quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Veja o que o juiz diz sobre o militarismo na PM.

Por uma total desmilitarização

Luís Carlos Valois Juiz de Direito, mestre e doutorando em direito penal pela Universidade de São Paulo, membro da Associação Juízes para a Democracia e da Law Enforcement Against Prohibition - LEAP, Associação de Agentes da Lei Contra a Proibição das Drogas



Confesso a minha dificuldade em diferenciar as diversas polícias que as mentes fertilmente policialescas de nossos governantes foram capazes de criar até hoje. E a polícia militar, como outras, é uma instituição enraizada na nossa sociedade e no nosso inconsciente, a ponto de obstaculizar o juízo crítico sobre a sua razão de existir.
Não quero entrar na história de repressão, com origens na ditadura, dessa polícia, mas tão somente abordar um problema que é de todas as polícias e parece ser da essência da polícia militar: o combate ao inimigo.
Esse é o grande problema, o combate ao inimigo está na agenda de todas as polícias.
A polícia civil, que era para ser judiciária e auxiliar o judiciário na busca da verdade possível sobre os fatos tidos como criminosos, quando não está somente redigindo boletins de ocorrência, os famosos B.O.'s, também está à caça de alguém. Tem até esquadrões.
A polícia federal tem suas tropas de elite, gosta de se vestir de ninja e se vangloria de suas operações sensacionalistas.
Aliás, a guerra está aí para todo mundo vê. O judiciário e o Ministério Público criam varas e promotorias de combate ao crime, como se Justiça se fizesse combatendo. No caso do judiciário a incoerência é mais grave, visto que ou se é juiz ou combatente: um juiz de combate ao crime é uma evidente contradição.
O pobre que sai da linha é o inimigo. O pobre que sai da linha e é apanhado nessa malha cada vez mais corroída e cheia de buracos que é a segurança pública. O pobre que sai da linha e tem o azar de ser peneirado para servir de exemplo, exemplo tosco de combate ao crime.
As penitenciárias são os depósitos desses peixes pequenos, depósitos sujos que não passariam na mais simples inspeção de qualquer vigilância sanitária. Mas não tem problema, os peixes estão lá para apodrecer mesmo, afinal não são nada mais nada menos que inimigos.
Assim se o que caracteriza a polícia militar é o combate ao inimigo, a polícia militar não difere das demais, e o que estamos precisando é da desmilitarização de todas as polícias, mas principalmente da desmilitarização do combate à pobreza, para ser mais específico.
Melhor seria a desmilitarização da sociedade como um todo, porque a polícia que está em cada um de nós, na aproximação com outro, na abordagem do estranho, no trânsito, nas filas, a nossa polícia interna está cada vez mais militar.
A ideia de uma policia para servir a população é igualmente contraditória, pois para me servir eu não preciso de polícia, mas de hospital, de escola, de bons funcionários nos diversos ramos do "serviço público".
Dizer que a polícia está aí para servir a população já é ideologia pura e simples para camuflar o fato de que esse "servir" equivale a "combater" a outra parcela da população, a mais desservida.
O ideal mesmo seria uma sociedade sem polícia, sem a polícia de Estado e sem essa polícia que vive em cada um de nós. Contudo, se isso não é possível, que as polícias sejam menos militares e mais justas.
Justiça social, criminal, econômica, qualquer Justiça é inviável na mentalidade de combate, vez que a única justiça que há na violência e na disputa é a justiça do mais forte.

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