Moral da história já pensou se todos motoristas recusar-se apresentar os documentos ao policial sabendo que se isso acontecer não daria em nada? Aí poderia passar por nós diversos marginais que não era obrigado mostrar o documento e conseqüentemente não seriam preso! Como sabemos decisão judicial não se discute se cumpre, veja a sentença.
HC/88452 - MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS
Classe: HC
Procedência: RIO GRANDE DO SUL
Relator: MIN. EROS GRAU
Partes PACTE.(S) - A. Q. M.
IMPTE.(S) - I. M. C.
COATOR(A/S)(ES) - PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE
Matéria: DIREITO PROCESSUAL PENAL | Ação Penal | Nulidade | Cerceamento de Defesa
DECISÃO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Esta decisão é por mim proferida em face da ausência eventual, desta Suprema Corte, do eminente Relator da presente causa (certidão a fls. 174), justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 38, I, do RISTF. Os fundamentos em que se apóia esta impetração conferem, a meu juízo, densidade jurídica ao pleito ora deduzido nesta sede processual. Com efeito, a situação exposta nos presentes autos, analisada em sede de estrita delibação, parece evidenciar hipótese de possível ausência de tipicidade penal na conduta de que resultou a condenação do ora paciente à pena detentiva de 03 meses, a ser cumprida em regime aberto, além da pena de multa, pela prática do crime de desobediência. Sustenta-se, a partir da interpretação dada ao art. 330 do CP, em consonância com o que dispõe o art. 238 da Lei nº 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, que não estaria configurada, na espécie, a tipicidade penal do comportamento atribuído ao ora paciente (fls. 10/12), que se recusou a exibir, durante vistoria de trânsito, ao policial militar encarregado da diligência, os seus documentos e aqueles referentes ao veículo automotor que dirigia. A jurisprudência dos Tribunais, inclusive a desta Suprema Corte, orienta-se no sentido de que não se configura, no plano da tipicidade penal, o crime de desobediência (CP, art. 330), se a inexecução de determinada ordem, emanada de servidor público, revelar-se passível de sanção de caráter administrativo prevista em lei, como ocorre nos casos em que o condutor de veículo automotor se recusa a exibir, quando solicitado por agente de trânsito, os documentos de habilitação, de registro, de licenciamento de veículo e outros exigidos por lei (Código de Trânsito Brasileiro, art. 238). O exame da presente impetração, considerado o magistério jurisprudencial dos Tribunais em geral, inclusive o desta Suprema Corte (RT 368/265 – RT 502/336 - RT 543/347 – RT 613/413 – RT 715/533 – RF 189/336 – Julgados do TACRIM/SP, vol. 72/287, v.g.), põe em evidência, na espécie, a plausibilidade jurídica da postulação veiculada nesta sede processual: “- Não se reveste de tipicidade penal - descaracterizando-se, desse modo, o delito de desobediência (CP, art. 330) - a conduta do agente, que, embora não atendendo a ordem judicial que lhe foi dirigida, expõe-se, por efeito de tal insubmissão, ao pagamento de multa diária (‘astreinte’) fixada pelo magistrado com a finalidade específica de compelir, legitimamente, o devedor a cumprir o preceito. Doutrina e jurisprudência.” (HC 86.254/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO) “DESOBEDIÊNCIA – Não configuração – Infração de trânsito – Estacionamento irregular de veículo na via pública – Multa imposta ao acusado pelo fato e também pela não exibição dos documentos à autoridade – Absolvição decretada – Inteligência do art. 330 do CP. Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime de desobediência, salvo se dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 do CP.” (RT 534/327, Rel. Des. CAMARGO SAMPAIO – grifei) “DESOBEDIÊNCIA – Delito não caracterizado – Acusado que se nega a exibir a documentação de veículo solicitada por guarda de trânsito – Infração sujeita, porém, a sanção administrativa, prevista no art. 83, n. XVII, do Código Nacional de Trânsito – Inteligência do art. 330 do Código Penal. Deixará de existir o delito de desobediência se o descumprimento de uma ordem oficial estiver acompanhado de uma sanção de natureza administrativa, salvo se a lei ressalvar de maneira expressa a dupla penalidade: administrativa e penal.” (RT 516/345, Rel. Juiz CAMARGO ARANHA - grifei) Cabe enfatizar, neste ponto, que essa orientação jurisprudencial encontra pleno apoio em autorizado magistério doutrinário (DAMÁSIO DE JESUS, “Direito Penal - Parte Especial”, vol. 4, p. 219, 12ª ed., 2002, Saraiva): “Inexiste desobediência se a norma extrapenal, civil ou administrativa, já comina uma sanção sem ressalvar sua cumulação com a imposta no art. 330 do CP. Significa que inexiste o delito se a desobediência prevista na lei especial já conduz a uma sanção civil ou administrativa, deixando a norma extrapenal de ressalvar o concurso de sanções (a penal, pelo delito de desobediência, e a extrapenal). Ex. de sanções cumuladas: CPC, art. 362. Exs. de sanções não cumuladas: infração a regulamento de trânsito, desobediência ao Código de Menores etc. Assim, a recusa de retirar o automóvel de local proibido, que configura infração ao CNT, não constitui crime de desobediência. Isso porque a norma extrapenal prevê uma sanção administrativa e não ressalva a dupla penalidade.” (grifei) Essa mesma percepção do alcance do art. 330 do CP já era perfilhada por NELSON HUNGRIA (“Comentários ao Código Penal”, vol. IX, p. 417, 1958, Forense), cujo magistério, na matéria, assim versava o tema: “Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 (...).” (grifei) Cumpre ter presente que esse entendimento é também registrado pelo magistério da doutrina (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código Penal Interpretado”, p. 2.444, 5ª ed., 2005, Atlas; LUIZ REGIS PRADO, “Comentários ao Código Penal”, p. 1.017, 2002, RT; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Direito Penal”, vol. III, p. 481, 2004, Saraiva; CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 657, 6ª ed., 2002, Renovar; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 1.109, item n. 7, 3ª ed., 2005, Saraiva; PAULO JOSÉ DA COSTA JR., “Código Penal Comentado”, p. 1.073, item n. 4, 8ª ed., 2005, DPJ Editora, v.g.). Concorre, por igual, na espécie ora em exame, o requisito pertinente ao “periculum in mora” (fls. 23), circunstância esta que me leva a deferir o pedido de medida cautelar, em ordem a suspender, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da condenação penal que foi imposta, ao ora paciente, nos autos do Processo nº 203.0003949-5 (Juizado Especial Criminal adjunto da comarca de Santo Ângelo/RS). Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao MM. Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal adjunto da comarca de Santo Ângelo/RS (Processo nº 203.0003949-5) e ao Senhor Presidente da Primeira Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul (“Habeas Corpus” nº 71000881532). Uma vez cumprida esta decisão, encaminhem-se estes autos ao gabinete do eminente Relator, para efeito de ulterior deliberação de Sua Excelência. Publique-se. Brasília, 07 de abril de 2006. Ministro CELSO DE MELLO (RISTF, art. 38, I) 1
Fonte: Supremo Tribunal Federal http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=75&dataPublicacaoDj=19/04/2006&incidente=3735760&codCapitulo=6&numMateria=51&codMateria=2
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