Justiça inocenta Cheregatto da morte de soldados da Base.Certo, e quem matou os Soldados?

A falta de provas contra o ex-capelão foi decisiva para a absolvição. A acusação ainda tentou suspender o julgamento

Quase oito horas de sessão, réplica, tréplica, e, por fim, o veredito: absolvição por unanimidade de votos. Este foi o resultado do julgamento do padre e capitão da Força Aérea Brasileira, José Severino Cheregatto, 45, ex-capelão da Base Aérea de Fortaleza.

Quatro anos depois das mortes dos soldados Francisco Cleoman Fontenele Filho e Robson Mendonça Cunha, nas dependências daquela corporação, a Justiça Militar do Ceará considerou o padre inocente, por absoluta falta de provas.

O julgamento, acompanhado por cerca de 80 pessoas, entre jornalistas, familiares das vítimas, parentes do padre, curiosos e estudantes de Direito, teve início às 9 horas e só terminou às 17h10, quando os cinco juízes - quatro militares e um togado - votaram pela absolvição do ex-capelão.

Mistério

Com o resultado do julgamento, a morte dos dois soldados - cujos corpos, com marcas de tiro de pistola na cabeça (um disparo em cada vítima), foram encontrados na noite de 10 de setembro de 2004 - permanece em mistério.

Foram quatro anos de investigações, iniciadas com um Inquérito Policial Militar (IPM) e, depois, com a instauração do processo penal militar.

As conclusões de 15 laudos periciais e o depoimento de mais de uma centena de testemunhas - arroladas pelo Ministério Público Militar e pela defesa do padre - não foram suficientes para provar cabalmente que Cheregatto foi o autor do suposto duplo homicídio.

´Lamentavelmente, não chegamos à autoria do crime, nem ao menos à dinâmica dos fatos. Os laudos são divergentes. Até hoje, não se sabe se ocorreu um duplo homicídio, isto é, uma ou mais pessoas mataram os soldados, ou se ocorreu um homicídio seguido de suicídio”, disse o juiz de Direito Ruslan Blaschikoff ao fim do julgamento.

Durante as oito horas de sessão, defesa e acusação travaram intenso debate. O promotor de Justiça Militar, Alexandre Barros Leal Saraiva; e o assistente da acusação, José Wilson Pinheiro Sales, iniciaram o Júri alegando que a produção de provas contra o réu foi prejudicada. Alegaram que a não realização de um novo exame de sanidade mental no padre caracterizou um cerceamento no curso do processo.

Para os dois, o laudo que consta nos autos, indicando que Cheregatto não era portador de doença mental, na época do caso, havia sido produzido com várias falhas e que outro exame seria necessário.

Com base nisto, Saraiva e Sales alegaram que o processo estaria ´imaturo´ para julgamento. Sustentaram, então, que o correto seria a suspensão do Júri e a realização de novas diligências.

Os advogados de defesa do ex-capelão, criminalistas Paulo Quezado e João Marcelo Pedrosa, foram à tribuna com a tese de que Cheregatto deveria ser absolvido, diante da absoluta falta de provas contra ele. Sustentaram o álibi de que, na hora em que ocorreram as mortes dos soldados, o religioso se encontrava na capela da Base Aérea, onde celebrou duas missas de sétimo dia, entre 18 e 20 horas, apesar de ambas terem tido pequenos atrasos.

Celebrações

´Como ele poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Isso é impossível ao ser humano. Está provado que, na hora em que ocorreram as mortes, o padre estava na capela da Base Aérea e celebrou as duas missas”, ressaltou João Marcelo, exibindo, entre outras provas, um anúncio publicado no Diário do Nordeste, na data das mortes, em que a família do ex-comandante do Corpo de Bombeiros do Ceará, coronel Emilson Ribeiro, convida para a celebração da missa de sétimo dia na capela da Base.

Já Paulo Quezado sustentou que ficou provada a inexistência de qualquer ligação entre o padre e os soldados mortos. “O padre sequer conhecia os rapazes. Foi quebrado o sigilo telefônico dele e dos soldados. Não havia uma só ligação entre eles”, ressaltou.

Os debates se prolongaram com réplica e tréplica, quando o promotor e os advogados reforçaram suas teses. A acusação insistiu no pedido para que o julgamento fosse suspenso e realizadas novas investigações (em especial, um novo exame se sanidade mental no padre). A defesa persistiu na argumentação de que não havia no processo uma só prova que indicasse o envolvimento de Cheregatto na morte dos militares.

O juiz Blaschikoff levou quase uma hora fundamentando seu voto pela absolvição do padre, relatando passos do processo, detalhes do IPM e divergência entre os laudos periciais elaborados pelas polícias Civil e Federal. Seu voto foi acompanhado pelos quatro oficiais julgadores da Aeronáutica.

INDÍCIOS
Boato envolveu o ex-capelão no episódio

Um simples boato teria sido o motivo que envolveu o nome do padre Severino Cheregatto no caso da morte dos soldados Cleoman Fontenele e Robson Mendonça. Segundo os autos do processo julgado ontem, uma religiosa teria mencionado o nome do padre e este boato retransmitido por um suboficial da Base.

Foi a partir deste fato que as autoridades passaram a investigar a suposta participação do ex-capelão no episódio.

No Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado no dia seguinte ao fato, o oficial encarregado das diligências (capitão-aviador Márcio Gonçalves Ribeiro) tomou o depoimento de 142 pessoas, a maioria militares da Base Aérea. Segundo a defesa do padre, nenhuma delas disse ter visto Cheregatto na cena das mortes.

Denunciado

Já no processo penal, instaurado pela Justiça Militar, o padre prestou depoimentos contraditórios sobre o que fazia no dia e horário (provável) das mortes, o que levou o Ministério Público Militar a oferecer denúncia contra ele, baseado em indícios. Segundo o promotor Alexandre Saraiva, as contradições acabaram se somando a outros fatos, como a descoberta de fotos pornográficas na casa do padre (em Manaus) e depoimentos sobre seu comportamento sexual.

A defesa afirma que, ao contrário do que é sustentado pela acusação, o processo resultou numa ampla e profunda investigação que teve a participação de experientes peritos e de investigadores da Polícia Federal. Ainda assim, não foi encontrado nenhum elo de ligação entre o padre e as vítimas, nem prova de sua participação nos crimes. Cheregatto já foi absolvido em dois dos três processos instaurados contra ele. Um por estelionato e, ontem, pela morte dos soldados. Resta mais um, sobre o desvio de dinheiro da capela da Base Aérea.

LÁGRIMAS
Tristeza e revolta das famílias dos mortos

“Esperei quatro anos por justiça e o que aconteceu foi isso. Padre, um dia você vai pagar. Você e todas as pessoas que estão aí, do seu lado.” A declaração, em tom de desabafo e desespero, entrecortada por lágrimas, foi de Fátima Fontenele, mãe do soldado José Cleoman Fontenele, um dos militares encontrados mortos, na noite de 10 de setembro de 2004, num posto de vigilância na Base Aérea de Fortaleza.

Fátima não conteve sua decepção e revolta ao final da sessão que julgou o padre Severino Cheregatto e o absolveu da acusação de ter assassinado os dois militares.

Tristeza

Fátima Fontenele manifestou sua indignação ainda na sala de julgamentos da Auditoria Militar, logo após o juiz-auditor, Ruslan Blaschikoff, pronunciar seu voto pela absolvição do ex-capelão. Suas lágrimas foram também acompanhadas pelos familiares do soldado Robson Mendonça.

Após o fim da sessão, o padre Cheregatto deixou o local em companhia dos seus advogados de defesa. O promotor de Justiça Militar, Alexandre Saraiva, disse ao Diário do Nordeste que iria estudar o assunto e decidir se fará ou não a apelação contra a absolvição.

Fernando Ribeiro
Especial para Polícia

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=561642