Corporação abre inquéritos para investigar militares que desviam material médico-cirúrgico
ADRIANA CRUZ
Rio - A atuação de uma máfia em unidades hospitalares da Polícia Militar está sendo investigada pela corporação. O mote do grupo seria o desvio de próteses e material de rouparia. No Hospital da PM em Niterói, foram comprados 13.720 lençóis, mas em auditoria foi constatado o desaparecimento de 9.620 deles. A compra lícita, e que teve outros itens, custou um pouco mais de R$ 1 milhão. Três inquéritos policiais militares já foram abertos e até sexta-feira há previsão de mais três. A estimativa é de que o rombo ultrapasse a casa de R$ 10 milhões.
Em paralelo, a corrupção na área da Saúde é investigada também pela Subsecretaria de Inteligência, da Secretaria de Segurança, e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. O sinal de alerta para a PM foi dado com a identificação de fraude em um processo administrativo para a compra por R$ 4,2 milhões de 75 mil litros de ácido peracético — usado para esterilizar material cirúrgico que não ia para o autoclave.
Como o blog ‘ Justiça e Cidadania ’ publicou com exclusividade na terça-feira, a PM pagou, mas não recebeu o produto que seria entregue no Hospital Central da PM (HCPM), no Rio. “Estamos trabalhando para dar uma resposta imediata, mas com responsabilidade”, afirmou o coronel Ricardo Pacheco, subchefe Administrativo do Estado-Maior.
Outra investigação foi aberta para apurar o desvio de stent — prótese implantada para abrir as artérias — no HCPM. Em uma inspeção, foi constatado que a corporação adquiriu lote de aparelhos por R$ 2,1 milhões. Mas 14 deles, avaliados em mais de R$ 100 mil, não foram localizados. “A descoberta da fraude no caso do ácido é apenas a ponta de um iceberg”, afirmou Pacheco.
De acordo com o oficial, estão sendo auditados todos os contratos de agosto do ano passado até agora. O objetivo é analisar os processos administrativos dos últimos cinco anos. O pagamento de todas as compras de material médico-hospitalar é feito pelo Fundo de Saúde da Polícia Militar (Fuspom). O fundo é bancado por militares que têm desconto de 10% do soldo e de mais 1% para cada dependente.
A contribuição não é obrigatória. É do fundo também que saem os recursos para toda a rede hospitalar. Na PM, na Subsecretaria de Inteligência e no Gaeco, pelo menos cinco oficiais foram ouvidos. “As informações colhidas na PM estão sendo repassadas à Promotoria que atua junto à Auditoria de Justiça Militar. Identificamos que há máfia atuando ainda no desvio de material”, explicou Pacheco.
Como funcionou a fraude da compra de ácido
- Pedido
Em 14 de janeiro, há ofício da compra de 75 mil litros de ácido peracético do Hospital Central da PM. O diretor da unidade, coronel Porto Carreiro, nega que tenha assinado o documento.
- Tramitação errada
Sem explicação, o pedido não passou pela Diretoria Geral de Saúde. Foi direto para o então gestor do Fuspom, que à época, era o coronel Décio Almeida. Antes de assumir o cargo, foi subdiretor do Hospital Central da PM.
- Notas fiscais
No caso da compra dos 75 mil litros de ácido peracético, há duas notas de recebimento do produto, embora não tenha sido entregue. Nelas, há erros graves de assinaturas. No dia 17 de março, duas militares teriam assinado a nota. Mas o número do RG não bate com os nomes das policiais. E mais: na nota do dia 31 de março, as assinaturas, que seriam das mesmas militares são completamente diferentes das que constam na nota do dia 17.
- PM não recebeu ácido
Apesar de ter pago R$ 4, 2 milhões, a PM garante que não recebeu o produto. O HCPM não tem sequer como armazenar 75 mil litros de ácido peracético. Para isso, seriam necessários cinco caminhões pipas ou 15 mil galões de cinco litros.
- Apuração
Há investigação na PM e também na Subsecretaria de Inteligência, da Secretaria de Segurança, e no Gaeco, do Ministério Público do estado.
Notas fiscais vão ser periciadas
O inquérito policial militar (IPM) que apura a fraude na compra de 75 mil litros de ácido peracético está guardado em um cofre no Quartel General da PM. A suspeita de falsificação de assinaturas no pedido de compra e de recebimento do produto nas notas ficais vai levar a uma perícia.
“Os exames são necessários e muito importantes”, explicou Ricardo Pacheco. A fraude foi descoberta quando o comando da PM substituiu o então gestor do Fuspom coronel Décio Almeida pelo tenente-coronel Castro Neto. Na terça-feira, o coronel Décio prestou depoimento ao responsável pelo IPM, coronel Wolney Dias, que está subordinado à Corregedoria da corporação.
“Quando o Castro Neto assumiu, identificou a fraude”, explicou Pacheco. A partir daí, as auditorias em outras unidades começaram. Os oficiais que atuam na comissão visitam os hospitais, munidos com os processos administrativos de compras, e checam se os produtos estão realmente nas unidades.
“É preciso entender que identificamos a fraude até agora em um processo administrativo, mas estamos também apurando desvios. São duas coisas diferentes. Vamos a fundo”, afirmou Pacheco. Os relatórios das inspeções contam com fotografias de almoxarifados, notas fiscais de recebimento dos materiais comprados e os contratos com as empresas fornecedoras.
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