações;

9) uso da estratégia do “JUNTOS SOMOS FORTES”, como movimento de massa, fato que abre outro preocupante precedente onde a força do grupo, no imaginário dos mais exaltados, superaria as normas e regulamentos militares; situação que poderia chegar a consequências imprevisíveis;

10) finalmente, a necessidade premente de manutenção, em toda sua plenitude, dos princípios básicos da hierarquia e da disciplina na instituição CBMERJ, como forma de execução normal da nobre e imprescindível missão de vidas e riquezas a salvar, sem que haja qualquer ameaça de solução de continuidade e consequentemente prejuízos à população.

O certo é que o movimento 'SOS Bombeiros' não aceita a gratificação de R$ 350.00 concedida pelo governo do estado para o pessoal ativo, além da antecipação de 5,58% no reajuste salarial. Consideram também que o vale transporte concedido precisa ser revisto, em razão de que alguns residem em diferentes municípios. Aliás não aceitam gratificações de nenhuma espécie. Insistem no piso salarial de R$ 2 mil. O secretário de Defesa Civil declarou, por sua vez, que o governo não irá conceder o piso pretendido. Registre-se, inclusive, como mais um fator complicador, a possível perda de receita do Estado com a proposta de divisão dos royalties do petróleo, mesmo nos campos já licitados, nova realidade que não pode ser descartada.

Como real solução para o impasse vislumbra-se, pois, a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 300), com a fixação do piso nacional para policiais e bombeiros militares, com base nos vencimentos do soldado da Polícia Militar do Distrito Federal, hoje em torno de R$ 4000,00. Só resta saber se o governo federal está disposto a fazer a sua parte – a conta é de alguns bilhões/mês- para ajudar os estados da federação, alguns quebrados financeiramente, a pagar a pesada conta. Pelo visto está mais preocupado neste momento em debelar outros "incêndios".

No incêndio do Rio há uma linha muito tênue entre o direito constitucional de se reunir e se manifestar livremente, a hierarquia,a disciplina e a ameaça à ordem pública com passeatas que interferem na livre circulação de trânsito. Por enquanto, representantes do movimento dos bombeiros - militares em situação de folga- permanecem em vigília acampados em frente à Alerj e ameaçam mudar o local do acampamento transferindo-o, durante os dias úteis, para em frente ao Palácio Guanabara. Nos finais de semanas para as proximidades da residência do governador, na Zona Sul do Rio. O governo do estado alega ter seus limites de caixa, até que porque policiais miliares têm o mesmo nível de soldo nos postos e graduações, ativos e inativos.. O movimento, por sua vez, permanece irredutível em suas reivindicações. O impasse, portanto, prossegue sem prazo para ter fim. Só se espera os que reivindicam se comportem dentro dos parâmetros da disciplina e do bom senso. Militares, sobretudo, têm regulamentos a serem cumpridos. Que não se perca tal azimute.


Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PMERJ e estudioso em assuntos de segurança pública

Fonte: O Globo

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