domingo, 16 de novembro de 2014

Polícia que mata, polícia que morre



A recente divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública obteve enorme repercussão junto aos meios de comunicação. E os números referentes à letalidade policial foram os mais impactantes. Nos últimos cinco anos, entre 2009 e 2013, cerca de 1.770 policiais foram mortos em serviço ou fora de serviço em todo o país. E no mesmo período, 11.197 pessoas morreram em confrontos com policiais. São números alarmantes que evidenciam uma triste realidade, qual seja, os policiais brasileiros matam muito como também morrem muito no exercício da profissão. São tanto algozes quanto vítimas da violência.
 
Não é normal que isso aconteça. É inconcebível acreditar que a profissão de policial seja assim mesmo, sujeita a matar ou a morrer. Não é natural tamanha violência no exercício da profissão. A questão que se coloca para reflexão é a seguinte: por que a letalidade policial no Brasil é tão elevada?
 
Parte da resposta está na circulação sem controle das armas de fogo, permitindo que os criminosos as usem com facilidade para perpetrar seus intentos. Com mais armas de fogo disponíveis, a criminalidade torna-se mais violenta. E as situações de confronto armado entre policiais e criminosos tendem a ser mais frequentes, fazendo vítimas em ambos os lados.
 
Outro aspecto do fenômeno diz respeito à cultura policial prevalecente no Brasil. Tanto policiais militares quanto policiais civis aprendem no exercício cotidiano da profissão que o controle do crime deve se dar, preferencialmente, pela lógica do enfrentamento. Policial respeitado não é aquele que faz policiamento preventivo e comunitário, mas aquele que demonstra expertise no manuseio da arma de fogo e no embate com ‘bandidos’. O criminoso é um inimigo que deve ser contido e, se possível, eliminado.
 
Na prática, isso significa maior disposição para matar o oponente em ações operacionais. É óbvio que há variantes dessa cultura policial nas diversas unidades da federação. Em algumas polícias, como são os casos das PMs do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, o ethos guerreiro é mais exacerbado, ao contrário do que se verifica em Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
 
O problema é que a maior violência da polícia induz a maior violência do criminoso. Ele não se intimida com isso, ao contrário, acentua sua predisposição para matar. Cria-se assim um círculo vicioso no qual a letalidade é a regra do jogo.
 
É importante ter em mente que polícia que mata muito não é polícia eficiente. Ela não consegue reduzir a criminalidade e acaba contribuindo para a disseminação da violência na sociedade como um todo. E pior do que isso, os próprios policiais é que sofrem as consequências desse processo, aumentando os riscos da morte no exercício da profissão.
 
Escrito por Luiz Flávio Sapori - Coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUCMinas

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