sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Cuidado você pode estar sendo investigado.

Patrimônio incompatível

Delegado é acusado de deixar de investigar policial


Não é apenas o Judiciário que resiste às investigações em torno de sinais exteriores de riqueza. Em outras corporações a mesma resistência ocorre no dia-a-dia, sem ser tornanda pública. Um exemplo é a Polícia Federal. Na Superintendência do Rio de Janeiro, o delegado Robson Papini Mota propôs o arquivamento do Inquérito 24/2011 da Delegacia de Crimes Financeiros depois de apenas e tão somente ouvir o investigado, o agente de Polícia Federal Carlos Alberto Rodrigues dos Santos, que entre seus bens tem lancha, moto, jet ski e casa de praia.

Para o procurador da República Marcelo Freire — que recusou a proposta de encerrar a investigação — “considerar natural que um agente de Polícia Federal em algum momento ostente em seu patrimônio uma lancha avaliada em cerca de R$ 170 mil, sem apurar os fatos com rigor, é uma afronta à sociedade organizada, um desrespeito ao cidadão que paga seus impostos e exige probidade na atuação dos servidores públicos”.

O agente já foi denunciado (Processo 2010.51.01.810412-8, da 3ª Vara Federal Criminal) em outubro de 2010, por corrupção passiva, por cinco vezes. Ele foi acusado de receber propina do ex-procurador da Fazenda Nacional, Glênio Guedes.

Segundo a acusação, quando lotado na Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, ele ajudou ao procurador vazando informações para atrasar a tramitação do Inquérito 1.125/2006 no qual o Guedes era investigado por crimes de falsidade ideológica, tráfico de influência, corrupção ativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Ao investigarem o atraso no Inquérito 1.125/2006, policiais da Divisão de Contra Inteligência da Polícia Federal fotografaram Santos e o agente Sérgio Retto com pacotes de dinheiro que teriam recebido do auditor da Receita Federal Jorge Alves Ferreira, apontado como intermediário de Guedes.
Também levantaram informações de que Carlos Alberto Santos possuía um patrimônio suspeito para ser mantido apenas pelos vencimentos recebidos do Departamento de Polícia Federal.
Além do apartamento em que mora com a família, nos últimos anos, ele amealhou ao seu patrimônio um Jet Ski Sea-Doo GTX-800, jamais declarado à Receita, uma casa na praia de Muriqui, município de Mangaratiba, e a lancha Star Fish II.

Com estes dados, o procurador da República do Rio, Marcelo Freire — recentemente promovido a procurador regional junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília — requisitou, em dezembro de 2010, a investigação em torno do possível enriquecimento ilícito e de lavagem de dinheiro por parte do policial.

Somente em 17 de abril o Inquérito 24/2011 foi instaurado. Ele passou pelas mãos de dois delegados até que, em 22 de agosto, foi entregue ao delegado Robson Papini Mota, ex-chefe do núcleo de Disciplina da Corregedoria da Superintendência do DPF no Rio.

Papini, junto com o ex-superintendente Ângelo Fernandes Gioia e o ex-corregedor regional, Luiz Sérgio de Souza Góes, foram denunciados por Freire e pelo procurador da República Fábio Seghese, também em dezembro de 2010, por improbidade administrativa, na 18ª Vara Federal. Eles também são acusados de denunciação caluniosa, coação no curso do processo e abuso de autoridade, na 8ª Vara Federal Criminal.

Os três são acusados de perseguirem delegados federais que prestaram depoimentos em Inquérito Civil Público instaurado pelos mesmos dois procuradores para investigar a ação da Superintendência do Rio do DPF no combate ao crime organizado.

O depoimento

O único ato do inquérito praticado por Papini foi o depoimento do agente policial suspeito. Embora ele seja lotado na própria superintendência, o interrogatório só ocorreu em 8 de novembro, dois meses e meio após o delegado assumir a condução do inquérito. A maior parte do depoimento foi gasta com o agente federal se defendendo das acusações que lhes foram feitas no processo 2010.51.01.810412-8, da 3ª Vara Federal, no qual responde pelo crime de corrupção passiva.

Dois dias depois de interrogar o suspeito, Papini relatou o inquérito propondo o seu arquivamento, uma vez que “não restou apurado que o servidor (...) tenha cometido o crime de lavagem de dinheiro (...) tendo em vista a inexistência de indícios de evolução patrimonial incompatível (...) bem como não restou evidenciado qualquer incremento patrimonial do referido agente da Polícia Federal sem lastro, ou seja, a descoberto”.

No interrogatório, o policial diz que vendeu uma lancha — Star Fish II — para que pudesse comprar, junto com seu cunhado, a lancha Sea Way I, avaliada em R$ 100 mil. Alegou que o jet sky, como é antigo e de pequeno valor (R$ 10 mil), não é comum fazer o seu em nome do proprietário, pois a embarcação é sempre vendida e revendida. Explicou também que “como não tem grandes gastos, teve condições de adquirir uma lancha em parceira com seu cunhado, bem como o imóvel de Muriqui, em parceria com seu sobrinho”.

Como lembrou o procurador da República Freire ao rejeitar a proposta de arquivamento do inquérito, o delegado sequer questionou o nome dos parentes do policial com os quais o policial alegou ter adquirido a lancha e a casa de Muriqui. Mas o delegado fez questão de registrar a defesa do policial sobre as acusações do outro processo: “o agente de Polícia Federal não tem acesso direto a nenhum inquérito em tramitação numa delegacia”, declarou.

Depois de afirmar que “não existe qualquer referência à possível participação de familiares do agente Carlos Alberto Rodrigues dos Santos na suposta organização criminosa, visando acobertar bens adquiridos pelo agente Carlos Alberto Rodrigues dos Santos de forma ilícita”, Papini alegou que em um inquérito “não temos poder para determinar que seus parentes (do investigado) sejam obrigados a apresentar informações de caráter pessoal e financeiro, conforme requisitado pelo MPF, por meio do ofício de instrução deste inquérito, pois estaríamos, em tese, expondo desnecessariamente toda a família do investigado, o que é imoral e tornaria as investigações ilegais”.

E concluiu: “Em sede de inquérito policial não nos é permitido fazer uma devassa na vida financeira de parentes do agente da Polícia Federal Carlos Alberto Rodrigues dos Santos, pois estaríamos indo além do permitido em lei.”

Investigação de parentes

Em ofício encaminhado ao superintendente do DPF no Rio, Wlamir Lemos, o procurador Freire rejeitou a proposta de arquivamento do inquérito e bateu duro no delegado que presidiu a investigação solicitando a sua substituição “uma vez que o DPF Robson Papini Mota, acusado pelo MPF de práticas de delitos funcionais (...) lavrou de forma prematura, no entendimento do Parquet, relatório final para o arquivamento dos autos apuratório referido sem realizar diligências imprescindíveis para o correto esclarecimento dos fatos”.

Desconfiado, pede informações se o delegado Papini e o APF Santos já trabalharam conjuntamente em alguma delegacia especializada. Para ele, o inquérito foi relatado de forma açodada, “tendo o DPF Papini tomado como verdadeiras as afirmações do APF Carlos Alberto sem investigá-las da forma devida, desconsiderando o trabalho de investigação feito pelo DIP/DPF (diretoria de Inteligência Policial)”.

Freire também questiona a falta de investigação sobre os parentes do policial: “É fato notório que criminosos se utilizam de parentes para ocultação de bens e valores obtidos com atividades ilícitas, em especial quando se trata de crime de corrupção, sendo incorreta a conclusão lavradas pela autoridade policial”.

Comentando o fato de o policial alegar que adquiriu os bens com os parentes, Freire questiona e ele mesmo responde: “não é dever da autoridade policial perquirir se tais parentes possuem de fato disponibilidade financeira para adquirir tais bens? Evidente que sim. Quem são estes parentes? Não sabemos porque a autoridade policial sequer perguntou ao investigado quando ele foi ouvido em sede policial.

Por fim, antes de relacionar todas as diligências necessárias — avaliação dos bens móveis e imóveis, verificação da evolução patrimonial dos parentes, verificação das transações mobiliárias e imobiliárias feitas pelo investigado, novo depoimento do policial assim como de quem vendeu os bens para ele — o procurador bate firme no delegado que, segundo ele, no lugar de investigar, “fez ilação absurda e caluniosa de que o MPF estaria perpetrando ilegalidades”.

Processo 0803142-24.2011.4.02.5101, da 2ª Vara Federal Criminal
Marcelo Auler é jornalista.

Revista Consultor Jurídico, 29 de dezembro de 2011

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