terça-feira, 28 de agosto de 2012

Delegada manda soltar oito suspeitos, presos por tráfico de drogas em uma operação do Ministério Publico em parceria com a Brigada Militar, para a delegada PM não poderia cumprir mandados de busca nem monitorar conversas telefônicas.

Polícia Civil e Ministério Público brigam sobre direito de investigar crimes no Estado

As duas instituições voltaram a se estranhar na quinta-feira depois de oito suspeitos, presos por tráfico de drogas em uma operação do MP, serem liberados pela Polícia Civil

Enquanto a lei segue inalterada no Congresso e o tema não é pacificado na Justiça, a Polícia Civil e o Ministério Público (MP) continuam em guerra pelo direito de investigar crimes no Rio Grande do Sul.

As relações entre as duas instituições voltaram a azedar na quinta-feira depois de oito suspeitos, presos por tráfico de drogas em uma operação do MP em parceria com a Brigada Militar, serem liberados na 3ª Delegacia de Pronto Atendimento da Polícia Civil, na Capital.

Embora a delegada Ana Luiza Caruso tenha justificado a medida sob o argumento de ilegalidades na captura dos suspeitos, afirmando que a BM não poderia cumprir mandados de busca e monitorar conversas telefônicas, para o MP o motivo da soltura faz parte de uma postura bem mais abrangente: um ranço da Polícia Civil pelo fato de o MP ter realizado a investigação.

Independentemente de quem tem razão, o assunto é polêmico e gera debates pelo país. Na Câmara dos Deputados, uma comissão especial discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37, que dá poderes de investigação exclusivos para as polícias Civil e Federal. E, no Supremo Tribunal Federal (STF), tramitam ao menos oito ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema.

– A Constituição não diz expressamente que o MP pode investigar, mas deu poderes para denunciar crimes, e existem duas decisões da 2ª Turma do STF entendendo que, se o MP tem poderes para acusação, precisa dos meios para isso. Assim, implicitamente, poderia investigar – diz o advogado Otávio Piva, professor de Direito Constitucional das escolas superiores da Magistratura, da Magistratura Federal e a do Ministério Público.

Segundo Piva, a Corte ainda não se posicionou em definitivo e, enquanto o Plenário do STF não julgar, seguirá a confusão. Particularmente, Piva entende que o MP está certo:

– É preciso abrir mão dessa briga de beleza para o bem da sociedade.

Para especialista, divergências trazem prejuízos à sociedade

Alexandre Wunderlich, também advogado e professor de Direito Penal e Constitucional na PUCRS, é contra o MP investigar, mas admite que essa posição tem sido derrotada no STF e no Tribunal de Justiça do Estado.

Mesmo avesso ao poder investigativo do MP, Wunderlich afirma que, quando vai a campo, o MP faz um trabalho mais qualificado do que o dos policiais.

– No MP, os controles são mais rígidos, os advogados se sentem mais seguros, não ficam tão vulneráveis, sem negativas de acesso aos autos. A estrutura do MP é mais organizada, talvez porque seleciona o que vai investigar, enquanto a polícia tem de atuar em tudo – afirma o criminalista.

Conforme o sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a briga só traz prejuízos:

– Quando isso acontece, a sociedade se sente menos protegida e passa a confiar menos nas instituições de segurança.

As atribuições

BRIGADA MILITAR

Tem função de polícia ostensiva e preventiva, atuando nas ruas para evitar crimes e preservação da ordem pública. Não tem poder de investigação nem de realizar escutas telefônicas (a não ser quando se trata de crimes cometidos por PMs). Ao capturar um suspeito, a BM conduz à Polícia Civil para elaborar o inquérito policial.

POLÍCIA CIVIL

Apura infrações penais, exceto as militares e as de competência da União (atribuição da Polícia Federal). A partir da captura de um suspeito ou de registros de ocorrências, investiga crimes, elabora inquérito apontando suspeitos e o remete para apreciação do Ministério Público.

MINISTÉRIO PÚBLICO

Recebe o inquérito policial, analisa as provas e, dependendo do conteúdo, denuncia o suspeito à Justiça, manda arquivar o caso por falta de provas ou devolve o inquérito à Polícia Civil, pedindo novas investigações. É comum promotores darem sequências nas investigações para melhorar a qualidade do inquérito ou, por iniciativa própria, abrir inquéritos, independentemente da polícia, pois há entendimentos no STF de que o MP tem poder para isso.

O que pensam

Coronel Sérgio Roberto de Abreu, comandante-geral da Brigada Militar

Não vejo ilegalidade da BM em cumprir mandados, pois há um termo de cooperação de combate à criminalidade firmado pelo governador do qual fazem parte a BM, a Polícia Civil e o MP. A BM não faz investigação criminal, nem escutas, a não ser quando faz parte de uma estrutura conveniada como a existente.

Ranolfo Vieira Junior, chefe da Polícia Civil

Não tenho conhecimento do caso e por isso não posso avaliar se a decisão dela (delegada que liberou presos) foi certa ou errada. O promotor já me ligou antes, mas eu disse que não posso obrigar um delegado a lavrar ou não flagrante, como não posso ligar para ele pedindo para denunciar ou não alguém.

Marcelo Dornelles, subprocurador-geral para Assuntos Institucionais do MP

Vejo esse assunto com muita preocupação. Isso tem acontecido de forma reiterada. Duas vezes eu liguei direto para o chefe de Polícia e isso nunca se resolve. Vou procurar a Secretaria da Segurança Pública. O prejuízo é da sociedade. Está muito clara a postura de ser contra o trabalho do Ministério Público ajudado pela Brigada Militar. É uma disputa de classe pelo poder de investigar.

Discórdia entre autoridades

Casos recentes que colocaram em lados opostos o Ministério Público e a Polícia Civil no Rio Grande do Sul:

PORTO ALEGRE

— Em fevereiro de 2010, o então secretário municipal de Saúde, Eliseu Santos, é assassinado a tiro no bairro Floresta (foto ao lado). A Polícia Civil concluiu que o caso foi uma tentativa de assalto, mas dois promotores comandaram uma investigação à parte e apontaram homicídio premeditado, encomendado por pessoas prejudicadas em processo licitatório envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde.

IJUÍ

— O Tribunal de Justiça anulou processo criminal contra uma suspeita de tráfico. O desembargador Nereu Giacomolli entendeu que foi ilegal o pedido do MP para que a BM cumprisse mandado de busca e apreensão em uma residência em novembro de 2011. Giacomolli mandou liberar a suspeita por entender que o mandado só poderia ser cumprido pela Polícia Civil. Policiais civis cumpriram novo mandado, e a mulher voltou à prisão.

GRAVATAÍ

— Em dezembro de 2011, a BM prendeu sete suspeitos de tráfico. Eles foram detidos durante o cumprimento de 32 mandados de busca e apreensão, expedidos pela Justiça, a pedido do MP. Considerando que houve abuso de PMs que conduziram os presos até um sítio para identificação antes de levá-los à delegacia, o delegado plantonista Júlio Fernandes Neto decidiu não autuá-los em flagrante. Os suspeitos foram soltos.

Fonte: zero hora

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