Governo de São Paulo não responde a denúncias de crimes cometidos pela polícia
Ouvidoria da Segurança Pública e entidades sociais reclamam do distanciamento entre a administração estadual e as reivindicações por uma punição mais severa à repressão policial
por Agnes Sofia Guimarães Cruz, especial para a RBA publicado 21/09/2014 12:15, última modificação 21/09/2014 10:58
MARCELO S. CAMARGO/FRAME/FOLHAPRESS
São Paulo – “Vó, estou muito triste”, Débora ouviu do seu neto ao atender o telefone. “O que aconteceu, meu filho?”, ela perguntou, chamando o menino pela forma que remete à relação que tenta ter com ele desde que o seu filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, foi assassinado por policiais no Dia das Mães do ano de 2006.
“Eu tento ser presente, mas é algo muito difícil para mim, pois o sofrimento dele me faz lembrar de tudo novamente e tenho medo de voltar a como eu estava”, conta. Após o período de luto, marcado por uma depressão que não lhe dava vontade para seguir em frente, Débora resolveu canalizar a sua revolta para a criação dos Mães de Maio. O movimento, a princípio, reunia mães de vítimas da chacina cometida naquele mês de maio, em revide a ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital, mas atualmente congrega parentes de vítimas de outros períodos emblemáticos de homicídios cometidos pela polícia.
Parece que, antes de dormir, ela precisa se lembrar dos números. Débora sabe quantas mortes oficiais foram registradas em cada uma das cidades da Baixada Santista, região onde mora e onde seu filho foi assassinado: 15 em Santos, 12 em São Vicente, 29 no Guarujá e uma na Praia Grande. Nessa região, nenhum caso foi julgado. E ainda há uma lista de 30 desaparecidos.
“Não conseguimos sentar com o secretário de Segurança Pública ou com o Governador. Quando ocupamos a Segurança Pública, em 2013, nos enviaram secretários adjuntos e executivos, mas dissemos que não queríamos falar com eles. Alckmin, mesmo, se recusa a conversar sobre os crimes de maio”, relata. A Secretaria de Segurança Pública enviou um dossiê com provas sobre investigações do caso para o movimento, mas, para Débora, a “dança de carimbos”, que arrasta os casos para várias instâncias, não possui o mesmo comprometimento das investigações autônomas realizadas por ela e pelas outras mães.
As Mães de Maio não são as únicas que reclamam sobre a omissão do governador. A Ouvidoria, que faz parte da Secretaria Pública e é responsável por receber denúncias, atua no limite: sem números de investimento direcionados a ela e sem o respaldo público do governo.
“Nunca conversei com o governador”
Recentemente, Elaine Gomes passou a coordenar parte das ações dos seus colegas, depois de quinze anos na Ouvidoria, um emprego que procura deixar restrito à sala de trabalho: “Não sei se todos fazem isso, mas é algo que aprendi nesses anos todos. Evito comentar que trabalho aqui e, ao mesmo tempo, não posso levar os casos para casa. Recebemos muitas histórias terríveis”, explica.
Ao todo, são dezesseis funcionários para denúncias vindas de todo o estado, além de quatro estagiários (três estudantes de Serviço Social e um de Direito). Seis deles ficam ao telefone. No ano passado, foram 60 chamadas diárias, com o registro de 23 delas como denúncias. As demais, segundo Eliane, são prestações de serviços a pessoas que ligam à Ouvidoria e, desconhecendo do que se trata, fazem outras solicitações. A maioria das denúncias chega por e-mail, e no máximo três pessoas, por mês, se encorajam a ir ao prédio para realizar as denúncias.
“Eu tento ser presente, mas é algo muito difícil para mim, pois o sofrimento dele me faz lembrar de tudo novamente e tenho medo de voltar a como eu estava”, conta. Após o período de luto, marcado por uma depressão que não lhe dava vontade para seguir em frente, Débora resolveu canalizar a sua revolta para a criação dos Mães de Maio. O movimento, a princípio, reunia mães de vítimas da chacina cometida naquele mês de maio, em revide a ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital, mas atualmente congrega parentes de vítimas de outros períodos emblemáticos de homicídios cometidos pela polícia.
Parece que, antes de dormir, ela precisa se lembrar dos números. Débora sabe quantas mortes oficiais foram registradas em cada uma das cidades da Baixada Santista, região onde mora e onde seu filho foi assassinado: 15 em Santos, 12 em São Vicente, 29 no Guarujá e uma na Praia Grande. Nessa região, nenhum caso foi julgado. E ainda há uma lista de 30 desaparecidos.
“Não conseguimos sentar com o secretário de Segurança Pública ou com o Governador. Quando ocupamos a Segurança Pública, em 2013, nos enviaram secretários adjuntos e executivos, mas dissemos que não queríamos falar com eles. Alckmin, mesmo, se recusa a conversar sobre os crimes de maio”, relata. A Secretaria de Segurança Pública enviou um dossiê com provas sobre investigações do caso para o movimento, mas, para Débora, a “dança de carimbos”, que arrasta os casos para várias instâncias, não possui o mesmo comprometimento das investigações autônomas realizadas por ela e pelas outras mães.
As Mães de Maio não são as únicas que reclamam sobre a omissão do governador. A Ouvidoria, que faz parte da Secretaria Pública e é responsável por receber denúncias, atua no limite: sem números de investimento direcionados a ela e sem o respaldo público do governo.
“Nunca conversei com o governador”
Recentemente, Elaine Gomes passou a coordenar parte das ações dos seus colegas, depois de quinze anos na Ouvidoria, um emprego que procura deixar restrito à sala de trabalho: “Não sei se todos fazem isso, mas é algo que aprendi nesses anos todos. Evito comentar que trabalho aqui e, ao mesmo tempo, não posso levar os casos para casa. Recebemos muitas histórias terríveis”, explica.
Ao todo, são dezesseis funcionários para denúncias vindas de todo o estado, além de quatro estagiários (três estudantes de Serviço Social e um de Direito). Seis deles ficam ao telefone. No ano passado, foram 60 chamadas diárias, com o registro de 23 delas como denúncias. As demais, segundo Eliane, são prestações de serviços a pessoas que ligam à Ouvidoria e, desconhecendo do que se trata, fazem outras solicitações. A maioria das denúncias chega por e-mail, e no máximo três pessoas, por mês, se encorajam a ir ao prédio para realizar as denúncias.
Durante o primeiro semestre de 2014, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo recebeu 4.191 telefonemas de cidadãos de todo o estado. No mesmo período, em 2013, foram 4.650 denúncias. Números que provavelmente estão aquém das quantidades de denúncia do que a população gostaria de fazer, seja por não conhecer o órgão, seja pelo medo, estampado principalmente no encontro com as fardas dos policiais que frequentam os corredores da Ouvidoria, localizada no mesmo prédio de outros setores da Segurança Pública de São Paulo.
“Já tentei tirar a farda deles. Consegui por um tempo, mas depois de uma declaração que fiz, considerada polêmica, o comando da PM pediu para que voltasse a ser como era”, conta Júlio Fernandes Neves. Advogado e membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, ele assumiu a Ouvidoria em janeiro de 2014, após ser assessor em outras gestões.
“Antes mesmo de ser assessor, ele assumiu um compromisso pessoal de presença, e isso está trazendo um resultado novo, que é o da aproximação com as cidades do interior”, comenta Elaine Gomes. Segundo ela, a ida de Neves para os locais de crimes recentes e de grande repercussão, como a chacina de Campinas em janeiro e a morte em junho da atriz Luana Barbosa em Presidente Prudente, foram dois grandes momentos que confirmam essa aproximação, com o contato pessoal do ouvidor com as comunidades envolvidas, que passaram a ter uma aproximação maior com o canal de denúncias.
Além de a equipe ser muito inferior à demanda, a Ouvidoria não possui orçamento próprio. Para arcar com os gastos, depende dos recursos da Secretaria Pública, para a qual encaminha todos os pedidos, incluindo o de uma segurança terceirizada, solicitada por Neves recentemente para que as vítimas possam realizar as denúncias na sede da Ouvidoria sem a presença dos policiais na portaria.
Para o ouvidor, há um ponto fundamental que explica que o órgão siga passando por dificuldades: o distanciamento do governador. Embora convidado, Alckmin não foi à posse do ouvidor, no começo do ano, e os dois nunca conversaram sobre o trabalho desenvolvido na Ouvidoria. O único encontro foi formal, diante de outras ouvidorias do estado de São Paulo.
Além do efeito de demérito do trabalho do órgão causada pela omissão do governador, Neves acredita que essa atitude reforça a sensação de impunidade à polícia que o discurso da gestão atual causa à sociedade, já que Alckmin evita um posicionamento crítico sobre atos abusivos. “Quando o governador fala algo positivo nesse sentido, o próprio comando da polícia vê isso como uma diretriz que deve ser obedecida. E o policial, totalmente subalterno, não tem outra escolha a não ser seguir as ordens”, lamenta Neves.
“Já tentei tirar a farda deles. Consegui por um tempo, mas depois de uma declaração que fiz, considerada polêmica, o comando da PM pediu para que voltasse a ser como era”, conta Júlio Fernandes Neves. Advogado e membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, ele assumiu a Ouvidoria em janeiro de 2014, após ser assessor em outras gestões.
“Antes mesmo de ser assessor, ele assumiu um compromisso pessoal de presença, e isso está trazendo um resultado novo, que é o da aproximação com as cidades do interior”, comenta Elaine Gomes. Segundo ela, a ida de Neves para os locais de crimes recentes e de grande repercussão, como a chacina de Campinas em janeiro e a morte em junho da atriz Luana Barbosa em Presidente Prudente, foram dois grandes momentos que confirmam essa aproximação, com o contato pessoal do ouvidor com as comunidades envolvidas, que passaram a ter uma aproximação maior com o canal de denúncias.
Além de a equipe ser muito inferior à demanda, a Ouvidoria não possui orçamento próprio. Para arcar com os gastos, depende dos recursos da Secretaria Pública, para a qual encaminha todos os pedidos, incluindo o de uma segurança terceirizada, solicitada por Neves recentemente para que as vítimas possam realizar as denúncias na sede da Ouvidoria sem a presença dos policiais na portaria.
Para o ouvidor, há um ponto fundamental que explica que o órgão siga passando por dificuldades: o distanciamento do governador. Embora convidado, Alckmin não foi à posse do ouvidor, no começo do ano, e os dois nunca conversaram sobre o trabalho desenvolvido na Ouvidoria. O único encontro foi formal, diante de outras ouvidorias do estado de São Paulo.
Além do efeito de demérito do trabalho do órgão causada pela omissão do governador, Neves acredita que essa atitude reforça a sensação de impunidade à polícia que o discurso da gestão atual causa à sociedade, já que Alckmin evita um posicionamento crítico sobre atos abusivos. “Quando o governador fala algo positivo nesse sentido, o próprio comando da polícia vê isso como uma diretriz que deve ser obedecida. E o policial, totalmente subalterno, não tem outra escolha a não ser seguir as ordens”, lamenta Neves.
Alckmin não esconde sua admiração pelo tema da segurança. Sempre que questionado sobre abusos cometidos por policiais, diz que a corporação que comanda mantém postura "firme e legalista". Na última sexta-feira, frente a um vídeo que mostrava um PM assassinando um camelô na Lapa, zona oeste da capital, o governador afirmou que é preciso investigar o caso "com empenho", sem tecer críticas à conduta do agente.
Na disputa eleitoral paulista a segurança vem ocupando papel central, com embates entre Alckmin e seus dois principais adversários, Paulo Skaf (PMDB) e Alexandre Padilha (PT). O governador tem insistido num programa de vigilância por câmeras em fase de testes, o Detecta, sancionou lei que proíbe o uso de máscaras em manifestações e criou este ano várias unidades do Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep), também conhecido como "Batalhão Antiterrorismo", apresentado como a "Rota do Interior".
Sem carta de resposta
Em julho, a Human Rights Watch, organização não governamental de Direitos Humanos, enviou uma carta ao estado de São Paulo pedindo esclarecimentos sobre vinte e seis casos de tortura cometidos por policiais entre 2010 e 2013. No documento há uma solicitação para que o governo realize procedimentos de combate aos crimes policiais, como o “estabelecimento de normas claras exigindo que exames de corpo de delito sejam realizados de forma célere e aprofundada sempre que houver denúncias fundadas de tortura e de tratamento cruel, desumano e degradante”, conforme consta na carta.
Sem carta de resposta
Em julho, a Human Rights Watch, organização não governamental de Direitos Humanos, enviou uma carta ao estado de São Paulo pedindo esclarecimentos sobre vinte e seis casos de tortura cometidos por policiais entre 2010 e 2013. No documento há uma solicitação para que o governo realize procedimentos de combate aos crimes policiais, como o “estabelecimento de normas claras exigindo que exames de corpo de delito sejam realizados de forma célere e aprofundada sempre que houver denúncias fundadas de tortura e de tratamento cruel, desumano e degradante”, conforme consta na carta.
Maria Laura Canineu é diretora da filial da entidade no Brasil. Segundo ela, o governo não enviou uma resposta à organização. Sobre o trabalho dos órgãos de denúncia, Canineu acredita que o vínculo deles com o Estado não traz confiança às vítimas, que não veem diferença entre os canais de proteção e os que as afetam diretamente.
“A ouvidoria oferece um canal importante para que pessoas apresentem denúncias e peçam informações sobre a conduta de policiais, o que contribui para investigações em casos de tortura. Na prática, entretanto, esse canal não supre plenamente a demanda, pois permanece vinculado à mesma instituição acusada direta ou indiretamente dos abusos cometidos.” explica.
A assessoria de comunicação do governo de São Paulo não se manifestou sobre o assunto. A assessoria da Secretaria de Segurança Pública São Paulo também não respondeu se estaria disponível para prestar esclarecimentos.
“A ouvidoria oferece um canal importante para que pessoas apresentem denúncias e peçam informações sobre a conduta de policiais, o que contribui para investigações em casos de tortura. Na prática, entretanto, esse canal não supre plenamente a demanda, pois permanece vinculado à mesma instituição acusada direta ou indiretamente dos abusos cometidos.” explica.
A assessoria de comunicação do governo de São Paulo não se manifestou sobre o assunto. A assessoria da Secretaria de Segurança Pública São Paulo também não respondeu se estaria disponível para prestar esclarecimentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O autor desse Blog não se responsabiliza pelos comentários aqui postado. Sendo de inteira responsabilidade da pessoa que o fez as consequências do mesmo.