domingo, 12 de abril de 2015

Juíza diz: A polícia é a profissão que põe a vida em risco. Existe corrupção? Existe, assim como em todos os meios. Mas parece que, no Brasil, existe uma tendência de só dar importância ao policial quando ele faz algo errado. Não se veem homenagens, uma comunidade aplaudindo o trabalho policial. Vejo com preocupação a tendência de pegar um policial ruim e jogar essa imagem para toda uma corporação extremamente dedicada, que trabalha sem estrutura, com efetivo absurdamente abaixo do ideal. E colocam o peito na rua para defender a população, em troca da falta de reconhecimento e de um salário baixo. Temos que aprender a valorizar nossos heróis.

Segurança10/04/2015 | 08h31

'Estado deixa de lado a segurança pública de Joinville', diz juíza

Titular da 1ª Vara Criminal de Joinville há quase três anos, Karen Francis Schubert Reimer critica o desequilíbrio entre as estruturas do Poder


'Estado deixa de lado a segurança pública de Joinville', diz juíza Leo Munhoz/Agencia RBS
Karen Francis Schubert Reimer fala das condições inadequadas para as polícias Civil e Militar na mais populosa cidade de SCFoto: Leo Munhoz / Agencia RBS

Há quase três anos, quem bate o martelo ao decidir as sentenças dos acusados de homicídio e tentativa de homicídio em Joinville é a juíza Karen Francis Schubert Reimer, titular da 1ª Vara Criminal da cidade, onde são julgados os chamados crimes contra a vida. Desde maio de 2012, mais de 160 sessões de júri popular foram decididas com a participação da magistrada.

Hoje, outros quase 280 processos que ainda podem ir a júri são mantidos aos cuidados dela. Além de uma pilha com mais 1,7 mil ações envolvendo crimes de outra natureza, que dividem as atenções em seu gabinete. Diante de uma demanda crescente na esfera criminal, a juíza é categórica ao afirmar que Joinville precisaria ter, pelo menos, o dobro de juízes.

A mais populosa cidade de SC, compara, conta com 28 magistrados, enquanto Florianópolis tem 68 juízes em atuação. Crítica quanto à atenção do Estado para Joinville no que diz respeito à segurança pública, Karen entende que a cidade está “deixada de lado”.

Numa conversa de cerca de uma hora com a reportagem de “A Notícia”, a magistrada ainda falou sobre o recorde recente de homicídios, impunidade, eficiência das leis e maioridade penal. Também apontou guerra entre facções na cidade e fez o alerta: se nada for feito, a tendência é piorar.

A Notícia – O Estado deixa a desejar quanto ao aparato policial em Joinville?
Karen
 – Totalmente. Na Capital, o efetivo da Polícia Civil é maior do que o efetivo das polícias Civil e Militar juntas em Joinville. A gente não tem como lidar com a segurança pública sendo tratado de forma tão desigual. Esse é um dos grandes motivos da criminalidade. As penas têm de ser severas, mas o que faz diminuir a criminalidade não é a severidade da pena e, sim, a certeza da punição. Quando há a certeza da impunição ou quase certeza, a impunidade gera uma criminalidade desenfreada. Tenho convicção de que o fato de a segurança pública em Joinville ser deixada de lado pelo governo do Estado é um dos fatores que aumentam a criminalidade.

Papel do Estado

Outro fator é não conseguir cumprir a legislação porque o Estado não cumpre a parte dele. Mandamos prender, mas não controlamos o presídio, nem a penitenciária. Eles não constroem presídios, penitenciárias, locais para o preso trabalhar. O Judiciário não tem como fazer a parte dele. A maioria dos presos faz questão de trabalhar, até porque se ganha a remissão. Só que o Estado não proporciona isso. Também há um protecionismo muito grande. As leis protegem muito aquele que pratica atos contrários à lei. O devido processo legal é necessário, cumprir a Constituição, também. Digo proteger no sentido de achar brechas para que a pessoa não tenha de cumprir aquilo que é preciso cumprir. Tudo isso para tentar dar uma solução paliativa para a falta de espaço, de condições no presídio.

Direitos humanos

Sou totalmente favorável aos direitos humanos. É indispensável. Só acho que deveriam ser chamados de direitos civis. Toda pessoa que luta pelos direitos humanos deveria lutar pelo devido processo legal e para que as prisões fossem locais onde a pessoa fosse trabalhar, estudar e cumprir a pena de forma decente. Não entendo que direitos humanos seja colocar a pessoa na rua. Nunca recebi um pedido de direitos humanos para melhorar a situação de um preso, sempre para soltar.

AN – A fragilidade do sistema impacta na reincidência?
Karen –
 Diretamente. Temos vários tipos de pessoas que infringem a lei. Algumas delas, se tiverem oportunidade, podem eventualmente sair do mundo do crime. Outras não têm condições, encaram o crime como modo de vida. É uma opção, não uma falta de condição. Dizer que a injustiça social é a causa do crime é a maior injustiça que se comete com os milhões de pobres e honestos. Se isto fosse verdade, não teríamos petrolão. Praticamente todos os estelionatários têm uma boa formação. 

É uma distorção, uma romantização absurda dizer que a criminalidade tem relação com a falta de condições. Pode-se dizer que, no Brasil, a grande maioria dos criminosos é pobre. Sim, porque a grande maioria dos brasileiros é pobre. Tudo é uma proporção. Mas temos as exceções. Aquela criança que não teve nenhuma chance caiu nas drogas muito cedo. Essa pessoa poderia, talvez, ter uma escolha diferente. Essas pessoas, em um ambiente prisional onde fossem estudar, trabalhar, ter tratamento, nesse caso acredito que se recuperam.

Reeducação

Dizer que o único objetivo da pena é reeducar acho até um insulto para o preso. Um preso de 30 anos de idade, que diz ter o crime como profissão, dizer que precisa reeducá-lo é uma ofensa. Na verdade, aquela é uma opção daquela pessoa, ela sabe o preço a pagar se for pega. Se ela souber que as chances de precisar cumprir esse preço são baixas, isso vai estimular a pessoa a praticar mais crimes.

Pena de morte

Até hoje não consegui ser a favor, principalmente por já ser comprovado que não diminui a criminalidade. O que diminui é ter certeza de que será punido. Colocar um radar no sinaleiro é muito mais eficaz do que instituir pena de morte para quem furar o sinal e isto não ser cumprido. No caso do Brasil: saber que, mesmo matando 20 pessoas, o máximo de pena é 30 anos, mas, com todos os benefícios, cai para 15. Isto tem que mudar.

AN – Há casos, mesmo nos júris, em que o réu é condenado, mas continua em liberdade. Como isso contribui para a sensação de impunidade?

Karen
 – Essa é a nossa garantia do devido processo legal. Ainda que eu não concorde com alguma lei, vou cumpri-la porque a minha profissão é cumprir a lei, não fazer a lei. O juiz não tem o direito de julgar diferente da lei quando não concorda, a não ser que a lei seja inconstitucional, algo assim. 

No Brasil, gravidade do crime não é motivo de prisão cautelar. Diz a lei o seguinte: se alguém esquarteja três pessoas hoje, mas tem residência fixa, bons antecedentes e trabalha, isto significa que ela pode ficar solta. Porque, na nossa lei, a prisão é uma garantia para o processo, para que chegue ao fim. A gravidade não é motivo, sozinha, para a decretação da prisão. Isto para o flagrante. Imagina, então, alguém que já responda em liberdade e você ter de prender ao final? No nosso sistema, você só é considerado culpado depois do trânsito em julgado da decisão. Há recursos e mais recursos, isto pode levar anos.

Debate

Se a população não concorda com algumas considerações da nossa lei, isto deveria ser objeto de debate e ser levado ao Legislativo. Não existe esse debate com a sociedade de qual tipo de sociedade queremos ter. Hoje, temos uma sociedade muito permissiva em relação ao cometimento de crimes e à punição desses crimes.

AN – Há momentos em que o magistrado se sente impotente?
Karen
 – Todos que trabalham com a Justiça, seja de um lado ou de outro, em algum momento sente o conflito entre o seu convencimento pessoal e o que a legislação diz. Entendo que, se aquela legislação for constitucional, eu não tenho o direito de não aplicá-la. Não é o meu pensamento que tem de prevalecer sobre a lei. Temos algumas penas adequadas, que não precisam ser aumentadas, legislações que são boas. Não fico em conflito o tempo inteiro. Temos boas leis, o problema é que elas não são cumpridas. Nossos problemas são de estrutura, de pessoal. Principalmente da parte do Executivo.

Comparativo

Joinville tem 28 juízes, titulares e substitutos. A Capital tem 68. Aqui, a 1ª Vara Criminal, que é privativa do júri, mas não exclusiva, tem 1.996 processos, dos quais 278 são do júri. Na Capital, a vara é exclusiva do júri e tem 170 processos. Como que a gente pode prestar um trabalho com a qualidade que se espera? Temos a mesma quantidade de juízes que Tubarão, Lages. Isto é histórico. Joinville sempre foi deixada de lado pelo Estado em todos os órgãos. O cível é abandonado, o criminal é abandonado. A gente acaba enxugando gelo, com quase um terço do efetivo. Joinville precisaria do dobro de juízes. E qualquer vara nova que venha tem de ser cível. Lá, a demanda é maior. Mas temos demanda para uma vara privativa do júri, mas é um sonho que duvido que será realizado.

AN – A senhora tem preocupação particular com a imagem das corporações policiais.
Karen
 – A polícia é a profissão que põe a vida em risco. Existe corrupção? Existe, assim como em todos os meios. Mas parece que, no Brasil, existe uma tendência de só dar importância ao policial quando ele faz algo errado. Não se veem homenagens, uma comunidade aplaudindo o trabalho policial. Vejo com preocupação a tendência de pegar um policial ruim e jogar essa imagem para toda uma corporação extremamente dedicada, que trabalha sem estrutura, com efetivo absurdamente abaixo do ideal. E colocam o peito na rua para defender a população, em troca da falta de reconhecimento e de um salário baixo. Temos que aprender a valorizar nossos heróis.


Até hoje não consegui ser a favor, principalmente por já ser comprovado que não diminui a criminalidade. O que diminui é ter certeza de que será punido. Colocar um radar no sinaleiro é muito mais eficaz do que instituir pena de morte para quem furar o sinal e isto não ser cumprido. No caso do Brasil: saber que, mesmo matando 20 pessoas, o máximo de pena é 30 anos, mas, com todos os benefícios, cai para 15. Isto tem que mudar.

AN – Há casos, mesmo nos júris, em que o réu é condenado, mas continua em liberdade. Como isso contribui para a sensação de impunidade?

Karen
 – Essa é a nossa garantia do devido processo legal. Ainda que eu não concorde com alguma lei, vou cumpri-la porque a minha profissão é cumprir a lei, não fazer a lei. O juiz não tem o direito de julgar diferente da lei quando não concorda, a não ser que a lei seja inconstitucional, algo assim. 

No Brasil, gravidade do crime não é motivo de prisão cautelar. Diz a lei o seguinte: se alguém esquarteja três pessoas hoje, mas tem residência fixa, bons antecedentes e trabalha, isto significa que ela pode ficar solta. Porque, na nossa lei, a prisão é uma garantia para o processo, para que chegue ao fim. A gravidade não é motivo, sozinha, para a decretação da prisão. Isto para o flagrante. Imagina, então, alguém que já responda em liberdade e você ter de prender ao final? No nosso sistema, você só é considerado culpado depois do trânsito em julgado da decisão. Há recursos e mais recursos, isto pode levar anos.

Debate

Se a população não concorda com algumas considerações da nossa lei, isto deveria ser objeto de debate e ser levado ao Legislativo. Não existe esse debate com a sociedade de qual tipo de sociedade queremos ter. Hoje, temos uma sociedade muito permissiva em relação ao cometimento de crimes e à punição desses crimes.

AN – Há momentos em que o magistrado se sente impotente?
Karen
 – Todos que trabalham com a Justiça, seja de um lado ou de outro, em algum momento sente o conflito entre o seu convencimento pessoal e o que a legislação diz. Entendo que, se aquela legislação for constitucional, eu não tenho o direito de não aplicá-la. Não é o meu pensamento que tem de prevalecer sobre a lei. Temos algumas penas adequadas, que não precisam ser aumentadas, legislações que são boas. Não fico em conflito o tempo inteiro. Temos boas leis, o problema é que elas não são cumpridas. Nossos problemas são de estrutura, de pessoal. Principalmente da parte do Executivo.

Comparativo

Joinville tem 28 juízes, titulares e substitutos. A Capital tem 68. Aqui, a 1ª Vara Criminal, que é privativa do júri, mas não exclusiva, tem 1.996 processos, dos quais 278 são do júri. Na Capital, a vara é exclusiva do júri e tem 170 processos. Como que a gente pode prestar um trabalho com a qualidade que se espera? Temos a mesma quantidade de juízes que Tubarão, Lages. Isto é histórico. Joinville sempre foi deixada de lado pelo Estado em todos os órgãos. O cível é abandonado, o criminal é abandonado. A gente acaba enxugando gelo, com quase um terço do efetivo. Joinville precisaria do dobro de juízes. E qualquer vara nova que venha tem de ser cível. Lá, a demanda é maior. Mas temos demanda para uma vara privativa do júri, mas é um sonho que duvido que será realizado.

AN – A senhora tem preocupação particular com a imagem das corporações policiais.
Karen
 – A polícia é a profissão que põe a vida em risco. Existe corrupção? Existe, assim como em todos os meios. Mas parece que, no Brasil, existe uma tendência de só dar importância ao policial quando ele faz algo errado. Não se veem homenagens, uma comunidade aplaudindo o trabalho policial. Vejo com preocupação a tendência de pegar um policial ruim e jogar essa imagem para toda uma corporação extremamente dedicada, que trabalha sem estrutura, com efetivo absurdamente abaixo do ideal. E colocam o peito na rua para defender a população, em troca da falta de reconhecimento e de um salário baixo. Temos que aprender a valorizar nossos heróis.

AN – Joinville alcançou um recorde de homicídios no ano passado, que pode ser superado neste ano. Como a senhora avalia os números?
Karen
 – Há uma ligação direta com a sensação de impunidade. Não temos efetivo policial para investigar ou para colocar na rua e prender. Eles (criminosos) sabem disso, é um incentivo ao crime. Se tivéssemos três vezes mais policiais, duvido que tivéssemos esses números. Se tivéssemos a quantidade de policiais que Florianópolis tem nas ruas, não teríamos esses números. Está diretamente ligado ao fato de Joinville estar totalmente deixada de lado no quesito segurança pública. E a tendência é piorar.

AN – Qual o perfil de quem pratica homicídio em Joinville?
Karen
 – Parece que são levas. Cada ano muda o perfil da maioria. A maior parte é vinculada às drogas, isso não muda. Ano passado foi o ano da Maria da Penha. Tivemos um número absurdo de homicídios e tentativas, também de mulheres tentando matar o marido. Neste ano, estamos com uma guerra de facções. As organizações criminosas estão liderando a maioria dos crimes. A criminalidade havia baixado dois anos atrás no Jardim Paraíso porque havia um trabalho de segurança pública naquele local. Depois, isto foi deixado de lado e a criminalidade está voltando.

AN – Como o Judiciário pode dar conta de tantos casos?
Karen
 – Vou continuar batalhando para dar conta, nunca usei o excesso de trabalho como desculpa. Mas talvez alguém tenha que fazer alguma coisa. Se a polícia conseguisse investigar todos os crimes cometidos, não faço ideia do que poderia acontecer com o Judiciário. O trabalho policial é excepcionalmente bem-feito considerando as condições de trabalho. O caso Vitória Schier (adolescente estuprada e morta), por exemplo, teve um trabalho fenomenal, dá para escrever um livro. Há outros casos em que se poderia identificar a autoria se houvesse equipamentos, um banco de dados de DNA, de digitais, o que se vê em filmes.

Câmeras

Coloquem câmeras de segurança. As pessoas estão passando a ser condenadas a partir de imagens das câmeras. A partir do momento em que há condenações com essa prova, eles (criminosos) vão passar a tomar cuidado para não agir onde há câmeras. Desvendamos muito crimes com câmeras.

AN – Qual a sua avaliação quanto à redução da maioridade penal?
Karen
 – Continuo achando que a solução não é diminuir a maioridade. Não acho que colocar esses rapazes de 16 anos, ainda que criminosos, junto do pessoal experiente seja benéfico para a sociedade. O que tem de mudar é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). É preciso tratar de forma diferenciada os crimes graves dos que não são. Os adolescentes que são abusados, sem possibilidades, daquele que é psicopata. Tem que existir um tratamento diferenciado para os jovens que cometem crimes graves. É preciso mudar o ECA, não o Código Penal. Hoje, no Paranaguamirim, crianças de oito a nove anos estão vendendo drogas. Começou a se aplicar mais medidas restritivas aos adolescentes. Aí, agora estão pegando quem não responde mesmo, as crianças. Então, diminuir a maioridade não vai diminuir a criminalidade. Mas se o ECA fosse cumprido à risca, também não seria esse absurdo que acontece hoje.

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