segunda-feira, 4 de novembro de 2013

PM mata cinco pessoas por dia no Brasil diz o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013. Que será lançado no dia 05 de novembro.



Polícia mata cinco pessoas por dia no Brasil

Especialistas e parentes de vítimas contestam alegações de legítima defesa

ALESSANDRA DUARTE E CAROLINA BENEVIDES (FACEBOOK - TWITTER)

Gilmara tatuou o nome do filho depois que o rapaz morreu na porta de casa
Foto: O Globo / Márcia FolettoGilmara tatuou o nome do filho depois que o rapaz morreu na porta de casa O Globo / Márcia Foletto
RIO Morto com um tiro à queima-roupa, atestado pelo laudo do Instituto Médico-Legal, Marcelo da Fonseca, então com 29 anos, teria trocado tiros com a polícia em uma operação na Cidade de Deus, no Rio. Teve, então, sua morte registrada como auto de resistência. No Brasil, casos como este, em que homens e mulheres são supostamente mortos em confronto com policiais, vitimam, diariamente, cinco civis. O dado faz parte de um levantamento inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, obtido com exclusividade pelo GLOBO e que fará parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013. Segundo a pesquisa, com respostas de 23 estados, 1.890 pessoas morreram em 2012. No mesmo período, 89 policiais civis e militares foram mortos em serviço em todo o país. A relação foi de 21 civis para cada policial. O FBI, por exemplo, diz que é aceitável, no máximo, a relação de 12 civis mortos para cada policial morto. Organizações internacionais falam em dez civis. As mortes em confronto com a polícia no país serão tema de uma série de reportagens que O GLOBO começa a publicar hoje.
O número é inaceitável. Nos Estados Unidos, que têm população 60% maior que a do Brasil, em 2012, 410 pessoas foram mortas em confronto com a polícia. No México, que tem taxa de homicídio bastante próxima à do Brasil e vive uma guerra civil, a polícia mata menos diz Samira Bueno, secretária executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de mortes deveria ser zero ou perto de zero. Todos os países democráticos têm polícia forte. Mas ter polícia forte significa seguir padrão operacional e protocolos e ter mecanismos de controle para garanti-los. Quando o policial não cumpre o protocolo, ele também é vítima, ele também morre. Sabemos que existem casos em que o policial corre risco ou tem que proteger a vida de outro cidadão e atira. O fórum não se coloca contra a polícia. O que questionamos é se todas as mortes precisam mesmo acontecer.
Gilmara dos Santos tem certeza de que a morte de seu filho Felipe poderia ser evitada. Em abril de 2009, o estudante havia dormido na casa dos avós e decidiu tomar café onde morava com a mãe, o padrasto e os irmãos, no Complexo da Maré. Houvera um confronto durante a noite. Por volta das 10h50m, ele chegou à casa, viu que a mãe não estava e ficou conversando com vizinhos, já que não havia levado a chave.
Eu fui buscar meus filhos na escola, saí um pouco mais cedo nesse dia. Quando voltei, contaram que duas pessoas passaram correndo por onde ele estava, ele se virou para ver o que era, e a polícia atirou. Daí, colocaram uma arma perto dele, o pegaram, jogaram na viatura e levaram para o hospital. Ele morreu, e ficaram dizendo que era bandido, que havia tido troca de tiro, que ele estava numa moto lembra Gilmara, que abriu um processo contra o estado: Contra os PMs, jamais. Tenho meus filhos, meu neto, não quero nada que os prejudique. As testemunhas tinham muito medo, e eu tenho também. Fiquei doente, é muito difícil. Jamais esqueço meu filho, que teria agora 22 anos.
SP, Rio e Bahia: 1.322 casos no ano passado
De acordo com os dados, em números absolutos, São Paulo, Rio e Bahia são os estados onde mais casos de resistência seguida de morte aconteceram. Somados, foram responsáveis por 1.322 mortes. Em SP, ano passado, 563 pessoas foram mortas.
Há uma pluralidade de fatores para explicar estes números. A polícia é tradicionalmente violenta, existe uma cultura de violência, e os controles são inexistentes. Mas a cultura violenta não explica tudo. Em São Paulo, por exemplo, a mera mudança do secretário de Segurança fez cair em 64% o número de mortes em confronto entre janeiro e maio deste ano em relação ao mesmo período de 2012. No Rio, caiu de 1.330, em 2007, para 415 casos no ano passado. Se as polícias começarem a se perguntar que policial querem ter, que treinamento deve ser oferecido, se houver supervisão, controle e punição administrativa e do Judiciário, a tendência é que os números caiam mais diz Theodomiro Dias, advogado, jurista e professor da FGV.
Considerando apenas os nove estados para os quais é possível fazer a comparação entre 2007 e 2012, o número de autos de resistência caiu de 1.834 para 1.165.
Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira reconhece que ter aprimorado e revisto os procedimentos operacionais, dando ênfase às abordagens e também condições para que os lugares de confrontos fossem preservados, foi medida fundamental para que os índices caíssem:
Mudamos também a nomenclatura. Chamar de auto de resistência ou de homicídio já é um pré-julgamento. Adotamos morte em decorrência de intervenção policial. Daí, se não foi legítima defesa, é homicídio. Saber exatamente o que aconteceu é fundamental, porque algumas ações de confronto são legítimas, e outras, não.
Na Bahia, segundo Luiz Cláudio Lourenço, pesquisador do Laboratório sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, do 1º semestre de 2007 ao 1º semestre de 2012, foram registradas 1.639 mortes em confronto com a polícia no estado, um número considerável, afirma. Por lá, diferentemente de outras regiões onde este tipo de confronto é predominantemente com a PM, a letalidade da Polícia Civil é um terço daquela da PM.
De acordo com o pesquisador, o quadro no estado começou a se agravar nos anos 2000, chegando a uma crise em 2009, quando, após transferência de líderes de facções, houve uma onda de violência semelhante à de 2006 em São Paulo:
A última década foram os anos em que mais se prendeu por tráfico de drogas no estado. Com este aumento da população nos presídios, para organizar a vida lá, formaram-se as facções. Elas passaram a disputar poder, o que contribui para uma dinâmica mais violenta, de mais confronto.
Mortes invisíveis
De janeiro de 2012 a setembro de 2013, segundo o Ministério Público da Bahia, foram abertos no estado 208 inquéritos que tratam de resistência à prisão, sendo a maioria de resistência a policiais.
Você não pode deixar a morte de uma pessoa ser esclarecida por um auto, porque o auto é a versão unilateral de uma parte qualificada, que sabe corromper provas. Após um confronto com a polícia, geralmente num bairro humilde, de noite ou de madrugada, ninguém mais passa naquele local, o policial é o dono da situação. No auto, você declara a legítima defesa do policial antes de declarar que houve um homicídio. O que é valorado não é o fato mais grave, a morte, mas a conduta do morto. Muitas vezes, a delegacia nos manda um inquérito para apurar a resistência; mandamos refazer, para que seja feito um inquérito de homicídio. Se não temos pena de morte na Constituição, não podemos ter pena de morte nas ruas afirma o promotor José Emmanuel Lemos, coordenador do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MP da Bahia.
Consultora do Banco Mundial e pesquisadora da área de segurança pública, Adriana Loche diz que a dificuldade de controle da letalidade policial no Brasil é em grande medida explicada pela autonomia que as polícias militares têm, em parte porque são militarizadas, em parte porque há o espírito de corpo da instituição:
Por serem militarizadas, as PMs pensam: como um civil, que no caso é o secretário de Segurança, vai comandar militares? Isso faz a instituição se fechar. E, no caso das investigações das corregedorias da PM, o problema é que elas vão punir o que acham que seja uma violação; e, na sua visão, um policial matar em confronto não é considerado violação, é visto como alguém se defendendo.
Pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, Ignacio Cano lembra que muitas vezes estas mortes são invisíveis.
Qualquer morte tem que ser investigada, mesmo que não haja indício de nada ilícito. O Brasil não pode matar sem defesa, sem julgamento. A lei tem que ser respeitada. No entanto, policiais não são presos em flagrante, as provas técnicas às vezes são inexistentes, as testemunhas têm medo... Então, o promotor pede arquivamento, e o juiz arquiva. Quando vai para julgamento, o morto tem o caráter moral julgado. A presunção é sempre a da culpabilidade diz Cano, lembrando que a violência atinge também policiais. O ciclo de vingança se perpetua.

Fonte: O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O autor desse Blog não se responsabiliza pelos comentários aqui postado. Sendo de inteira responsabilidade da pessoa que o fez as consequências do mesmo.