segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A abordagem policial na visão de um Soldado de Polícia e Bacharel em Direito.



ABORDAGEM POLICIAL: A BUSCA PESSOAL E SEUS ASPECTOS LEGAIS.

Kim Nunes[1]
Orientado por Everardo Yunes[2]

Resumo: A busca pessoal é ato realizado pela Policia Militar que, diariamente, utiliza este procedimento como instrumento de promoção da segurança pública. Contudo, a utilização deste meio de proteção atinge determinados direitos individuais, instituindo assim, conflitos entre o direito da coletividade e a observância do princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, a subjetividade do elemento “fundada suspeita” fornece lastro para diversas interpretações, o que possibilita a realização de atos lesivos aos direitos do cidadão, sob o manto de fundamentações ilegítimas.

Palavras-chaves: Abordagem policial, busca pessoal, fundada suspeita.

Introdução.

A Polícia Militar exerce sua função inibidora e repressora de atos criminosos por meio de instrumentos que auxiliam o combate ao crime. Neste contexto, encontra-se inserida a busca pessoal, que remete a relação Estado/cidadão a uma fronteira delicada, onde direitos são tolhidos em nome da coletividade e da paz social. Apesar de sua importância, existem poucos estudos e referências sobre o tema, optando, o Código de Processo Penal, por enfatizar a busca domiciliar, subsidiando a prática diária, incontável e constante da abordagem. O imediato trabalho tem o intuito de apresentar a busca pessoal em abordagens policiais militares e suas limitações, bem como, analisar o arcabouço jurídico que sustenta esta ação, o entendimento dos tribunais quanto à interpretação e aplicação do ato de abordar, os principais argumentos quanto a sua suposta lesividade e as considerações sobre seus requisitos de validade, ponto essencial do tema, lastreado de subjetividade pela “suspeição fundamentada”, que possibilita interpretações desvirtuadas do instrumento, empregando-o em esferas ilegítimas e marginalizando a abordagem perante a sociedade. A escolha do tema é conexa à profissão do autor, que é soldado da Polícia Militar do estado da Bahia, lotado no Batalhão de Polícia de Choque. Neste diapasão, convivendo diariamente com o instrumento da busca pessoal “aplicada” e presenciando inúmeras abordagens de validade questionável e incabíveis a qualidade de representante do estado, surgiu a urgente necessidade de uma reflexão profunda sobre o tema, fato que, excetuando-se ponderações extremamente superficiais, não foi proporcionado pela instituição durante três anos e meio de vida militar. Assim, analisando essa desatenção de um ato importante, que lida com invasões aos direitos individuais dos cidadãos e a limitação de direitos constitucionalmente protegidos, buscou-se entender o instrumento, sem esgotar o tema, erguendo-o da obscuridade, a fim de revelá-lo a sociedade e possibilitar futuras discussões. Com o fulcro principal de eliminar esses episódios de incertezas, zelando sempre pelo cidadão, sua dignidade e a preservação de seus direitos, é que surge o presente estudo, abordado através do método hipotético-dedutivo, servindo-se de pesquisas bibliográficas, artigos científicos publicados na internet e jurisprudências. Ex positis, a análise da matéria possui grande pertinência, e alude a uma velha desinteligência social: a Polícia versus o Cidadão.

Dos elementos que cercam a abordagem.


Jean-Jacques Rousseau afirma em sua obra que a ordem social é estruturada por convenções, e, destas, surge o contrato social, onde, em benefício da vida em coletividade, o homem abdica de sua liberdade natural e adquire liberdade civil, possibilitando a convivência em sociedade[3]. Na efetivação da abordagem pessoal, o Estado, que é convencionado e legitimado por seus cidadãos, adota a restrição de determinados direitos e liberdades civis, em proveito de uma ação que garantiria a segurança pública, um dos valores supremos da sociedade. Para isso, a Constituição Federal Brasileira confere garantias quanto à regência da segurança pública através do caput do artigo 5º[4], e, posteriormente, por meio do capítulo terceiro, exclusivo a segurança, que a define como direito e dever de todos, cujo objetivo principal é a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através de órgãos específicos. Dentre estes órgãos, a Polícia Militar, com definição de sua competência através do parágrafo 5º, artigo 144:

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Para realizar esta atribuição, os policiais militares utilizam-se do poder de polícia, que, segundo Bandeira de Mello, é “a atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos[5]”. Deste modo, o poder de polícia é instrumento de restrição de direitos individuais em prol da coletividade, como visto no artigo 78 do Código Tributário Nacional:

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Partindo da instrumentalização do poder de polícia, a realização da abordagem, que é manifestação estatal, representa o surgimento de ato administrativo que, como aponta Bandeira de Mello, deve respeitar os requisitos essenciais de finalidade, competência, motivo, forma e objeto[6], ou, como acrescenta Álvaro Lazzarini,

O Policiamento ostensivo é uma modalidade de “polícia de manutenção da ordem pública”, exclusivo da Polícia Militar, por força da legislação federal pertinente, inclusive, de natureza constitucional. O “ato de Polícia Administrativa” ou “ato de polícia preventiva”, como exteriorização do Poder de Polícia da Administração Pública, tem a mesma infraestrutura de qualquer outro ato administrativo. Nele se encerra a manifestação do “Poder de Polícia” e, assim, para ser válido, o “ato de polícia” deve partir de órgão competente, tendo em vista a realização do bem comum, observando a forma que lhe for peculiar e que poderá ser a escrita, verbal ou simbólica, tudo diante de uma situação de fato e de direito que diga respeito à atividade policiada, devendo, finalmente, ser lícito o seu objeto[7].

Assim, a abordagem policial serve de instrumento ao Estado para realizar a finalidade pública de segurança. Finalidade esta, que deve permear toda a concretização do ato de abordar, desde a formação da conduta suspeita, até o objetivo imutável de promover a segurança e de proteger a sociedade, que é o fim deste ato de interferência.
Anterior às observâncias expostas, impera absoluto entre os elementos marginais a abordagem, o Princípio da Legalidade, convencionado no artigo 5º, inciso II da Constituição, orientando que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão por lei, norteando os seus limites e condições, pois, atendendo a legalidade na fundamentação e na forma de realização da busca pessoal, não se atinge sua utilização desvirtuada. Nas palavras de Alexandre Resende, “O Princípio da legalidade é a expressão maior do Estado Democrático de Direito, a garantia vital de que a sociedade não está presa às vontades particulares, pessoais, daquele que governa[8]”, ou, englobando a abordagem, daquele que recebe poderes do Estado para proteger os cidadãos.

Conceito.

Busca pessoal, abordagem pessoal, revista, “dura”, “baculejo”, entre outras expressões, são referências técnicas e vulgares ao ato de procurar, no corpo ou “a borda” do indivíduo realizador de conduta possivelmente criminosa, elementos que comprovem esse comportamento. Segundo Heráclito Antônio Mossin, “usa-se o termo busca pessoal para indicar a procura no próprio corpo da pessoa, ou em seus objetos de uso pessoal, v.g.: Pastas, valises, bolsas; assim como em veículos automotores[9]”. Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto apontam que, “a busca pessoal, ou revista pessoal, realizada no corpo da pessoa, tem por objetivo encontrar alguma arma ou objeto relacionado com a infração penal[10]“, e, de tal modo, condensam a definição de busca pessoal como o ato desenvolvido por autoridade policial, através de exame corporal ou de elementos externos sob a posse do revistado, motivada por fundada suspeita que este traga consigo elementos que comprovem a realização de crimes, devendo ser realizado, devido a sua atuação ofensiva a esfera individual, com a observância da finalidade pública, dos direitos individuais e da razoabilidade em sua feitura, caracterizando abuso ou constrangimento, qualquer excesso a esta interpretação.
O Manual Básico de Abordagem Policial da Polícia Militar da Bahia, em face à contextualização prática da abordagem, ensina que, para a realização da busca pessoal, é necessária a utilização de três técnicas, a saber: a abordagem policial, a busca e a identificação. A abordagem reveste-se quando, materializada a fundada suspeita e tendo por meta a finalidade pública de segurança e proteção da sociedade, os policiais partem para uma aproximação do suspeito, realizando a tomada de posição de segurança, que serve ao policial e ao cidadão abordado, a fim de minimizar eventuais reações, assegurando o próprio abordado quanto a uma interpretação errônea de seus movimentos, que, na surpresa da abordagem, pode ocorrer. Deste modo, realiza-se a busca, posteriormente identifica-se o abordado, informando-o sobre a motivação que despertou a abordagem. Ainda segundo o manual,

Todo ato de abordar deve estar embasado numa motivação legal. Não deve ser um ato isolado do Estado, ali representado pelo policial, arbitrário ou ilegal. Essa motivação deve ser explicitada para o abordado assim que for possível a fim de fazê-lo compreender a ação da polícia, o uso do poder do Estado para limitar ou impedir direitos individuais em prol de um bem maior, de um bem social ou coletivo[11].

Ou ainda, como afirma Miguel, em sua tese de mestrado,

O policial é o agente público que mais representa a manifestação do Estado na preservação da segurança e, mesmo agindo legitimamente, empregando a força, não pode descurar-se dos direitos fundamentais que decorrem os direitos do ser humano, a sua dignidade. Há uma linha tênue entre o uso da força pelo Estado e os Direitos Humanos que pode levar o profissional de segurança pública a ser responsabilizado por sua conduta, quer no plano jurídico interno, quer no externo[12].

Nesta observância de não descuidar dos direitos fundamentais na abordagem, a forma pela qual se realiza a busca orienta-se pela segurança, (tanto do cidadão abordado, como do policial), pelo respeito aos direitos individuais, e, principalmente, pela razoabilidade. Definir modos específicos para “efetuar” a busca, seria uma tentativa de limitar inúmeras situações, que necessitam de procedimentos diferentes, para que seja realizado do modo ideal a salvaguardar o revistado, o local que cerca a situação e o policial. Entretanto, a utilização de meios excessivos, ou desnecessários, constituem abusos de autoridade.

Dos aspectos legais.

 O Código de Processo Penal, aventando sobre meio de provas (Título VII), em seu capítulo XI, trata da busca e apreensão e, através do artigo 240, parágrafo segundo, informa que a busca pessoal será realizada quando existir fundada suspeita de que alguém oculte armas ou objetos relacionados a atos criminosos, secundum legem,

§ 2o  Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Os objetos apresentados no parágrafo primeiro são as cartas destinadas ao acusado ou em seu poder que possibilitem a elucidação de ato criminoso, as coisas achadas ou obtidas por meios criminosos ou qualquer outro elemento de convicção. Também, a busca pessoal é autorizada no ato das prisões em flagrante ou por ordem judicial, quando existe fundada suspeita de cometimento de crime, ou, quando ordenada no curso de busca domiciliar, sendo que, para sua realização em todos os casos expostos, surge à independência de mandado, como informa o artigo 244, do CPP:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

O Código de Processo Penal Militar (CPPM) regula o tema, através do artigo 180, definindo a busca como a procura corporal, vestual, ou em objetos em poder do revistado. Discretamente, o Código de Processo Penal Militar, assim como Jorge de Cesar Assis, difere o termo “busca” pessoal do termo “revista”, afirmando que a revista seria um termo mais restrito, referente à pessoa e suas vestes, e a busca seria mais ampla, envolvendo objetos exteriores ao abordado[13], como previsto no artigo 181, despontando certa redundância nesse aspecto. O artigo 182 do CPPM, conforme o Código de Processo Penal (CPP) corrobora a independência de mandado para a realização da busca em pessoa que deva ser presa, quando determinada em uma busca domiciliar, bem como, na existência de suspeita de ocultação de corpo de delito:

Art. 182. A revista independe de mandado: a) quando feita no ato da captura de pessoa que deve ser presa, b) quando determinada no curso da busca domiciliar; c) quando ocorrer o caso previsto na alínea a do artigo anterior; d) quando houver fundada suspeita de que o revistando traz consigo objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e) quando feita na presença da autoridade judiciária ou do presidente do inquérito.

 O artigo 184 completa o artigo 182, informando que a busca pessoal por mandado será executada por oficial de justiça ou, no inquérito, por oficial mais antigo ou superior, sendo militar.

Art. 184. A busca domiciliar ou pessoal por mandado será, no curso do processo, executada por oficial de justiça; e, no curso do inquérito, por oficial, designado pelo encarregado do inquérito, atendida a hierarquia do pôsto ou graduação de quem a sofrer, se militar.

A Busca pessoal em mulheres é prevista do mesmo modo, nos artigos 249 do CPP e 183 do CPPM, com o entendimento que sua realização deve ser efetuada por outra mulher, caso não retarde ou prejudique a diligência.

Valter Ishida, consoante a legislação pertinente, entende que “a busca em mulher deve ser realizada por mulher, exceto se implicar retardamento[14]”, devendo, policial do sexo masculino, em caso que se justifique a necessidade da abordagem em mulher e, inexistindo a possibilidade de sua realização por policiais femininas, evitar o constrangimento desnecessário e balizar-se na razoabilidade que a conduta exigir, sob pena de incidência em crime, quando houver excesso ou, v.g., realização de parafilias, como visto em decisão do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo:

Ementa. Atentado violento ao pudor. Revista pessoal realizada de forma libidinosa por policial militar. Caracterização. Credibilidade do depoimento das vitimas, harmônico com o restante do conjunto probatório. Correta condenação pelo delito tipificado no artigo 233 do com. Comete o crime de atentado violento ao pudor policial militar que, durante revista pessoal, valendo-se do temor provocado por sua condição, constrange as vitimas a permitirem a pratica de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Decreto condenatório fundado no depoimento das vitimas com forte significância probatória, em harmonia com as demais provas materiais e circunstanciais[15].

                Assim, possibilita-se a realização da busca pessoal por policiais em suspeito do sexo oposto, desde que exista real necessidade e sejam esgotadas as possibilidades de realização da busca por policial do mesmo sexo.

                   Da "Fundada Suspeita”.

Para que exista legitimidade na busca pessoal, é de extrema importância à observância da fundada suspeita, expressão permeada de subjetividade e sem definição legal, possibilitando interpretações questionáveis e realizações de condutas ilícitas. Segundo Nucci,

Suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil, por natureza, razão pela qual a norma exige fundada suspeita, que é mais concreto e seguro. Assim, quando um policial desconfiar de alguém, não poderá valer-se, unicamente, de sua experiência ou pressentimento, necessitando, ainda, de algo mais palpável, como a denúncia feita por terceiro de que a pessoa porta o instrumento usado para o cometimento do delito, bem como pode ele mesmo visualizar uma saliência sob a blusa do sujeito, dando nítida impressão de se tratar de um revólver. Enfim, torna-se impossível e impróprio enumerar todas as possibilidades autorizadoras de uma busca[16].

 Como apresentado, “suspeita” difere de “fundada suspeita”, pois, enquanto “suspeita” remete ao “desconfiar”, a sua realização fundamentada sustenta uma materialidade, uma concretização da suspeita de uma determinada conduta para a sua formação, não sendo admitida a busca que não atenda este requisito, pois, “se a busca pessoal for feita sem que haja fundada suspeita, a conduta do agente policial poderá se caracterizar como crime de abuso de autoridade, por exemplo, se o fizer somente para demonstrar seu poder[17]”, como assevera Silva Junior:

No estado de Direito a persecução penal somente é possível na forma da lei, assegurada à dignidade da pessoa humana. Essa limitação ao poder punitivo não é uma proteção ao bandido, mas uma garantia ao cidadão honesto; pois impede que nas atividades estatais a pessoa humana seja tratada como coisa, como meio para se atingir um objetivo[18].

Portanto, a fundada suspeita não pode orientar-se por elementos subjetivos, já que, em virtude do caráter lesivo a direitos individuais, é importante a existência da reverência ao princípio da legalidade, impedindo sua utilização como “atividade preventiva de delito confiada na experiência do policial[19], como visto em decisão do Supremo Tribunal Federal:

A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo[20].

 Por conseguinte, quando a lei oferece espaço na indefinição da fundada suspeita, permite a intervenção de experiências e conceitos pessoais formados no decorrer da vida do policial militar, que pode alargar-se a parcialidade e a seletividade.

A busca pessoal é autorizada com o nascimento da fundada suspeita, e essa fundamentação deve ser material, real, e justificável. Físico, contextos sociais, cor, preferências sexuais, vestes, tatuagens ou cicatrizes, entre outros elementos que individualizam o homem, não podem, de maneira alguma, servir de fundamentação para suspeita. Pois, diferente dessa escolha “lombrosa” de suspeição natural, o ponto de análise da fundada suspeita incide na conduta humana que aponte a realização de ato criminoso, ou melhor, na suspeita da realização de algum ato ilícito, que pode ser exposto por denúncia de terceiros, ou através do próprio policial quando, v.g., avista um volume que poderia ser uma arma, independente de contextualizações externas ao indivíduo. Seja qual for a suspeita, é indiscutível a necessidade de sua materialidade e que, utilizar-se de estereótipos socioeconômicos ou raciais, como filtragem étnica[21], não representa autorização para o ato, mas sim, abuso de autoridade.

Da Legalidade da busca e a dignidade humana.

É inegável que a abordagem restringe direitos individuais e constrange o cidadão. Consoante esta afirmação, a constituição brasileira confere ao cidadão garantias e direitos individuais que limitam o poder estatal, como realiza o artigo 5ª, atendendo ao princípio da presunção de inocência (inciso LVII), a proibição de violação da intimidade, o respeito à vida privada, a honra, a imagem das pessoas (Inciso X), o direito de ir e vir (Inciso XV), e através da obrigatória observância da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, Inciso III), que, em face ao ato de “abordar”, seriam embaraçados, sofrendo limitações em suas plenitudes. Entretanto, o que se busca proteger através da busca pessoal é a segurança da sociedade, conflitando, o direito da coletividade, com o ilusório absolutismo do direito individual. Desta forma, não há que se falar em ilegalidade da busca pessoal prevista em lei, pois esta é legitimada socialmente e possui previsão legal, quando realizada conforme proposto pela lei, a fim de resguardar os cidadãos. Neste conflito, os direitos individuais cedem espaço à segurança da coletividade, bastando que, o policial, que é o instrumento de realização do ato de abordar, siga o padrão legitimado pela sociedade. Consoante ao apresentado, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou que:

Constitucional. Processo Penal. Direito de livre locomoção. Busca forçada. Revista. Possibilidade, quando no interesse da segurança coletiva. O direito individual à liberdade deve ser combinado com medidas preventivas de defesa da incolumidade pública e da paz social. A revista, ante suspeita séria de irregularidade que possa causar distúrbio à vida, à saúde ou à segurança das pessoas, é defensável quando efetivada em estado de necessidade coletiva[22].

Desta maneira, justifica-se a busca pessoal, devido a sua regulamentação por lei e sua finalidade de promover a segurança dos cidadãos, desde que seja realizada respeitando os princípios que orientam o ordenamento jurídico, entendendo a limitação e o controle da busca pessoal consoante sua existência em um contexto de leis que prezam, primeiramente, pela pessoa humana.
Contudo, os direitos individuais e a dignidade da pessoa humana serão desmedidamente afrontados, através do instrumento da busca pessoal, quando sua realização fundamentar-se em ilegalidades e excessos. O liame que diferencia a abordagem legal, do “baculejo” ilegal, é extremamente sensível, logo, as acusações de ilegalidade referentes ao tema não se originam na abordagem legal, mas sim, em sua deturpação, sua utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis, como apresentado em julgamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PENAL E PROCESSO PENAL MILITAR. LESÕES CORPORAIS. ART. 209 DO CPM. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME. RECURSO DESPROVIDO. 1. Comprovadas a materialidade e autoria do crime de lesões corporais praticadas por policial militar na ocasião de abordagem e busca pessoal, momento em que despeja sobre o corpo da vítima um recipiente contendo tíner, causando-lhe queimaduras, não há falar em absolvição. 2. Robustecidas as provas por meio de laudos de exame de corpo de delito, prova documental, declarações da vítima, testemunhas e relatos do próprio acusado, deve ser mantida a condenação do agente público. 3. Apelação desprovida[23].

E no julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RECURSO CRIME. ABUSO DE AUTORIDADE. ART. 3º, ALÍNEA I DA LEI 4.898/65. TIPICIDADE DA CONDUTA E SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. PRESCRIÇÃO.
1- Demonstrado de forma suficiente pela prova colhida que o policial militar, em abordagem, desferiu um tapa no rosto da vítima sem motivo aparente, está caracterizado o abuso de poder.
2 - Não transcorrido lapso temporal superior a 2 (dois) anos entre a data do fato e o recebimento da denúncia, ou entre este e a publicação da sentença penal condenatória, não há falar em prescrição. APELAÇÃO IMPROVIDA[24].

Sobre o abuso de autoridade, em face a busca pessoal, A lei 4.898, de 09 de Dezembro de 1965 versa através do artigo 3º, e em suas letras a, c e i, que:

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; c) ao sigilo da correspondência; i) à incolumidade física do indivíduo.

Do mesmo modo, o artigo 4º da mesma lei inclui:

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal.

Segundo Hely Lopes Meireles, esse abuso de autoridade é gênero, do qual são espécies o desvio de finalidade e o excesso. Conforme o autor, O excesso de poder acontece quando a autoridade ultrapassa a linha da legalidade, excedendo-se em sua competência, pois,

ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade quando incide nas previsões penais da Lei 4.898, de 9.12.65, que visa a melhor preservar as liberdades individuais já asseguradas na Constituição[25].

O desvio de finalidade realiza-se quando o policial desvirtua o ato, utilizando-se de um ato superficialmente legal, que acompanham meios e motivos ilegais, quando, v.g., utiliza-se da busca pessoal pra disseminar discriminações, satisfazendo interesse próprio[26].
 Portanto, o abuso é praticando por excesso, quando o policial militar, mesmo revestido de legitimidade para abordar, o faz de modo descomedido, agredindo fisicamente um revistado ou adotando procedimentos não razoáveis, e é realizado em desvio, quando o policial não representa o Estado, mas sim, age por vontade e interesses próprios, sem atender a finalidade pública, disseminando seus convencionalismos, e criando a sua própria margem de lei.
Deste modo, ilustra-se que a ilegalidade do ato de abordar surge justamente do abuso de poder, da seletividade, da sua utilização para propagação de preconceitos de quem efetua o “baculejo”, da não observância da dignidade da pessoa humana, do silêncio da sociedade motivado por medo de represálias em face ao corporativismo militar, ou, para manter a sensação imaginária de segurança que o cidadão tem, proporcionada também na abordagem ilegal, desde que o abordado não seja ele.
Acerca da dignidade da pessoa humana, atendimento primeiro, não só na abordagem policial, mas a qualquer ramo do ordenamento jurídico brasileiro, Luís Roberto Barroso ensina que o princípio surge no mandamento religioso de “respeito ao próximo[27]”, originando os direitos fundamentais e baseando os ideais de liberdade, igualdade e justiça. Em face a esta evolução, o artigo primeiro da Constituição federal, em seu inciso III, estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Esse conceito abrange uma infinidade de valores, a bem da proteção e valorização do homem, ou, como afirma Fátima Ferreira,

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está na base de todos os direitos constitucionais consagrados. Sejam direitos e liberdades tradicionais (art. 5º); direitos de participação política (art. 14); direitos sociais (art. 6º); direitos dos trabalhadores (art. 7º) e direitos às prestações sociais (art. 203). Porém, sua efetividade está longe das necessidades da população (...). Historicamente, o Brasil sempre foi vítima de uma das maiores desigualdades do mundo, superando até mesmo alguns países africanos. Esta desigualdade social é claro, reflete-se diretamente no Judiciário e deste chega ao Direito Penal, criando-se uma desigualdade criminal[28].

Segundo a autora em tela, o Estado serve ao homem e deve medir, em todas as suas ações, o atendimento a dignidade da pessoa humana, incidindo em inconstitucionalidade qualquer ato que não observe este ditame, que trata de equidade, de valoração do homem, tendo como requisito, unicamente, a existência deste, ou, em uma conotação religiosa: a reverência em face à criação.
O respeito ao princípio da dignidade é vital, em qualquer situação, e principalmente neste encontro Estado/cidadão proporcionado pela busca pessoal, pois, como fonte do respeito à condição humana, a dignidade não pode ser atendida seletivamente, a depender de classe, cor, ou atribuições físicas. Assim, o respeito ao homem, indiferente a qualquer atributo, deve ser à base de qualquer conduta estatal, policial ou cidadã, que, no fim, são de origem comum.

Da busca pessoal na fiscalização do trânsito, e outros embates.

Além do exposto, existem embates e discussões doutrinárias sobre aspectos que rondam a abordagem policial, como a representada através da lei nº 9503, de 23 de setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e, em seu anexo I, define Policiamento Ostensivo de Trânsito (a famigerada Blitz) como a função exercida pela Polícia Militar, para fiscalizar veículos e motoristas, zelando pela segurança pública e pelas normas de segurança de trânsito. Contudo, a realização dos bloqueios policiais não possui o escopo primeiro de fiscalização de veículos e condutores, mas sim, o de abordar “preventivamente” o cidadão, buscando precaver e inibir a sociedade em face de condutas delituosas. Destarte, como já indicado, a observância da fundada suspeita é essencial à abordagem, pois, sem ela, o ato reveste-se de ilegalidade, banalizando-se o instrumento da busca. Nesta situação, os veículos selecionados para a abordagem, salvo eventuais exceções, são escolhidos ao acaso, parados indiscriminadamente, por amostragem, para revista pessoal do condutor e dos ocupantes, bem como do veículo, sem qualquer denúncia ou indício de cometimento de ato criminoso, logo, sem a legitimação da fundada suspeita. Assim, Souza demonstra em seu artigo que,

não é legal e legítima a solicitação do agente policial para que o condutor de um veículo saia do mesmo para se submeter à revista pessoal, salvo quando ocorrer a “fundada suspeita” de que esteja transportando produto de natureza ou de origem criminosa. Não se admite critérios subjetivos, assim é admissível a recusa do condutor em sair do veículo, não constituindo esta simples recusa em crime de desobediência do art. 330 do Código Penal e pelo mesmo motivo não há que se falar em crime de desacato[29].

Ou, nas palavras de Silva Junior:

Portanto, o baculejo será ilegal quando caracterizar-se como atividade estatal preventiva de delito. Como ocorre, por exemplo, no chamado bloqueio relâmpago ou blitz que realiza também a busca pessoal de maneira genérica – sem a fundada suspeita. Todos que forem parados no bloqueio são revistados. Essa atividade do Estado não tem previsão na ordem jurídica. Entenda-se bem. A blitz de trânsito, aquela que fiscaliza documentos e condições do veículo tem previsão legal no Código de Trânsito. Ilegal é o bloqueio policial que submete o cidadão ao baculejo como ação preventiva de delito. Ele não é suspeito de ocultar nada. Na verdade, é um azarado, estava no local errado na hora errada; por isso obrigado a descer do carro, mãos na cabeça, ser apalpado e o carro vasculhado, sob a mira de arma de fogo e aos olhos de todos[30].

Rogério Greco entende que a blitz pode e deve ser realizada, como atividade de prevenção, não obstante, observando-se a suspeição fundada, tendo como intolerável qualquer abuso[31], e afirma a prerrogativa de função de magistrados e promotores, entre outras autoridades com prerrogativas de função, como fator de dispensa em abordagens:

em carro particular não pode ser feita em pessoa que goza de foro com prerrogativa de função. Ou seja, um magistrado ou um membro do ministério publico não pode ser revistado por agentes policiais, desde que se identifique; e, caso haja duvidas sobre a sua identidade, o fato deverá ser encaminhado à unidade policial mais próxima, para que o respectivo chefe da instituição compareça e proceda a revista, ou da forma que entender cabível[32].

As revistas realizadas em aeroportos são reguladas através do Decreto nº 7.168, de 05 de maio de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita, disciplinando a busca pessoal como revista corporal, vestual, e em demais objetos realizada por policial ou por agente de proteção da aviação civil, com consentimento do inspecionado, na existência de suspeita de que haja arma ou algum objeto proibido ou na impossibilidade da inspeção por outro método, sendo vedado o embarque do passageiro que não permitir a inspeção. Távora e Alencar discordam, afirmando que abordagens realizadas em aeroportos, boates e festas não são reguladas pelo CPP, e devem “atender a razoabilidade e respeitar a intimidade. Estão afetas ao lado contratual. Aquele que não desejar se submeter à mesma, tem a opção de não se valer do serviço ofertado ou simplesmente não frequentar o estabelecimento[33]”.
Apoiando a idéia de busca preventiva em eventos, independente de fundada suspeita, Assis entende que

a busca e a revista pessoal tem caráter mais preventivo do que repressivo, podendo ocorrer de forma preventiva nos campos de futebol e locais de show onde ocorra aglomeração considerável de pessoas (...) quando ela é preventiva, não visa ninguém em especial, todos sendo submetidos a busca. Em face do aumento da violência e criminalidade, também se faz busca pessoal preventiva por meio de instrumentos nos bancos e até em escolas[34].

Apesar das disparidades, é unânime o entendimento que a forma da abordagem, em qualquer dos casos ilustrados, deve se pautar pela razoabilidade e respeito à dignidade e direitos individuais do homem. Isto posto, exigir que alguém deite ao chão em postura de submissão, utilizar-se de armamento em riste ao revistado, conduzir a revista pessoal de forma excessivamente constrangedora, sem que haja real necessidade para tal, é conduta ilegal. Medidas enérgicas são consideradas excessos quando desnecessárias, acrescentando que, as abordagens realizadas em espetáculos, shows, que particularizam o indivíduo e não sua conduta para definição da fundada suspeita, não possuem outra forma, se não, a de total ilegalidade, e, mesmo possuindo indícios que fundamente a fundada suspeita, devem-se evitar atos humilhantes e desmoralizantes além do razoável, não olvidando que a busca é realizada em favor da segurança coletiva e do cidadão, nunca como instrumento de ofensa ao indivíduo.
Ainda em exposição de embates, existem, em determinadas unidades policiais e operações, o obrigatório atendimento a número específico de abordagens, quando o serviço é realizado por meio de rádio patrulhamento em viaturas. Assim, há a determinação por parte de alguns superiores hierárquicos que administram este serviço, de que sejam realizadas abordagens pessoais em números pré-determinados, exigindo-se do policial o cumprimento de metas quantitativas de buscas pessoais, incidindo em ilegalidade, visto essa exigência de que se realize um ato administrativo que limita direitos individuais, independente da existência de seus requisitos.
Ante o exposto diversificado de interpretações quanto à utilização da abordagem pessoal, suas limitações, os elementos que possibilitam sua feitura, e a inclusão ou não da fundada suspeita como elemento essencial ao tema, surge a lancinante necessidade se controlar essa desarmonia, bem como, combater a utilização indevida da abordagem, que segue sendo realizada, confrontando a ordem e a legalidade.

Considerações Finais.

Em respeito aos direitos individuais e a dignidade da pessoa humana, a abordagem pessoal não recebe devida atenção pela legislação brasileira, que, sem compromisso, entrega a enorme responsabilidade de limitar direitos individuais, partindo de um conceito subjetivo, ao policial militar, confiando em sua imparcialidade e na sua leal utilização do instrumento de abordar. A busca pessoal é essencial sim, pois através dela impede-se a realização de crimes diariamente, bem como, eleva-se a sensação de segurança da sociedade. Contudo, possui parâmetros a serem analisados, que, na sua inobservância, eiva de ilicitude sua realização, deixando o policial de ser legítimo representante do Estado, para figurar-se a margem da lei. A Fundada Suspeita é elemento essencial que autoriza e limita esse ato, não existindo fundamentação para a busca pessoal sem este elo de conexão. Todavia, não existe definição específica do termo e, analisando o contexto onde surge a busca, nem deve existir, pois é impossível definir todas as situações que apontem a necessidade da revista. A quem entenda a argúcia policial como legitimadora, devido a sua experiência em campo, outros estudiosos afirmam a necessidade da concretização da suspeita, seja através de denúncia, ou da própria verificação do serviço policial na área, retirando achismos e conceitos pré-estabelecidos da gama de sua realização. Apesar da divergência, entende-se, consoante a maioria dos estudos analisados, que fora da fundada suspeita, do respeito aos direitos individuais e da dignidade da pessoa humana, “não existe salvação”, e, o policial militar que utiliza o instrumento da busca pessoal por meio de critérios próprios, opinativos, quantitativos, ou não atendendo o principio da legalidade ao não basear-se nos ditames da lei, realiza abuso de autoridade e constrangimento ao cidadão.
A busca pessoal é ato administrativo limitador de direitos individuais, previsto em lei, instrumentalizado pelo poder de polícia, a fim de salvaguardar a segurança da sociedade, e legitimado através da fundada suspeita, que, deste modo, é a concretização da imprecisa suspeição, por meio de condutas que demonstrem a possível realização de um ilícito. Utilizar-se desse instrumento para realização de ações preventivas, como ocorre em bloqueios policiais, para estabelecer filtragens sociais ou raciais, “escolhendo” aqueles que serão abordados, ou até mesmo, quando a ação for legítima, para utilizar-se excessivamente deste instrumento, é ilegal, e não compreende fato autorizante da busca pessoal por limitar direitos individuais sem a permissão do Estado, e sem o intuito pró-sociedade, assim também deve ser entendido o modo pelo qual se realiza a abordagem. O policial, além do respeito aos direitos individuais, deve atenção a segurança do revistado e a própria segurança, sendo possível a admissão por uma postura enérgica, se contextualmente adequada para a realização da busca, evitando o uso da força, desde que a razoabilidade exija. Contudo, não atendendo a razoabilidade imposta, em face à situação, o policial incide em abuso.
Entretanto, vivendo em uma sociedade selecionadora, preconceituosa e discriminante, que estigmatiza estereótipos como alvos e define o caráter de um homem por suas vestes, cor, ou classe social, é difícil construir essa imparcialidade, até porque, o policial, antes de ser um representante estatal, é fruto dessa sociedade, é, apesar de sua posição de representante, mais um cidadão, e, geralmente, desenvolve-se justamente no meio em que se utiliza da abordagem ilegal com mais “liberdade”. Consoante a esta verdade, nota-se a complexidade de esperar em um homem, que, ao exercer a função miliciana, seja imparcial e tenha seu raciocínio livre de vícios e conceitos firmados.
                 Quanto à falta de limitação ou de lei em face de busca pessoal, o entendimento é o mesmo quanto ao restante do ordenamento brasileiro: é necessária a organização deste desalinho. Reformulações das leis que versam sobre a busca pessoal, por mais que pareçam atraentes, não são urgentes, devendo surgir, na verdade, uma melhor organização e posicionamento dos doutrinadores em face aos fatos que rondam o tema, visando extinguir as dúvidas que maculem o instrumento, pois, mesmo quando entende-se “fundada suspeita” como a existência física de fato que autorize a busca, ainda imperam duvidas quanto a outras questões que participam da matéria. Contudo, durante essa empreitada de conceituar a abordagem policial como um todo, inserido em um ordenamento jurídico que, por si, já deve reverência ao princípio da dignidade humana, não se deve olvidar de combater a prevalência da esfera “opinativa” do policial e a utilização criminosa da abordagem, fiscalizando a observância dos direitos individuais, da dignidade da pessoa humana e do princípio da legalidade, combatendo a abordagem ilícita, bem como, os seus realizadores

[1] Acadêmico do 100 semestre noturno do curso de Direito da FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências. .

[2] Promotor de Justiça, especialista em Direito Penal e processual penal, professor de processo penal, coordenador da pós-graduação em ciências criminais, autor do livro “Sistema Penal Brasileiro – o garantismo restaurativo” e autor de diversos artigos jurídicos publicados no IBCCRIM e outros sites jurídicos.

[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Ricardo Rodrigues da Gama. 1ª ed. São Paulo: Russel, 2006.

[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P.772

[6] Idem 05

[7] LAZZARINI, Alvaro. Do poder de polícia.Painel. Semana de Estudos de Trânsito organizada pela Polícia Militar do estado de São Paulo. São Paulo, 04 de outubro de 1984.

[8] SILVA, Alexandre Rezende da. Princípio da legalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em:. Acesso em: 19 maio 2011.

[9] MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Manole, 2005. p. 496.

[10] CUNHA, Rogério Sanches. Processo penal: doutrina e prática. São Paulo: JusPodivm, 2008. p. 110.

[11] POLÍCIA MILITAR DA BAHIA. Manual básico de abordagem policial. 2000. p. 02.

[12] MIGUEL, Marco Antonio Alves. Polícia e Direitos Humanos: Aspectos Contemporâneos. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília, Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, Marília, 2006. Disponível em <http://br.monografias.com/trabalhos3/policia-direits-humanos-aspectos-contemporaneos/policia-direits-humanos-aspectos-contemporaneos.shtml>, acesso em 24 de março de 2011.

[13] ASSIS, Jorge Cesar de. Código de processo penal militar anotado  2º volume. Curitiba: Juruá, 2008. p. 25.

[14] ISHIDA, Válter Kenji. Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2009. P. 141.

[15] BRASIL, Tribunal de Justiça Militar. Asp. Crim. 005205/03. São Paulo. Rel. Juiz Paulo Prazak . J. em 22.09.2005

[16] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6 ed. São Paulo, 2007, p. 493.

[17] FEITOSA, Denilson. Direito Processual apud GREGO, Rogério. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais - 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2009, p. 32.

[18] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Levar baculejo é legal? Busca pessoal na persecução penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2011.

[19] GREGO, Rogério. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais – 2 ed.. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2009, p. 32.

[20] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 81.305-4. Goiás, p. 306.

[21] RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

[22] BRASIL. Acórdão nº 1.0000.00.283122-0/000(1).  Minas Gerais. Rel. Almeida Melo – J. em 27.11.2002

[23] BRASIL. Apelação nº 0070111273568APR. Distrito Federal. Rel. Silvânio Barbosa dos Santos, 2ª Turma Criminal, j. em 24/03/2011, DJ 04/04/2011 p. 171.

[24] BRASIL. Turma Recursal Criminal. Recurso Crime Nº 71002250496,Rio Grande do Sul , Rel.
Volcir Antônio Casal, J. em 14.09.2009.

[25] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18.ed. São Paulo, 1993. p. 84-85

[26] Idem 21

[27] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo, os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. Luis Roberto Barroso, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 250.

[29] SOUZA, Alexandre do Couto. Abordagem policial, “Blitz” e o direito do cidadão. Disponível em: <.http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3807/ABORDAGEM_POLICIAL_BLITZ_E_OS_DIRE ITOS_DO_CIDADAO> Acesso em: 25 abr. 2011

[30] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Levar baculejo é legal? Busca pessoal na persecução penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2011.

[31] GREGO, Rogério. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais – 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2009, p. 32.

[32] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, p. 151 apud  GREGO, Rogério. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais, 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2009, p. 32.

[33] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosimar Rodrigues. Curso de direito processual penal . 3. Ed. Salvador: JusPODIVM, 2009. p. 400.

[34] ASSIS, Jorge Cesar de. Código de processo penal militar anotado . 2 volume. Curitiba: Juruá, 2008. p. 182.
 

Um comentário:

  1. Cabe aqui apenas externar ao Soldado, minhas considerações e acima de tudo, meu orgulho em saber que o douto acima, faz uma exposição brilhante do direito.
    Espero que alguns oficiais e praças graduados leiam e tenham uma manifestação de ombridade, pois, o pouco que lí do artigo exposto pelo mesmo, foi o muito que não aprendí em sala de aula, na minha Gloriosa Corporação, chamada outrora de Briosa Policia Militar de Pernambuco.
    Minhas congratulações e em particular admiração pelo Tema Exposto.
    Sgt PM

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