segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Fato de ser PM não afasta vínculo empregatício de vigilante com Igreja Universal

CONTRATO VERBAL
Preenchidos os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — trabalho prestado de forma pessoal, não eventual, subordinado e remunerado —, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre um policial militar e uma instituição privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.
O entendimento, pacificado na Súmula 386 do Tribunal Superior do Trabalho, fez com que o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul mantivesse sentença que reconheceu o vínculo empregatício entre um brigadiano e a Igreja Universal do Reino de Deus.
Testemunhas arroladas pelas duas partes no processo judicial deixaram claro que a prestação de serviços de vigilância não era um simples ‘‘bico’’. E mais: para poderem folgar, os vigilantes tinham que avisar ao pastor e ainda providenciar um ‘‘folguista cadastrado’’.
O colegiado também acolheu o recurso do autor para enquadrá-lo na condição de vigilante, conforme dispõe a Lei 7.102/1983. ‘‘O fato de a demandada [Universal] não se tratar de empresa de vigilância não descaracteriza o enquadramento do autor nessa função, pois trata-se de categoria profissional diferenciada, cujo enquadramento se dá pela profissão exercida, e não pela atividade preponderante da empresa’’, registrou o acórdão, reformando a sentença.
‘‘Assim, demonstrados os requisitos para configuração da relação de emprego, nenhuma reforma merece a sentença no aspecto, inclusive quanto à determinação de anotação do contrato de trabalho na CTPS [Carteira de Trabalho e Previdência Social] do autor, consectário do reconhecimento do vínculo’’, disse em seu voto o relator dos recursos, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, da 2ª Turma, na sessão de julgamento do dia 7 de outubro.
A reclamação trabalhista narra que o autor trabalhou como vigia para a Igreja Universal do Reino de Deus em Porto Alegre, no período de junho de 2000 a abril de 2010, quando se deu a dispensa imotivada. Como nunca assinou o contrato de trabalho, pediu o reconhecimento de vínculo empregatício e o pagamento de todas as verbas a que tem direito na indenização rescisória: vantagens da categoria dos vigilantes — diferenças salariais, adicional de risco de vida, anuênios, indenização a título de seguro de vida, multa pelo descumprimento de cláusulas normativas, lanche e vale-refeição, diferenças salariais pelo trabalho em escolta —, horas extras — inclusive pela redução da hora noturna —, adicional noturno, repousos e feriados trabalhados, vale-transporte, gratificações natalinas, férias e Fundo de Garantia, entre outros.
O autor ainda requereu indenização por danos morais e por ‘‘dumping social’’. O termo define as agressões reiteradas à legislação trabalhista e que, por consequência, geram prejuízos aos concorrentes e danos à sociedade como um todo.
A juíza Luísa Rumi Steinbruch, da 15ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, julgou a demanda parcialmente procedente, por entender que as testemunhas do autor e as levadas pela parte ré confirmaram a prestação de serviços, embora não soubessem com precisão os marcos inicial e final da relação trabalhista. ‘‘Pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade se fizeram presentes na relação estabelecida pelas partes, o que corresponde a verdadeiro contrato de emprego. Como não existem elementos de prova claros quanto aos termos inicial e final exatos do contrato, fixo a admissão em 01/06/2000 e o último dia de trabalho em 01/04/2010’’, escreveu na sentença.
A julgadora, no entanto, não reconheceu o serviço prestado na condição de vigilante, porque o enquadramento sindical, a seu ver, se dá a partir da atividade preponderante do empregador — e uma igreja não é empresa de vigilância. E, justamente por ser igreja e não empresa, o empregador também não poderia ser acionado por ‘‘dumping social’’. Afinal, se não está sujeito à concorrência econômica, não se poderia falar em deslealdade pelo descumprimento da legislação trabalhista.
Em face da possibilidade de crime cometido pelo autor — por manter outro trabalho estando na ‘‘ativa’’ —, a juíza determinou o envio de ofícios ao Ministério Público estadual e à Brigada Militar, para as providências cabíveis. ‘‘Determino, ainda, a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, diante da notícia de que a ré mantém trabalhando para si, como empregados e sem registro, policiais militares’’, finalizou.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para a sentença.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2014, 13h12

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