segunda-feira, 24 de junho de 2013

Lei dá a delegados poder requisitório conferido ao MP





Publicada em 21 de junho de 2013, a lei que aborda a investigação conduzida pelos chefes da polícia judiciária, os delegados de Polícia. Entre a tramitação do PLC 132/2012 e sua concretização na mencionada lei, poucas alterações houve no texto, mas com a confirmação de importantes garantias à persecução realizada pela polícia judiciária.
Dada a relevância do diploma legal, convém tecer comentários sobre o tema de forma analítica.
Artigo 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
A presente lei, como assinala a introdução do artigo primeiro, aborda aspectos atinentes à investigação conduzida pelo delegado de polícia, única autoridade policial com atribuição para proceder a investigações de crimes (não-militares). Assim, delegados das Polícias Civil e Federal têm alguns aspectos de sua atividade regulados pela presente lei.
Artigo 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
A lei reafirma características de que é dotada a atividade desenvolvida pela polícia judiciária. A natureza jurídica pode ser apontada por diversos motivos: a coordenação de investigações é dedicada a delegados de polícia, cujo cargo é privativo de bacharel em direito. Para além disso, os concursos públicos a que são submetidos os candidatos possuem nível de exigência típico de outras carreiras jurídicas como Ministério Público, magistratura e Defensoria Pública. O exercício da atividade profissional, diariamente, é praticado mediante aplicação de leis, entendimento e interpretações jurídicas, utilizando-se de todos os instrumentos dispostos na Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal, Leis Penais e Processuais Penais extravagantes, além de pontos de contato com o Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, além de legislação típica do Direito Administrativo. É função jurídica por natureza.
No que diz respeito à essencialidade, a polícia judiciária é peça fundamental na estrutura do Estado Democrático do Direito. Se o Estado se apresenta na figura do julgador (juiz), do acusador (promotor de Justiça) e do defensor (advocacia pública e privada), é o Estado investigador (delegado de polícia nos crimes não- militares) que se preocupa em apurar a materialidade e a autoria de delitos. Estas funções são extremamente importantes e possuem foco de atuação próprio, proporcionando uma concentração específica de funções que não se deixam contaminar pelos atos próprios de outras instituições ou poderes. O sistema jurídico torna-se multifuncional, havendo um plexo de especializações que se interligam e se complementam através de cada instituição que figura no regime democrático (Poder Judiciário, Ministério Publico, advocacia, polícia judiciária).
Na verdade, este dispositivo parece ser inspirado nos dizeres já cristalizados no artigos 127 à 133 da CF, que mencionam as instituições que exercem funções essenciais. Logo, a investigação levada a cabo pela polícia judiciária é atividade essencial ao Estado Democrático de Direito, pois é a forma pela qual o Estado pode interferir na intimidade, privacidade, limitando certos direitos e garantias por período de tempo em que é necessária a apuração de uma infração penal. Esta atividade é regrada pela Constituição Federal, primeiramente, e pelas minúcias da legislação infraconstitucional.
De outro lado, a investigação é exclusiva de Estado, pois não é dada ao particular a limitação de direitos e garantias individuais e coletivas para apurar o cometimento de infrações penais. O uso da força e, não raro, a limitação ao direito de liberdade são tarefas cometidas precipuamente ao Estado, o qual elegeu o delegado de polícia como primeiro avaliador sobre a legitimidade de detenção de seus cidadãos (decisão sobre a autuação de flagrante delito). Como referido, o Estado-investigador não delega tal tarefa a um particular, mas a um bacharel em direito, aprovado em concurso público, que exerce o cargo de delegado de polícia, a quem compete dirigir a atividade da polícia judiciária (artigo 144, CF).
Parágro 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Reafirma-se quem é autoridade policial: o delegado de polícia. Não existe qualquer outra autoridade considerada “policial”. Os escalões da Polícia Militar que têm atribuição para investigar crimes militares não são considerados como autoridades policiais em sentido técnico, pois esta designação é própria daquele que conduz investigações atinentes à condução da polícia judiciária.
De outro lado, a lei estabelece que as investigações criminais conduzidas pela autoridade policial serão feitas por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei. O inquérito policial, previsto no artigo 4º do Código de Processo Penal, é o procedimento investigativo por excelência. É o principal instrumento à disposição do Estado-investigação. Entretanto, não é o único. Quanto à expressão “ou outro procedimento previsto em lei”, que recebeu algumas críticas quando da tramitação do PCL 132 em função de sua alegada abstração, suscitando-se a sua inconstitucionalidade, tem-se que o vício não se manifesta. A lei não necessita trazer um rol fechado de instrumentos de investigação. Restou claro, com isto, que a polícia judiciária dispõe de outros meios de investigação que não necessariamente precisam estar previstos na presente lei. Exemplo disto é a possibilidade de apuração de fatos utilizando a verificação prévia de informações (VPI), prevista no artigo 5.º, parágrafo 3º do CPP, bem como do Termo Circunstanciado, previsto na Lei 9.099/1995. O que faz a lei, com muita propriedade, é dizer que o inquérito policial não é o único instrumento de que se vale a polícia judiciária, podendo valer-se de outros, desde que devidamente previstos em lei. Isto preserva o princípio da legalidade a que está adstrita a Administração Pública, bem como preserva garantias constitucionais dos cidadãos, os quais só podem ser investigados e privados de seus bens e direitos, ainda que temporariamente, através de expediente previsto expressamente no ordenamento jurídico.
Parágrafo 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
A lei traz um grande instrumento para a atuação da autoridade policial. O poder requisitório de perícias, documentos, informações e dados é de extrema importância diante da celeridade requerida na apuração de certas infrações criminais. Antes da lei, a polícia judiciária limitava-se a requerer dados e informações de forma não-coercitiva. Somente com a colaboração espontânea e, muitas vezes, decorrente do desconhecimento sobre a falta de obrigatoriedade é que havia entrega de documentos e dados para as investigações. Não há que se olvidar, entretanto, as medidas que, não obstante o poder de requisição, estão sujeitas à prévia autorização judicial, como por exemplo, a quebra de sigilo de dados bancários e telefônicos.
Não há relação de subordinação, mas sim, de atendimento a uma ordem emanada de autoridade estatal com poderes legalmente previstos para tanto. Delegados de polícia têm, agora, o poder requisitório que já é conferido à magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública.
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Thiago Solon Gonçalves Albeche é delegado de Polícia do Rio Grande do Sul. Professor Universitário.
Revista Consultor Jurídico, 24 de junho de 2013

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