CONTRATO VERBAL
Preenchidos os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — trabalho prestado de forma pessoal, não eventual, subordinado e remunerado —, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre um policial militar e uma instituição privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.
O entendimento, pacificado na Súmula 386 do Tribunal Superior do Trabalho, fez com que o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul mantivesse sentença que reconheceu o vínculo empregatício entre um brigadiano e a Igreja Universal do Reino de Deus.
Testemunhas arroladas pelas duas partes no processo judicial deixaram claro que a prestação de serviços de vigilância não era um simples ‘‘bico’’. E mais: para poderem folgar, os vigilantes tinham que avisar ao pastor e ainda providenciar um ‘‘folguista cadastrado’’.
O colegiado também acolheu o recurso do autor para enquadrá-lo na condição de vigilante, conforme dispõe a Lei 7.102/1983. ‘‘O fato de a demandada [Universal] não se tratar de empresa de vigilância não descaracteriza o enquadramento do autor nessa função, pois trata-se de categoria profissional diferenciada, cujo enquadramento se dá pela profissão exercida, e não pela atividade preponderante da empresa’’, registrou o acórdão, reformando a sentença.
‘‘Assim, demonstrados os requisitos para configuração da relação de emprego, nenhuma reforma merece a sentença no aspecto, inclusive quanto à determinação de anotação do contrato de trabalho na CTPS [Carteira de Trabalho e Previdência Social] do autor, consectário do reconhecimento do vínculo’’, disse em seu voto o relator dos recursos, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, da 2ª Turma, na sessão de julgamento do dia 7 de outubro.
A reclamação trabalhista narra que o autor trabalhou como vigia para a Igreja Universal do Reino de Deus em Porto Alegre, no período de junho de 2000 a abril de 2010, quando se deu a dispensa imotivada. Como nunca assinou o contrato de trabalho, pediu o reconhecimento de vínculo empregatício e o pagamento de todas as verbas a que tem direito na indenização rescisória: vantagens da categoria dos vigilantes — diferenças salariais, adicional de risco de vida, anuênios, indenização a título de seguro de vida, multa pelo descumprimento de cláusulas normativas, lanche e vale-refeição, diferenças salariais pelo trabalho em escolta —, horas extras — inclusive pela redução da hora noturna —, adicional noturno, repousos e feriados trabalhados, vale-transporte, gratificações natalinas, férias e Fundo de Garantia, entre outros.
O autor ainda requereu indenização por danos morais e por ‘‘dumping social’’. O termo define as agressões reiteradas à legislação trabalhista e que, por consequência, geram prejuízos aos concorrentes e danos à sociedade como um todo.
A juíza Luísa Rumi Steinbruch, da 15ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, julgou a demanda parcialmente procedente, por entender que as testemunhas do autor e as levadas pela parte ré confirmaram a prestação de serviços, embora não soubessem com precisão os marcos inicial e final da relação trabalhista. ‘‘Pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade se fizeram presentes na relação estabelecida pelas partes, o que corresponde a verdadeiro contrato de emprego. Como não existem elementos de prova claros quanto aos termos inicial e final exatos do contrato, fixo a admissão em 01/06/2000 e o último dia de trabalho em 01/04/2010’’, escreveu na sentença.
A julgadora, no entanto, não reconheceu o serviço prestado na condição de vigilante, porque o enquadramento sindical, a seu ver, se dá a partir da atividade preponderante do empregador — e uma igreja não é empresa de vigilância. E, justamente por ser igreja e não empresa, o empregador também não poderia ser acionado por ‘‘dumping social’’. Afinal, se não está sujeito à concorrência econômica, não se poderia falar em deslealdade pelo descumprimento da legislação trabalhista.
Em face da possibilidade de crime cometido pelo autor — por manter outro trabalho estando na ‘‘ativa’’ —, a juíza determinou o envio de ofícios ao Ministério Público estadual e à Brigada Militar, para as providências cabíveis. ‘‘Determino, ainda, a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, diante da notícia de que a ré mantém trabalhando para si, como empregados e sem registro, policiais militares’’, finalizou.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2014, 13h12
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